A escolha do centrão

Bloco de partidos que negociam apoio elege bancada numerosa, mas enfrentará novo jogo de forças no Congresso

Beatriz Montesanti Do UOL, em São Paulo
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Em uma campanha com apoios fragmentados e muitos partidos decidindo ficar neutros no segundo turno, o Congresso se prepara para funcionar sob uma nova configuração.

MDB e PSDB foram os maiores perdedores em vagas na Câmara Federal, enquanto o PSL de Jair Bolsonaro conseguiu eleger 52 deputados, tendo a segunda maior bancada.

Legendas que já formaram o chamado centrão ficaram com um número estável de parlamentares, mas podem ter sua força diminuída a depender de quem for escolhido como o novo presidente.

É o que analisam os cientistas políticos entrevistados pelo UOL sobre partidos que historicamente são o fiel da balança nas votações no Parlamento brasileiro.

Na prática, dizem os especialistas, o centrão faz refém governantes que dependem do bloco para aprovar medidas importantes. Em troca, chefes do Executivo precisam fazer concessões a um grupo de políticos mais interessados em cargos e benefícios do que em propostas.

"O ideal é que os partidos se somem em torno de causas, de fazer política, para negociar, e não para constranger, criar dificuldade simplesmente para ganhar facilidade", diz Carlos Melo, cientista político do Insper. "As articulações que fazem os partidos atuarem em bloco são normais e bem-vindas na democracia, porque fortalecem causas. Mas o centrão não tem sido conhecido por isso."

Para Marco Antônio Teixeira, cientista político da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o centrão manterá esse seu jeito de trabalhar independentemente de quem chegar ao poder. Mas o surgimento de uma forte bancada do PSL altera o balanço de forças da Câmara, diminuindo o peso do bloco, no caso de uma eventual vitória de Bolsonaro nas urnas.

"Se Bolsonaro for eleito, a pauta mais conservadora do centrão coincide com o perfil do governo, e aí não tem muito o que barganhar, pois os projetos são parecidos. Se for [o petista Fernando] Haddad, a diferença de pauta vai exigir um esforço maior de concessões do presidente. Afinal, a força do centrão está na crise", diz.

A força do centrão está na crise

Marco Antônio Teixeira

Marco Antônio Teixeira, cientista político da FGV

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O que é o centrão?

O termo já foi usado para determinar composições políticas distintas desde a Constituinte em 1987. Mais recentemente, em 2014, ressurgiu sob a alcunha de "blocão" pelas mãos do então deputado Eduardo Cunha (MDB), atualmente encarcerado em Curitiba.

Basicamente, trata-se da reunião de partidos de proporções médias e que não têm um interesse programático: ou seja, não defendem pautas específicas, mas existem para negociar cargos e favores.

No geral, os partidos do centrão são ideologicamente conservadores e abrigam deputados do "baixo clero" da Câmara. Dados organizados pelo Cesop (Centro de Estudos de Opinião Pública), da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), colocam todos os partidos que já fizeram parte do bloco à direita no espectro ideológico. A divisão foi feita com base nos trabalhos dos cientistas políticos Timothy Power e César Zucco, a partir de entrevistas com os próprios congressistas. 

"A denominação centrão tem uma raiz histórica na Constituinte. Naquele período, um grupo começou a se organizar para fazer oposição a uma pauta de esquerda que estava sendo colocada por grupos sociais na formulação das leis e das regras que estariam na próxima Constituição. Não se definiram na ocasião como direita. Era um fenômeno que tínhamos no Brasil chamado 'direita envergonhada'. Então se autodenominaram de centrão", explica Oswaldo Amaral, da Unicamp. 

Foi o desenvolvimento dessa articulação, anos mais tarde, que abriu caminho para o impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016. Foi a articulação do centrão também que, posteriormente, desbancou o próprio Cunha da presidência da Casa.

Nessas duas ocasiões, o bloco foi decisivo para aprovar a destituição dos políticos. Cunha foi cassado por seus pares em 2016 em uma votação aberta, acusado de decoro parlamentar por mentir à CPI da Petrobras sobre ter contas no exterior. Alvo da Operação Lava Jato, ele está preso desde outubro de 2016.

Entre idas e vindas de legendas, o centrão inchou durante o governo Temer, sob a batuta de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se elegeu presidente da Câmara. Em seu auge numérico, o bloco somou 13 partidos e cerca de 220 deputados --ou seja, mais de 40% da Casa.

Nessa configuração, então governista, aprovou a terceirização, que permitiu a empresas terceirizar as atividades-fim. A medida passou com 232 votos contra 188 em março de 2017. Os partidos do centrão foram responsáveis por 147 dos votos favoráveis.

"Quando você tem uma situação política polarizada, com dois partidos majoritários na Casa, o lugar que o centrão pender é maioria. Se ele pender para oposição, a maioria é oposição, se ele pender para o governo, a maioria é governo", explica Carlos Melo. "O centrão sabe disso e sabe agir coordenadamente pelos seus interesses. Por isso acaba tendo essa importância toda."

No início do período eleitoral, apenas cinco dos partidos considerados como centrão mantiveram negociações coordenadas na hora de decidir, a duras penas, o apoio a um candidato à Presidência: DEM, PP, PR, Solidariedade e PRB declaram em julho ser parte da coligação de Geraldo Alckmin (PSDB). Demais partidos apoiaram outros candidatos ou lançaram nomes próprios.

O lugar para onde o centrão pende é maioria. O centrão sabe disso e sabe agir coordenadamente pelos seus interesses

Carlos Melo

Carlos Melo, cientista político do Insper

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O apoio fragmentado do bloco

Embora durante o primeiro turno o apoio do centrão tenha garantido a Alckmin o maior tempo de propaganda gratuita na TV e no rádio, na prática foi basicamente um apoio de fachada: nas ruas, políticos das distintas legendas fizeram campanha para o presidenciável que mais lhe convinha regionalmente. E a rebeldia ganhou força descarada conforme o tucano foi estancando na parte inferior das pesquisas.

"O centrão entregou a Alckmin aquilo que era formal, o horário eleitoral no rádio e na TV. Mas as bases dos partidos, que estão trabalhando na rua, fizeram campanha majoritariamente ou para Haddad ou a Bolsonaro", explica Marco Antônio Teixeira.

Ou seja, o apoio do bloco ao tucano foi muito mais um apoio de cúpula do que um apoio político e eleitoral no sentido mais estrito do termo, o que por sua vez pode explicar em partes o mau desempenho tucano. Alckmin recebeu 4,76% dos votos válidos no pleito do dia 7 de outubro.

O cenário não é surpreendente, dadas as características do bloco --sem lideranças e propostas-- e as realidades políticas locais. Candidatos do Nordeste não hesitaram em apoiar o PT, buscando abocanhar a influência do partido na região. Ao Sul, por sua vez, apoios se voltaram para Bolsonaro.

Desde a largada da campanha, por exemplo, o deputado federal José Rocha, do PR, pediu votos para Haddad na Bahia. Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira também fez campanha para o PT em seu estado, o Piauí. Já seu correligionário Luís Carlos Heinze, deputado federal e candidato ao Senado nestas eleições, defendeu Bolsonaro no Rio Grande do Sul. E todos eles foram eleitos.

"Traição em política é a tônica de qualquer processo eleitoral por causa do cálculo da sobrevivência", resume Marco Antônio Teixeira.

Essa fragmentação em tempos eleitorais, no entanto, pouco significa para a atuação do bloco no Congresso, dizem os cientistas políticos. Isso porque, decidindo se unir a partir do dia 1º de janeiro, os partidos terão o poder de forçar sua pauta.

"O grupo [do centrão] que for para a candidatura vitoriosa depois puxa os derrotados para o bloco e forma a maioria", diz Melo.

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Como fica em um novo governo

Líderes dos partidos disseram ao UOL que conversas para uma rearticulação apenas seriam feitas após as eleições, quando o novo Congresso estivesse definido. Nesse período, DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade declararam neutralidade no segundo turno, liberando seus filiados para apoiarem candidatos regionalmente --o que na prática já tinha acontecido.  

Carlos Melo acredita que o bloco manterá seu papel, embora não delimite quais legendas exatamente irão agir juntas a partir de 2019. "Vai continuar sendo um grupo de partidos igualmente fisiológicos, que vai tentar se organizar para manter o controle de cargos no governo e no Parlamento. Essa é a lógica do centrão."

Os cinco partidos que negociaram o apoio a Alckmin somaram 142 cadeiras --13 a mais que nas eleições de 2014.

Demais legendas que já estiveram próximas ao grupo, como PTB, PSD, PSC, Pros, PHS, Avante, Patriota e Podemos somam outras 88. Ao todo, um centrão formado por esses partidos hoje teria 230 cadeiras. São necessários 257 deputados para aprovar um projeto de lei ou uma medida provisória. A força do grupo segue firme no número de votos.

O centrão tem um tamanho que é ao mesmo tempo um problema e uma solução

Marco Antônio Teixeira

Marco Antônio Teixeira, cientista político da FGV

Vem aí uma briga pela liderança?

Já se fala também em lançar Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, para um novo mandato na liderança. Aliado crucial do governo Michel Temer, o DEM viu sua bancada aumentar em oito deputados: de 21 para 29.

O PSL, maior fenômeno do legislativo nessas eleições, também avalia lançar candidatura própria, garantindo assim uma liderança mais alinhada a um eventual governo Bolsonaro. Presidente licenciado do partido e deputado federal eleito por Pernambuco, Luciano Bivar espalha o próprio nome. 

Tradicionalmente, a maior bancada escolhe o presidente da Casa. Mas, apesar dos acenos da legenda, Amaral acredita que ela pode abrir mão da cadeira, dada a inexperiência política de seus deputados.

"Essa bancada do PSL é composta por pessoas que não têm tanta experiencia administrativa de Legislativo, e a presidência da Câmara é uma coisa altamente complexa. Tem que lidar com as lideranças, elaborar muito bem a pauta, negociar, não é uma coisa assim que você chega lá e assume. Pode até ser, mas a chance de dar errado é grande", diz ele. "O PSL pode optar por alguém que não seja do partido, mas que tenha mais trânsito e mais conhecimento na Casa para conseguir conduzir esses trabalhos."

Se este novo velho centrão será governista ou oposição, depende das concessões que o governo fizer, dizem os cientistas políticos. Eles projetam um cenário de um centrão governista, mas menos relevante, caso Bolsonaro seja eleito no dia 28.

"Bolsonaro deve se fiar muito em algumas bancadas setoriais, como a bancada da bala, da bíblia e do boi. São bancadas conservadoras que cresceram bastante na eleição. Neste cenário, o centrão vai sofrer concorrência", diz Melo.

Amaral lembra ainda que o centrão tem pautas que convergem com as propostas de Bolsonaro do ponto de vista social, o que deve fazer avançar agendas como a Escola sem Partido, a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto do Desarmamento. "Para Bolsonaro, as dificuldades estarão mais ligadas a temas econômicos, como reforma da Previdência e a reforma tributária. O apoio não é automático, pois o centrão, embora mais conservador de maneira geral, tem interesses heterogêneos", diz. 

Já numa eventual Presidência de Fernando Haddad, o bloco consegue fazer um jogo mais duro de oposição, dada a distância ideológica. O PT, que por anos governou com o apoio da direita, perdeu seus operadores de negociação com o bloco após o processo de impeachment de Dilma.

"O centrão sempre depende do jogo que o governo topa jogar. Se o governo topar jogar o jogo dele, o centrão é governo. Se o governo não jogar o jogo dele, ele é oposição. Simples assim", conclui Melo.

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