E agora, PT?

Encarar o antipetismo, fazer oposição e redimensionar Lula e Haddad: os desafios do Partido dos Trabalhadores

Ana Carla Bermúdez, Bernardo Barbosa e Nathan Lopes Do UOL, em São Paulo
REUTERS/Amanda Perobelli

O dia seguinte

Com seu maior líder na cadeia e após um desempenho expressivo nas eleições apesar da derrota de Fernando Haddad na corrida presidencial, o PT começa a debater nesta terça (30), em reunião da direção partidária em São Paulo, os rumos da legenda na oposição ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL).

O encontro acontece um dia depois de o secretário de finanças do partido, Emídio de Souza, visitar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão. Saiu de Curitiba com o recado de que Haddad -- que nunca foi unanimidade no PT -- deve ser apoiado pelos correligionários para ser líder da oposição após conquistar 47 milhões de votos.

A visita e a orientação sinalizam que Lula continuará dando as cartas no PT, e integrantes do partido valorizam seu papel de articulador e conselheiro. Fora da legenda, no entanto, tal influência está longe de ser bem vista, e pode ser um problema para ampliar o eleitorado da legenda.

Não foi por acaso que Bolsonaro explorou de forma incessante na campanha a prisão de Lula -- chegou a chamar Haddad de "pau mandado de corrupto" --, assim como os escândalos envolvendo o PT. O antipetismo foi uma das linhas mestras da candidatura vencedora.

Apesar disso, petistas exaltam a força do partido nas urnas, com a votação para Haddad, a maior bancada da Câmara e quatro governadores eleitos. Os resultados colocam o PT como potencial líder da oposição a Bolsonaro, o que Ciro Gomes (PDT) já mostrou que não vai aceitar passivamente.

A linha de atuação do PT na oposição ainda não parece definida. Segundo petistas, acadêmicos e analistas ouvidos pelo UOL nos últimos dias, o partido deve tentar se colocar como o líder de uma "frente democrática" e reforçar a mobilização de grupos que tradicionalmente apoiam o partido, como movimentos sociais.

Arte UOL
Henry Milleo/Fotoarena/Estadão Conteúdo Henry Milleo/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Antipetismo, o principal obstáculo

A rejeição de 52% ao nome de Fernando Haddad indicada na última pesquisa Datafolha antes do segundo turno ajuda a dar a medida daquele que se apresenta como o principal adversário do PT: o antipetismo.

O sentimento anti-PT já tinha dado as caras nas eleições de 2016, no rastro da Operação Lava Jato, quando o partido perdeu mais da metade das quase 600 prefeituras que tinha pelo país. Neste ano, Bolsonaro tomou a bandeira para si e tornou a disputa em um embate do "Brasil" contra o petismo.

A resposta da campanha de Haddad foi se apresentar como representante da democracia em oposição a um adversário caracterizado pelo PT como autoritário e violento. Assim, o petista pretendia liderar uma "frente democrática" suprapartidária, mas não conseguiu.

Como pano de fundo da dificuldade de fechar alianças, está o fato de que o PT tem 38% da rejeição do eleitorado, a maior entre os partidos (também tem a maior preferência: 22%), segundo pesquisa Ibope do dia 25 de outubro.

Também pesam a favor do antipetismo a reverência dos petistas a Lula, condenado e preso na Lava Jato; a narrativa de perseguição política ao ex-presidente e ao partido após o impeachment de Dilma Rousseff e a Lava Jato; e a falta de autocrítica pública do PT por erros do partido, algo que foi constantemente cobrado de Haddad na campanha do segundo turno.

Até que nós conseguimos ter resultado expressivo (...) O país está dividido. De forma muito ruim se construiu um carimbo identificando o PT como corrupção, quando na verdade ela atingiu todos os partidos

José Eduardo Cardozo (PT)

José Eduardo Cardozo (PT), ex-ministro

"Único que sobreviveu"

Petistas ouvidos pela reportagem, no entanto, minimizaram o antipetismo como fator determinante para a derrota na disputa presidencial, principalmente porque o partido conseguiu formar bancadas expressivas no Congresso.

Duas fontes ligadas à campanha de Haddad avaliaram que pesou mais a "antipolítica" do que o antipetismo, no sentido de que a prática política teria sido criminalizada em meio às denúncias de escândalos de corrupção como os revelados pela Operação Lava Jato.

Nas primeiras horas após a confirmação da vitória de Bolsonaro, a leitura mais corrente entre diversos integrantes do PT era de que a legenda deu uma demonstração de força, contrariando expectativas de que estaria perto do fim e se saindo melhor do que outros grandes partidos tradicionais, como o PSDB e o MDB.

"O PT foi o único que sobreviveu", afirmou o ex-ministro Alexandre Padilha, eleito deputado federal por São Paulo. Já o deputado federal Paulo Pimenta, líder do PT na Câmara, afirmou que o cenário da derrota é "um pouco mais complexo" do que apenas o antipetismo.

"O fascismo, o neofascismo, que no meu ponto de vista é representado pela família do Bolsonaro, recupera a ideia de um padrão de brasileiro. A nação que eles querem. E nessa nação, todos aqueles que são diferentes ao ponto de vista deles ou são delírios, ou são descartáveis", disse.

O consultor político Lucas de Aragão, sócio da Arko Advice, vê o PT “escravo” de uma narrativa de perseguição e com dificuldades de fazer uma oposição propositiva. "O PT não chega no poder com essa narrativa, não se mantém no poder com essa narrativa, mas aparentemente eles gostaram muito. Não sei se por um plano estratégico ou se por acreditarem mesmo", afirma o consultor.

Já o cientista político e consultor Leonardo Barreto, da Factual, avalia que um dos desafios do PT será construir uma narrativa para se afastar da tônica da perseguição, e considera improvável uma autocrítica. "O PT vai ter todo mundo da esquerda e da direita o lembrando do seu passado, exigindo a tal da mea-culpa", diz. "[O partido] Só vai fazer uma eventual mea-culpa se achar necessário para cumprir um objetivo maior."

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Lula: fraqueza ou fortaleza?

Se o antipetismo pesou para que o PT e Haddad perdessem a eleição, por outro lado a legenda conseguiu construir uma candidatura competitiva mesmo em um cenário adverso. A rejeição e o apoio ao partido passam pelo mesmo nome: Lula.

Mesmo preso, o ex-presidente liderou as pesquisas de intenção de voto até ficar inelegível e empurrou para o segundo turno um candidato quase desconhecido nacionalmente. Mas a condenação na Operação Lava Jato e o apoio incondicional do PT ao seu líder também foram fartamente aproveitados por Bolsonaro na campanha.

"Esperamos que ele saia da prisão para exercer esse papel [de reconstrução] aqui do lado de fora. Mas, mesmo se ele continuar preso, vai continuar sendo uma referência importante", diz Humberto Costa, senador reeleito pelo PT em Pernambuco.

O partido deu no último dia 25 uma prova simples de que vai continuar recorrendo a Lula. O ex-presidente do PT Rui Falcão saiu da carceragem da Polícia Federal em Curitiba com o recado de que a legenda deveria, ao encerrar a campanha eleitoral, "sair em caravana pelo país, reorganizando o partido, fazendo ele crescer".

Para Ivan Alex Lima, secretário de movimentos sociais do PT, ter Lula como conselheiro "é uma coisa extremamente saudável". "Lula é o maior líder popular do país, da América Latina. Não consigo ver nada de ruim nisso", afirma.

A estratégia que Lula adotou foi correta. No que a gente busca, já foi uma grande coisa chegar no segundo turno, superar toda essa carga negativa em cima do PT. Isso aí tem o dedo, tem o papel dele

Humberto Costa

Humberto Costa, senador reeleito (PT-PE)

Refém do lulismo

Ricardo Musse, professor do departamento de sociologia da USP (Universidade de São Paulo), diz que Lula "continuará sendo a principal referência do campo popular no Brasil". "[O cientista político] André Singer tem destacado, com toda razão, que o lulismo é mais amplo que o petismo. Caso prescinda do seu legado, a esquerda não terá possibilidade de retornar ao poder."

Já segundo Fabio Luis Barbosa dos Santos, professor de Relações Internacionais da Unifesp e autor de "Além do PT" (Ed. Elefante), a situação é outra. Para ele, a conciliação social que permitiu o florescimento do lulismo deu lugar a uma "guerra de classes" no contexto da recessão econômica. "Lula e a política que representa se tornaram anacrônicos. Entretanto, enquanto não emergirem lideranças e movimentos que respondam à altura das mudanças, a esquerda ficará presa na lâmpada mágica do lulismo."

Para fora dos limites do partido, a reverência a Lula "coloca o PT contra a opinião pública", pondera Leonardo Barreto, da Factual. Além de já ter sido condenado e preso, Lula ainda responde a outros processos criminais derivados das operações Lava Jato e Zelotes.

No dia 14, o ex-presidente será interrogado pelo juiz Sergio Moro no processo sobre reformas feitas por empreiteiras em um sítio de Atibaia (SP). Moro também pode entregar ainda este ano a sentença de outro processo contra Lula na Lava Jato, o que investiga se o ex-presidente recebeu da Odebrecht um terreno em São Paulo e um apartamento em São Bernardo do Campo (SP).

Lula ainda será julgado pelo caso do tríplex, que o levou à prisão, no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal), o que um dirigente petista espera que aconteça no ano que vem. O partido também espera uma nova manifestação do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre os direitos políticos do ex-presidente.

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O futuro de Haddad

Escolhido por Lula para assumir a candidatura presidencial petista, Fernando Haddad passou a ser conhecido nacionalmente e conquistou milhões de votos, mas não necessariamente se consolida como liderança partidária, dizem fontes e analistas ouvidos pelo UOL.

Antes de ser anunciado como candidato, o ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo migrou para a corrente majoritária do PT, a "Construindo um Novo Brasil", para tentar driblar resistências internas a seu nome. Ao longo da campanha, recebeu insistentemente cobranças externas para fazer uma autocrítica do PT, mas resistiu a proferir um mea-culpa abertamente.

Para dirigentes do PT, a resistência mostrou que Haddad é "leal" à legenda e passou a "viver o PT". Mesmo assim, não há ainda um discurso concreto que indique se Haddad será a "nova cara" do PT.

"Tem muitas caras no PT. Ele vai ser uma das mais importantes", disse o senador Humberto Costa.

"O Haddad cresceu enormemente nesse processo", disse Renato Simões, que participou da elaboração do programa de governo de Haddad. "Ele vai poder, se essa for a decisão do PT e dele, cumprir um papel crítico e fundamental em relação aos rumos do país."

Entre os analistas, a certeza sobre a aceitação interna de Haddad é menor. Ricardo Musse, da USP, diz que o presidenciável derrotado demonstrou capacidade de "contemplar demandas divergentes" e conquistou um "cacife eleitoral" que o consolida como liderança da esquerda, mas sem controle da máquina partidária do PT ou raízes nos movimentos sociais. "Seu principal desafio será encontrar o tom adequado para se manter como líder da oposição", afirma.

Já Rudá Ricci, que foi dirigente do PT nos anos 80 e 90 e escreveu o livro “Lulismo” (Ed. Contraponto), não vê espaço para o ex-prefeito. "Haddad é um candidato artificial. Ele não tem liderança no partido, nem liderança nacional. Um prefeito de São Paulo que perde no primeiro turno [em 2016, para João Doria, do PSDB] não pode ser uma liderança muito importante."

"Não tenham medo, nós estaremos aqui", diz Haddad em discurso

Arte/UOL
Pedro Ladeira/Folhapress Pedro Ladeira/Folhapress

Oposição calculada

Após visitar Lula na prisão na semana passada, o ex-presidente do PT Rui Falcão fez um balanço do desempenho do partido nas eleições e indicou que o resultado saiu melhor do que o esperado. "Isso é uma proeza para um partido que querem liquidar e que diziam que estava acabado, com os grandes partidos tendo sido varridos do mapa pela onda Bolsonaro", disse Falcão, eleito deputado federal por São Paulo.

Aproveitando a "proeza" eleitoral, o PT sai das urnas como o mais forte candidato a liderar a oposição ao governo de Jair Bolsonaro -- o que, paradoxalmente, pode ser melhor para o partido do que ter ganhado a Presidência, defende o cientista político Rudá Ricci. "O PT se consolida como partido de oposição democrático", diz. "Essa liderança simbólica cresce muito, o que é uma solução para o partido, que é muito dependente do Lula."

Já para Fabio Luis Barbosa dos Santos, da Unifesp, o PT tentará aproveitar a oposição a Bolsonaro mirando cálculos eleitorais. "Há muito, o PT se tornou um partido convencional, o que significa que já está pensando em 2022", afirma.

A maioria dos petistas ouvidos pela reportagem não deixou claro que medidas concretas o PT tomará na oposição -- um deles declarou, por exemplo, que a oposição dependerá do "tipo de governo".

Na avaliação do deputado federal Paulo Pimenta, o partido precisa "saber ler" a mobilização que diferentes grupos sociais e figuras da sociedade civil realizaram em torno da candidatura de Haddad na reta final do segundo turno para entender como o partido fará oposição. "Talvez essa lição seja fundamental para compreendermos o papel que a oposição terá daqui para a frente. Muito mais do que projetos individuais de A ou de B, uma capacidade de trabalho que nos permita uma organização, com luta, e muito trabalho", disse.

"Resistência" é o que propõe o senador Humberto Costa (PT-PE) para a oposição ao novo governo. "Creio que as coisas que ele [Bolsonaro] está propondo vão exigir uma resistência muito grande para que não sejam implementadas."

De volta para o passado

As propostas liberais de Bolsonaro para a economia, como uma agenda de privatizações, devem contribuir na reaproximação do partido com antigos eleitores, avalia Ricci. "É muito parecido com o impeachment", diz. "É possível que o PT recupere parte da capilaridade que ele tinha nas bases populares."

Integrantes da direção do PT ouvidos pelo UOL também apontam para este caminho de retomada das bases históricas do partido. "O PT nasceu das comunidades eclesiais de base, do movimento social, da intelectualidade", afirma Ivan Alex Lima, secretário nacional de movimentos sociais do PT. "Nós temos que manter a relação com quem dá vitamina política para o PT."

Para Renato Simões, o PT pode até disputar alianças ao centro do espectro político, mas sem abrir mão da ligação com os movimentos populares e da autonomia até mesmo em relação a eventuais governos do próprio partido.

"Em muitos períodos do governo, o PT negligenciou a sua tarefa de fazer a disputa política, ideológica e de organização de sua base social de forma autônoma, independente e crítica em relação a seus governos. Acho que essa lição o PT aprendeu", diz.

Além da reconexão com as bases tradicionais de apoio ao partido, um dirigente petista insistia, em conversa com o UOL no domingo (28), na necessidade de "entender o que está acontecendo" -- ou seja, compreender como Bolsonaro e seu ideário encontraram apoio em um eleitorado que antes apoiava o PT, sobretudo na faixa entre dois e cinco salários mínimos.

Eles se elegeram

Estadão Conteúdo Estadão Conteúdo

Governo

O PT fez quatro governadores na eleição de 2018, o maior número entre todos os partidos do país. Os quatro estão no Nordeste, sendo que três foram reeleitos ainda no primeiro turno: Camilo Santa (PE), Rui Costa (BA) e Wellington Dias (PI). A novidade foi a eleição de Fátima Bezerra, no segundo turno, no Rio Grande do Norte.

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Senado

Uma das lideranças mais importantes do PT volta ao Congresso. Jaques Wagner, que teve quatro mandatos como deputado federal, além de ser ex-governador e ex-ministro, deverá ser o principal nome petista no Senado. Rogério Carvalho Santos (SE) foi eleito, e Humberto Costa (PE) e Paulo Paim (RS), reeleitos.

Marcio Komesu/UOL Marcio Komesu/UOL

Câmara

O PT fez a maior bancada da Câmara dos Deputados: 56 cadeiras. Entre os principais nomes estão a presidente do partido e atual senadora, Gleisi Hoffmann (PR), o ex-presidente da legenda Rui Falcão (SP), Alexandre Padilha (SP), José Guimarães (CE), Paulo Pimenta (RS) e Marilia Arraes (PE).

Eles não se elegeram

Reuters/Washington Alves Reuters/Washington Alves

Dilma Rousseff

Após liderar todas as pesquisas de intenções de voto para o Senado em Minas Gerais, a ex-presidente Dilma Rousseff somou pouco mais de 2,7 milhões de votos e ficou apenas na quarta colocação.

ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO ALEX SILVA/ESTADÃO CONTEÚDO

Eduardo Suplicy

Outra derrota inesperada do PT, levando-se em conta as pesquisas, foi a de Eduardo Suplicy em São Paulo. Em nova tentativa frustrada de voltar ao Senado, o vereador terminou em quarto, com 4,6 milhões de votos.

Ramon Bitencourt/O Tempo/Estadão Conteúdo Ramon Bitencourt/O Tempo/Estadão Conteúdo

Fernando Pimentel

Abatido por denúncias na Justiça e até por uma tentativa de impeachment, o governador Fernando Pimentel, outra liderança antiga do PT, não conseguiu se reeleger em Minas, segundo maior colégio eleitoral do país.

Divulgação/Folhapress Divulgação/Folhapress

Marcus Alexandre

Apesar de fazer quatro governadores, o PT perdeu a liderança de um estado que tinha nas mãos havia quase 20 anos, o Acre, com a derrota do prefeito de Rio Branco, Marcus Alexandre, que não foi sequer ao segundo turno.

Eduardo Knapp/Folhapress Eduardo Knapp/Folhapress
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O protagonismo do PT na esquerda

Embora o PT saia da eleição como o partido mais forte da esquerda brasileira e da oposição ao governo Bolsonaro, analistas divergem sobre o protagonismo do partido nestas duas frentes, sobretudo numa disputa com PDT e PSB.

Para Lucas de Aragão, da Arko Advice, "o PT deixa de ser a voz hegemônica das esquerdas". Segundo ele, o campo pode se unir em torno de certas agendas, mas não ao redor de uma só liderança. "Agora tem o PSOL crescendo, a Rede com cinco senadores, tem o Ciro Gomes com força no Nordeste, um PDT organizado em muitas prefeituras e que se recusa a ser PT", diz.

Silvio Cascione, analista político da consultoria Eurasia, também prevê competição na esquerda. "Vai ter questionamento quanto à autocrítica do PT, uma cobrança por revisão de propostas e outros partidos tentando se diferenciar", afirma. Mas ele pondera: "uma certa fragmentação da esquerda não significa que não se unirão contra Bolsonaro na obstrução das pautas e resistência ao governo".

Para o professor Fabio Luis Barbosa dos Santos, da Unifesp, a tarefa da esquerda vai muito além de como se comportar na oposição a Bolsonaro. O acadêmico afirma que o campo tem como desafio superar a política de conciliação social conduzida por Lula que se esgotou. "O antipetismo popular também traz, enrustido, uma enorme frustração. Como a esperança não venceu o medo, agora o medo vence a esperança. O desafio imediato da esquerda é restituir a esperança como antídoto ao envenenamento da cultura política do país pelo ódio e pelo medo."

Ele [Ciro Gomes] fez isso porque quer liderar a oposição no Brasil e quer ser candidato a presidente em 2022. Acho que o Ciro colocou o interesse pessoal, particular e político, que é legítimo, na frente dos interesses do país

Emídio de Souza

Emídio de Souza, deputado estadual eleito (PT-SP) e um dos coordenadores da campanha de Haddad

As mágoas e o racha

Ao longo da campanha, o PT teve dificuldades de reunir outros partidos do mesmo campo ideológico em torno da candidatura de Fernando Haddad. Antes de a eleição começar, o partido isolou o PDT de Ciro Gomes, por orientação de Lula, uniu-se apenas ao PCdoB e fez um acordo com o PSB.

No segundo turno, a falta de um mea-culpa e as rusgas das primeiras alianças isolaram o partido, que recebeu apoios "críticos" do PDT e de Marina Silva (Rede) e viu apenas o PSB, entre os partidos de maior expressão, reunir-se à frente democrática planejada por Haddad.

O descontentamento da esquerda com o PT se personificou na ausência de Ciro Gomes durante todo o segundo turno e na "explosão" de seu irmão, o ex-ministro e senador eleito Cid Gomes (PDT), durante evento do próprio Partido dos Trabalhadores no Ceará. "Vai perder feio a eleição", bradou.

Para Renato Simões, do PT, "mágoas eleitorais" serão irrelevantes diante do que se apresenta para a esquerda, embora o discurso entre os petistas seja de decepção com a falta de apoio de Ciro a Haddad. "[A esquerda] vai ter que buscar superar divergências regionais e legítimas aspirações eleitorais por um programa comum de enfrentamento da direita. Porque o quadro político brasileiro vai ser de profunda instabilidade. E vai exigir uma unidade importante da esquerda."

Simões diz não ver, no momento, "sinais de um esgotamento político" que levariam o PT a deixar de liderar o campo. "Isso não é algo que é dado pela vontade do PT, mas pela expressão política na sociedade, pela votação que teve", afirma.

"É hora de os partidos que defendem a democracia estarem juntos”, declarou o ex-ministro José Eduardo Cardozo, que foi evasivo sobre quem vai liderar essa união. "Eu não sei quem vai liderar, todos devemos liderar. Não é hora de um líder se sobrepor ao outro, a democracia corre risco."

Enquanto o PT ainda sonha em liderar o bloco, PDT, PSB e até o PCdoB, da candidata a vice-presidente Manuela D'Ávila, já se articulam no Congresso para fazer frente ao governo Bolsonaro.

Novos líderes e expoentes da esquerda

  • O crítico: Ciro Gomes

    Terceiro na corrida presidencial, Ciro Gomes recusou o papel de fiel da balança entre as propostas polarizadas e se mantém crítico ao PT. De olho na disputa ao Planalto em 2022, ele reforçou seu discurso contra a violência e afirmou que não votaria em Bolsonaro --se recusando, entretanto, a declarar voto em Haddad. Para o analista Silvio Cascione, Ciro buscará o papel de líder do campo progressista. Rudá Ricci, porém, não vê o pedetista em condições de ocupar esse espaço. "O Ciro é um Haddad sem o Lula."

    Imagem: Evaristo Sá/AFP
  • O herdeiro: Jaques Wagner

    Ricci considera que há dificuldades no surgimento de novas lideranças do PT. Para ele, a geração que ascendeu no partido após a primeira eleição de Lula, em 2002, é frágil na luta política e não mostra visão estratégica para o país ou para o partido. Gleisi Hoffmann é o "emblema" deste grupo. "O PT só teria condições de ter uma nova liderança se fosse da velha guarda, por incrível que pareça", diz o cientista político, que aposta em Jaques Wagner e Tarso Genro para a tarefa.

    Imagem: Evaristo Sá/AFP
  • A nova geração: Manuela, Boulos, Freixo e Gleisi

    Já para Ricardo Musse, a eleição delineou uma "relativa mudança geracional na esquerda brasileira", com o fortalecimento de políticos com menos de 60 anos. Ele cita Haddad, Guilherme Boulos (PSOL), Manuela D'Ávila (PCdoB, vice na chapa de Haddad), Gleisi Hoffmann e Marcelo Freixo (eleito deputado federal pelo PSOL do Rio). "Traz também um deslocamento geográfico em função da força adquirida pelos governadores do Nordeste, sobretudo por Rui Costa e Flávio Dino (PCdoB)."

    Imagem: Ricardo Stuckert/Divulgação

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