A força política do "arraiá"

Em busca de votos, políticos fazem "romaria" às festas juninas e julinas do Nordeste

Leandro Prazeres e Carlos Madeiro Do UOL, em Campina Grande (PB) e em Arapiraca (AL)
Beto Macário/UOL

A tradição é antiga e todo ano se repete. Com a chegada das festas juninas e julinas, uma espécie de "romaria" composta por políticos com ou sem mandato parte em direção a centenas de cidades no Nordeste. A região é o segundo maior colégio eleitoral do Brasil e tem 39 milhões de eleitores e eleitoras cobiçados por praticamente todos os partidos. Por elas já passaram políticos como Aécio Neves (PSDB-MG), Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB-SP). No final de junho, a reportagem do UOL acompanhou esse movimento nas cidades de Arapiraca, em Alagoas, e Campina Grande, na Paraíba, onde, entre vários políticos, presenciou a visita dos presidenciáveis Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro (PSL), ambos apostando que o caminho para o Palácio do Planalto passa pelo arraial nordestino.

O esquenta para as eleições

Edmar Melo/JC Imagem Edmar Melo/JC Imagem
Andréa Rêgo Barros/PCR Andréa Rêgo Barros/PCR

Política e festas juninas: uma antiga relação

A ligação entre políticos e as festas juninas e julinas no Nordeste é antiga, mas se intensificou nas quatro últimas décadas. Para o geógrafo e professor da Uneb (Universidade do estado da Bahia) Jânio Roque de Castro, essa relação pode ser dividida em duas fases.

A primeira durou até o final dos anos 70, quando as festas eram, em sua grande maioria, realizadas por moradores da zona urbana ou rural e por grandes fazendeiros do interior do nordeste.

“Era uma época em que a festa era mais comunitária. Ninguém era dono da festa. Havia várias festas num mesmo município”, explica. Nessa fase, o professor afirma, a política já estava presente.

“As maiores festas, aquelas que chamavam mais atenção, eram aquelas organizadas pelos grandes fazendeiros da região. E eram esses fazendeiros que detinham o poder político. Quanto maiores fossem as festas, mais poder eles mostravam. Isso tinha peso nas articulações políticas”, explica o professor.

Kleyton Amorim/UOL Kleyton Amorim/UOL

Nos anos 80, festas viram "produto" e palco para políticos

A segunda fase começa a partir dos anos 80, quando as festas juninas passam a ser institucionalizadas pelo poder local e a ser organizadas pelas prefeituras ou pelos governos estaduais.

É nessa fase que o então prefeito de Campina Grande, Ronaldo Cunha Lima, criou o slogan “Maior São João do Mundo” associado à festa da cidade. Ronaldo, morto em 2012, é pai do senador Cássio Cunha Lima e avô do deputado federal Pedro Cunha Lima, ambos do PSDB da Paraíba. 

Desde então, as festas juninas e julinas do Nordeste se transformaram em um ativo e em um palco para os políticos.  

“Se a festa for bem organizada e causar boa impressão, se trouxer atrações de peso, isso vai ser usado pelo prefeito a favor dele. Se houver algum problema ou se a festa for considerada xoxinha pela população, a oposição vai usar isso contra ele”, explica o professor.

O poder de atração dessas festas junto à classe política é tão grande que além de receber políticos locais em busca de fortalecer sua relação com suas respectivas bases eleitorais, elas também atraem nomes de expressão nacional em busca de consolidar suas candidaturas aos postos mais altos da República.

Foi o caso de José Serra (PSDB-SP), em 2002, e de Aécio Neves (PSDB-MG), em 2014, que foram a Caruaru (PE), famosa por sua festa junina, durante suas candidaturas à Presidência. Dilma Rousseff (PT), por exemplo, foi à cidade pernambucana em 2011, no seu primeiro ano como presidente. 

Kleyton Amorim/UOL Kleyton Amorim/UOL

Uma festa para 2 milhões de pessoas

A transformação dessas festas em palco tem em Campina Grande um dos seus exemplos mais bem acabados. O evento dura um mês e atraiu neste ano, segundo os organizadores, ao menos 600 mil turistas de diversas partes do país e de outros países, injetando R$ 200 milhões na economia da região. A organização também estima que pelo menos 2 milhões de pessoas circulem pelo Parque do Povo durante a festa. 

O Parque do Povo, criado no início dos anos 80, é um complexo arquitetônico com 42,5 mil metros quadrados e é onde o São João organizado com a chancela da Prefeitura de Campina Grande é realizado.

É lá que são montados palcos onde artistas conhecidos nacional e regionalmente se apresentam. Alguns de seus shows são transmitidos pela TV para municípios da região e pela internet para todo o mundo. Em anos eleitorais, o parque vira parada obrigatória da peregrinação que políticos fazem à cidade. 

“As festas juninas são muito importantes para a política porque elas são palcos de visibilidade. Nessas festas, é como se fosse colocado em curso uma mobilização da encenação do poder local e regional”, explica o sociólogo e professor da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) Lemuel Guerra.

Nessa "encenação", explica Lemuel, quem está no poder tem espaço privilegiado. "Quem está no poder ou faz parte do grupo político que comanda a festa tem espaço de fala. Essas pessoas aparecem perto do prefeito, têm direito a discurso em momentos como a abertura da festa", explica o sociólogo.

Para Lemuel Guerra e Jânio Roque, as festas juninas são tão importantes para o interior do Nordeste quanto o Carnaval é para cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, com as diferenças de que elas duram mais tempo (um mês, em média) e são realizadas às vésperas do início do período eleitoral.

“Se a gente pensar em termos de calendário eleitoral, as festas juninas acontecem num momento muito especial, que são os meses nos quais são feitas as articulações que vão culminar nas eleições”, explica Lemuel Guerra.

Se a festa for bem organizada e causar boa impressão, se trouxer atrações de peso, isso vai ser usado pelo prefeito a favor dele. Se houver algum problema ou se a festa for considerada xoxinha pela população, a oposição vai usar isso contra ele

Jânio Roque de Castro

Jânio Roque de Castro, Professor da Uneb (Universidade do estado da Bahia) e pesquisador sobre festas juninas

As festas juninas são muito importantes para a política porque elas são palcos de visibilidade. Nessas festas, é como se fosse colocado em curso uma mobilização da encenação do poder local e regional

Lemuel Guerra

Lemuel Guerra, Sociólogo e professor da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande)

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Como os políticos usam as festas juninas para conseguir votos?

Se por um lado parece não haver dúvidas sobre a importância das festas juninas e julinas para a política no Nordeste, por outro fica a pergunta: como a classe política usa essas festas para se projetar? A resposta é simples: apareça. 

O UOL acompanhou a festa do sítio Poção, em Arapiraca (130 km de Maceió), no dia 22 de junho. No município com população de pouco mais de 230 mil habitantes, os políticos locais andam pelo público, o que funciona também como uma espécie de “termômetro” para testar a popularidade nas ruas.

Na festa em Arapiraca não há camarote para quem quer um pouco mais de privacidade, como é comum em festas como a de Campina Grande. Havia apenas algumas cadeiras de plástico para os jurados e convidados para o concurso de quadrilhas. A tradicional fogueira e imagens dos santos de junho e de julho também compõem o cenário.

Na cidade alagoana, as festas acontecem em pontos descentralizados, tanto na zona rural como na zona urbana. É assim a na maioria dos municípios da região Nordeste.

Para o prefeito de Arapiraca, Rogério Teófilo (PSDB), o São João "tem cheiro de povo" e é a festa mais importante para um político na região Nordeste.

"É quando temos diálogo, passamos a viver com o povão, porque na rotina estamos em expediente", diz.

Lá, o político experimentou as comidas e bebidas típicas e fez uma comparação sobre a grandiosidade dos festejos juninos e julinos na região.

"São João é o Carnaval nordestino, e o político tem que participar. O São João aqui é mais importante que o Carnaval do Rio, que é algo localizado. Aqui a festa existe em cada comunidade, em cada cidade, em cada estado do Nordeste", pontua.

O São João aqui é mais importante que o Carnaval do Rio, que é algo localizado. Aqui a festa existe em cada comunidade, em que cada cidade, em cada estado do Nordeste

Rogério Teófilo

Rogério Teófilo, Prefeito de Arapiraca

Eu nasci e me criei aqui, então eu sempre vivi o São João e fico aguardando essa data. Mas é aqui que conhecemos as pessoas também para falar sobre política

Rodrigo Cunha

Rodrigo Cunha, Deputado estadual (PSDB-AL)

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Em ano de eleições, as festas se tornam um ambiente ideal para políticos que vão disputar cargos em outubro. Lá, eles aproveitam para distribuir sorrisos.

Natural de Arapiraca e filho da ex-deputada federal Ceci Cunha (assassinada em 1998), o deputado estadual Rodrigo Cunha (PSDB) --na foto-- vai disputar uma das vagas de Alagoas ao Senado e afirma que não há dúvidas sobre a importância das festividades para política da região.

"Não estou apenas no momento em que sou político fazendo essas visitas; eu nasci e me criei aqui, então eu sempre vivi o São João e fico aguardando essa data. Mas é aqui que conhecemos as pessoas também para falar sobre política", diz.

Entre um aperto de mão e uma conversa próxima com um eventual eleitor, Cunha filosofa sobre o encontro com sua base eleitoral.

"Essa é uma festa em que as pessoas estão alegres e não precisam de bebidas para isso. Então aqui tem um abraço diferenciado, fica um contato mais fácil por extrema alegria. É assim em todo o Nordeste", diz. 

Kleyton Amorim/UOL Kleyton Amorim/UOL

A política no "Maior São João do Mundo"

Em Campina Grande, o corpo a corpo também foi bastante utilizada pelos pré-candidatos Geraldo Alckmin (PSDB) e Jair Bolsonaro (PSL) durante os dias em que a reportagem do UOL esteve na cidade.

Os votos do Nordeste são cruciais para os planos de Bolsonaro para chegar ao Palácio do Planalto. O problema é que a pesquisa mais recente divulgada pelo instituto Datafolha indica que a região, um reduto histórico do PT, é onde Bolsonaro tem as suas menores taxas de intenção de voto. Não à toa, ele tem feito diversas viagens a cidades da região. 

Antes de ir ao Parque do Povo, Bolsonaro subiu em um caminhão de som e cumpriu o roteiro esperado de um político em busca de votos.

“Se precisamos de mudança, ela começará na Paraíba”, disse o deputado antes de ser ovacionado por uma pequena multidão que o aguardava sob chuva no estacionamento do aeroporto da cidade.

Na noite da sexta-feira (21) fazia um frio agradável de final de junho em Campina Grande. No ar, uma mistura dos cheiros de churros, churrasco e fava com carne-seca. As vozes dos visitantes se mesclavam ao ritmo da zabumba, triângulo e sanfona dos trios de forró pé-de-serra que tocavam no local.

Ao contrário do que o imaginário do Centro-Sul poderia supor, a festa junina em Campina Grande tem pouco de "caipira". Em vez de roupas remendadas e dentes pintados, a maioria dos visitantes usava suas melhores roupas com direito a jaquetas e botas de couro impecáveis. 

Bolsonaro era um deles. Com uma jaqueta preta de couro, ele chegou ao Parque do Povo cercado por seguranças, correligionários e uma equipe de filmagens e foi recebido com uma mistura de aplausos e poucas vaias isoladas.

"Nazista", gritava um senhor magro, careca com um brinco na orelha esquerda, aparentemente embriagado sentado à mesa de um restaurante. "Mito", devolveu um jovem igualmente raivoso com espinhas no rosto e uma camisa preta com o busto estampado de Bolsonaro.

Aparentemente acostumado às reações que provoca, o pré-candidato ignorou as vaias e caminhou pelo Parque do Povo apertando mãos, tirando selfies e cumprimentando policiais militares que faziam a segurança do local. Uma apoiadora mais empolgada aproveitou a oportunidade e tirou Bolsonaro pra dançar forró.

Meio sem jeito, o candidato arriscou meio passo de dança, agradeceu e foi embora em direção ao camarote da prefeitura, onde foi recebido pelo prefeito Romero Rodrigues (PSDB).

Na área VIP da festa, Bolsonaro distribuiu abraços, sorrisos, cumprimentou empresários e representantes de entidades de classe da região.

Para o pré-candidato, a visita a Campina Grande serve para se "expor" e avaliar como ele é recebido pela população.

"Eu tenho andado o Brasil todo e, coincidentemente, encontro eventos como esse. Eu acho bom porque a gente se expõe junto à população e vê como é que eles te encaram. Estou me sentindo muito bem aqui. Bem tratado por 90% da população. Missão cumprida", afirmou.

Ciete Silvério/Divulgação Ciete Silvério/Divulgação

Um dos principais adversários de Jair Bolsonaro, o pré-candidato à Presidência Geraldo Alckmin (PSDB) também foi a Campina Grande em busca dos eleitores do Nordeste. Sua ida a Campina Grande fez parte de uma incursão na região no final de junho. Antes de chegar à Paraíba, ele foi a outra festa tradicional de São João, a de Caruaru, em Pernambuco. Alckmin sabe que para sua candidatura ganhar força, ele precisa aumentar suas intenções de voto na região e escolheu as festas de Caruaru e Campina Grande como vitrines.

A chegada do tucano a Campina Grande foi bem mais discreta que a de Bolsonaro. Nada de discursos em carros de som e caminhada pelo centro da cidade. Alckmin optou por um corpo a corpo mais comedido e focado em conversas com lideranças. 

A agenda do tucano incluiu visitas a pontos turísticos da cidade, gravações de programas em vídeo que deverão ser usados em sua campanha e um almoço com políticos e empresários locais como o deputado federal Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), descendente direto da dinastia Cunha Lima, uma das mais tradicionais da Paraíba. 

Na noite do sábado (23), Alckmin chegou ao Parque do Povo também de forma discreta. Em vez de caminhadas repletas de apoiadores, o tucano foi direto de uma área reservada da festa para a área de camarotes, onde também foi recebido pelo prefeito da cidade, Romero Rodrigues.  

Na pequena entrevista coletiva que concedeu, fez como Bolsonaro e desmanchou-se em elogios à cidade.

"A cidade está muito bonita. É uma das maiores cidades brasileiras, com qualidade de vida excepcional [...] Encontrei no hotel pessoas do Brasil todo que estão em Campina Grande para curtir essa maravilha de festa de São João", disse. 

Reprodução/Facebook/Daniella Ribeiro Reprodução/Facebook/Daniella Ribeiro

Política do camarote

Fazendo jus ao mantra “apareça”, a deputada estadual Daniella Ribeiro (PP-PB), que é pré-candidata ao Senado pela Paraíba, alugou um dos camarotes no Parque do Povo para receber seus convidados.

O preço do aluguel dos camarotes não é revelado, mas estima-se que para ter direito a um espaço privativo no local seja preciso desembolsar pelo menos R$ 50 mil, valor que não inclui o serviço de bufê com comidas e bebidas, praxe nesse tipo de evento.

É em seu camarote que Daniella recebe amigos e políticos da região e de fora da Paraíba. No mesmo dia em que Geraldo Alckmin desfilava pelo Parque do Povo em busca de votos, Daniella recebia a visita do prefeito de Salgado de São Felix (PB), Adjailson Andrade (DEM) -- à esquerda com ela na foto

A mistura entre festas juninas, julinas e a política não é novidade para Daniella. Ela é filha de Enivaldo Ribeiro (PP), vice-prefeito de Campina Grande. Foi seu pai que desapropriou a área onde hoje existe o Parque do Povo, no início dos anos 80. Ela também é irmã do deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o filho dela, Lucas Ribeiro (PP-PB), é vereador da cidade. 

Apesar do investimento para ter um camarote na maior festa da cidade, Daniella diz que sua presença no São João de Campina Grande não se resume apenas aos anos eleitorais.

“Eu faço isso por prazer. Eu curto as festas juninas desde criança. Adoro as comidas, tudo. O São João faz parte da minha história. Não tem nada a ver com política. Eu uso o camarote para receber meus convidados e para promover a festa para pessoas que não são da região”, explica a parlamentar.

Ao mesmo tempo em que diz que não usa as festas juninas e julinas como plataforma eleitoral, Daniella afirma que é impossível a classe política ignorá-las.

“Aqui na Paraíba, a gente não tem como ignorar. A gente tem é dificuldade de agenda pra conseguir atender e estar presente em todas as festas que acontecem nos municípios”, afirma a parlamentar.

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