Novo protagonismo estudantil

O que querem e como pensam os jovens estudantes que engrossam protestos e ocupações no Brasil de hoje

Ana Carolina Neira, Andréia Lago e Kalinka Iaquinto Do Eder Content
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Ao longo dos últimos quatro anos, estudantes brasileiros ocuparam escolas e universidades Brasil afora. Por mais verbas, contra reformas, por mais direitos, para serem ouvidos. Mais do que escolas, pareciam querer ocupar seu espaço.

Em certos momentos, suas manifestações remeteram a algumas imagens icônicas da história brasileira no século 20. Como em 1968, quando tiveram papel fundamental na resistência à ditadura. Em 1984, nos grandes comícios pelas Diretas-Já. Ou em 1992, quando vestiram preto, pintaram o rosto e pressionaram pelo impeachment do então presidente Fernando Collor.

Depois, veio um longo hiato de duas décadas. Afinal, o protagonismo estudantil está de volta à cena política do país?

Não se engane: há muitas semelhanças, mas também muitas diferenças entre os movimentos estudantis de ontem e de hoje.

A própria União Nacional dos Estudantes (UNE), colocada na ilegalidade no dia seguinte ao golpe militar de 1964, deixou de desempenhar uma liderança vertical entre os estudantes.

"O movimento estudantil de 68, se a gente for olhar pra estrutura, claro que tinha a figura da UNE, sem dúvida nenhuma, e a União Metropolitana de Estudantes (UME) teve um papel muito grande, mas era centrado realmente nas grandes figuras", ressalta a historiadora Angélica Muller, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) e autora do livro "O Movimento Estudantil na Resistência à Ditadura Militar".

As "grandes figuras" a que ela se refere são nomes conhecidos dos eleitores, que participaram ou ainda participam ativamente da vida política do país.

São ex-líderes estudantis que conquistaram mandatos após a redemocratização, como o senador José Serra (PSDB-SP), o ex-deputado federal Vladimir Palmeira (PT-RJ) e o ex-deputado federal e ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT-SP), condenado a 32 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa no Complexo Médico-Penal de Pinhais, no Paraná.

Em 1992, novamente o movimento estudantil personifica-se na figura do então presidente da UNE, Lindbergh Farias, hoje senador (PT-RJ). "Em 92 volta a ter essa relação com 68. Mas a UNE aprendeu com essas experiências a não verticalizar, não personificar o movimento", diz a professora da UFF.

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Os tempos --não exatamente a UNE-- é que são outros, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira, da USP (Universidade de São Paulo).

Os jovens do século 21 não são refratários apenas ao movimento estudantil organizado, mas à política como um todo. "São menos politizados no sentido de dedicados a entrar no sistema político tal como ele está aí, com partidos políticos, candidaturas", salienta o autor do livro "As Ruas e a Democracia - Ensaios sobre o Brasil Contemporâneo", lançado em 2013, após as manifestações em massa que ficaram conhecidas como Jornadas de Junho.

Líder estudantil no curso de medicina da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) no movimento Fora, Collor, em 1992, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT) diz que a horizontalidade permeia toda a comunicação do movimento estudantil hoje --tanto com o público externo quanto com a massa de estudantes.

A nova geração, afirma, tem novos métodos de organização. "Mais do que novas figuras, essas novas formas de organização e de se comunicar também vão inspirar a política de hoje e do futuro", aposta.

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Não é bem assim

Carina Vitral, atual presidente da UNE, garante que a história é outra: "Essa não é mais uma geração que diz 'eu não gosto de política'".

Estudante de economia na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), 28, ela se orgulha em afirmar que é uma legítima representante das manifestações de junho de 2013, que aponta como um divisor de águas para o atual movimento estudantil.

Ao final, diz, os protestos contra o aumento no preço da passagem conseguiram despertar ainda mais a consciência da atual geração para as diferentes formas de atuação.

"A política é um instrumento de transformação da sociedade e cada ocupação sabe o que é política. Cada movimento sabe que é movimento político. Negam a classe política, mas não a política como forma de transformação da sociedade."

Zuenir Ventura, autor do livro "1968 - O Ano que Não Terminou", publicado pela primeira vez em 1989, faz um mea culpa sobre a interpretação de que os estudantes de hoje são alheios à política.

"Acho errado --e cometi esse erro algumas vezes-- dizer que essa juventude é apática, não quer saber de política. 1968 também ficou gestando durante muito tempo e ficou parecendo que explodiu de um dia pro outro. Mas não foi assim."

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Um dos líderes do movimento Vem pra Rua, que mobilizou jovens pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o universitário Júlio Lins diz que o interesse dos jovens pela política existe, sim.

Aluno de direito na Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Lins vem percorrendo o país para mobilizar estudantes em torno da disputa pela presidência da UNE, agendada para o próximo mês. "Queremos uma política diferente porque nós também mudamos. A política partidária está em decadência, a comunidade acadêmica não está engajada no movimento estudantil tradicional. Agora são as ideias que engajam os jovens", defende.

Nas viagens que tem feito, Lins identificou o descolamento do movimento estudantil atual de siglas partidárias e grupos tradicionais. "A grande maioria dos estudantes nem sabe sobre a UNE, sobre a eleição e que a UNE representa a comunidade acadêmica", diz o universitário.

O problema, completa o estudante de engenharia da USP Caio Gaya, 28, é que o atual modelo político não é atraente aos jovens. "A política não fala a língua do jovem, ela fala a burocracia, que por sua vez é lenta. O jovem está acostumado com tudo muito veloz, mas a política não é assim."

Gaya, que é secretário-geral da Juventude do PSDB em São Paulo, também está envolvido na campanha pela liderança da UNE com uma chapa sob comando dos estudantes tucanos. "Mesmo que haja descrença no modelo político e nas figuras inseridas nele, são os jovens que farão as mudanças de que o Brasil precisa", diz.

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Queríamos derrubar o regime

O economista Jean Marc Von Der Weid, que presidiu a UNE em 1969 --quando a maioria das "grandes figuras" do movimento estudantil estava presa--, lembra que mesmo fragmentada e contraditória, havia uma força política muito bem organizada dentro da entidade.

"Existe uma diferença capital que é, apesar de ter havido uma espécie de adesão espontânea muito grande nos melhores momentos de 66 a 68, você tinha um estopim organizativo de esquerda, e agora você não tem", afirma.

O fato de haver um espaço organizado que reunia a esquerda inteira, que eram as próprias organizações do movimento estudantil, tornaria impensável, por exemplo, a atuação de movimentos como o black block nos anos 1960, garante Von Der Weid.

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Hoje, as lideranças de 1968 concordam num ponto: só a ditadura conseguia unificar a mobilização dos estudantes, e a força das manifestações contra o regime naquele ano foi sendo acumulada nos anos anteriores.

"Acho que o movimento estudantil de 68 tem uma característica muito forte, que é o movimento de insubmissão à ditadura, mas na verdade vem de 65-66-67 e deságua como movimento maduro em 68", analisa o jornalista Franklin Martins, que presidia o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade do Brasil --atual UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Para quem frequentava o famoso restaurante Calabouço, a cantina que servia refeições de baixo custo aos estudantes secundaristas no centro do Rio de Janeiro, foi uma realidade bem diferente que serviu de estopim para os protestos de março de 68, que resultaram na morte do jovem Edson Luís de Lima Souto pela polícia.

"Fecharam o restaurante e a massa avançada começou se mover em função de quê? Da comida, do direito ao estudo, de estudar, da nossa policlínica", lembra Elinor Brito, que liderou a Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC).

O perfil da quase totalidade dos usuários do restaurante garantiu a força dessa mobilização: dos 6.000 que frequentavam o Calabouço, 95% eram jovens pobres do interior, que buscavam estudo e trabalho na cidade grande. "Foi o momento histórico da consciência política, da consciência de classe. A maioria era estudante secundarista, a gente queria apenas estudar e comer e viver", resume Geraldo Sardinha, que integrou a FUEC, hoje com 72 anos.

O assassinato do secundarista, somado à falta de liberdades em plena ditadura, revigorou a força dos alunos. "Os estudantes da época tinham concretamente um inimigo. O inimigo era a ditadura militar, o inimigo usava botas, usava uniforme", afirma o jornalista Arthur Poerner, autor do livro "O Poder do Jovem", à época acadêmico de direito e repórter no diário "Correio da Manhã".

Hoje, o inimigo é muito mais sutil. "O inimigo do povo brasileiro atua na Câmara, no Congresso Nacional, fazendo seus movimentos lá dentro, é o foro privilegiado, são essas coisas todas."

Queremos tudo

A principal diferença entre os jovens de hoje e aqueles das décadas passadas, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira, está no contexto sociopolítico de cada período. Enquanto durou, a ditadura civil-militar era responsável por unir a juventude em torno da derrubada do regime. 

Sem ela, abriu-se espaço para uma infinidade de causas e lutas. "É como se o movimento atual tivesse invertido aquela equação. Não há uma causa geral, não há uma luta contra a ditadura ou um sistema particular. Existe uma profusão de pequenas causas. Não quer dizer que sejam sem importância, apenas menores que uma causa geral", analisa.

Essa diversidade de pautas é uma das características da militância dos dias atuais, reforça a historiadora Angélica Muller. "É muito comum hoje você ver um estudante que luta pela floresta amazônica. É uma forma de militância." Ou seja, aquela forma tradicional acaba perdendo valor como um grande centro porque existem outras formas de fazer militância, diz a professora da UFF.

Os 50 anos que se passaram trouxeram novas expectativas da juventude em relação à política e às próprias lutas. "Tem uma pequena diferença que é o seguinte: aquela geração queria substituir os políticos. Os jovens de hoje não estão querendo substituir, mas partir para outras lutas. A causa ambiental é um exemplo disso", diz Ventura.

Além disso, o perfil socioeconômico dos estudantes mudou. "Antes os estudantes eram, sobretudo os universitários, das classes abastadas. Hoje há uma presença maior, graças à política de cotas, de estudantes de origem humilde, de escolas públicas, na universidade. Na época isso ainda era bastante raro", lembra Poerner.

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O acesso das classes mais baixas ao ensino superior nos últimos anos justifica a multiplicação de pautas, afirma Carina, da UNE. A universidade tornou-se um espaço mais democrático e, portanto, com novas reivindicações.

"Quando você coloca o estudante de baixa renda dentro da universidade, você gera uma demanda que os estudantes da década de 60 não tinham, que é a assistência estudantil. O bandejão, bolsa permanência, moradia, hoje tudo isso é vital", exemplifica a líder da UNE. "As pautas vão se diversificando muito."

Um exemplo é o protagonismo que o movimento feminista vem assumindo dentro das organizações estudantis. Essencialmente masculino na época da ditadura, hoje muitos centros acadêmicos e diretórios centrais são liderados por mulheres.

"Até hoje, apenas seis mulheres presidiram a UNE em seus 80 anos de existência. E somente duas foram eleitas de forma seguida. Isso não é coincidência, é efetivamente o retrato de um movimento muito feminino e feminista", diz Carina.

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Para a estudante de história da Universidade Federal do Ceará (UFC) Victória Cavalcante, a luta das mulheres por mais espaço no movimento estudantil é um reflexo da sociedade.

"Ainda é muito difícil para uma mulher ocupar um espaço político e se fazer ouvida. Estamos sim vivendo um período em que nós aparecemos mais, mas ainda não é o suficiente, precisamos renovar nossa luta o tempo todo", defende a universitária, que tem 20 anos e é diretora do Diretório Central dos Estudantes (DCE) de um dos campus da UFC.

Outras bandeiras ganharam espaço nas organizações de estudantes, como os movimentos negro e LGBT. "Só com mulheres na universidade começamos a sentir o machismo. Com os negros entrando na universidade e o sistema de cotas, vemos como esse é um ambiente racista. A partir daí, enxergamos que é preciso enfrentar esses temas para que esses grupos permaneçam na universidade", reflete Carina.

Caíque Azael, 20, estudante de psicologia da UFRJ e integrante do DCE da instituição e do movimento RUA - Juventude Anticapitalista, diz acreditar que as múltiplas pautas refletem a diversificação dos ataques.

"As nossas lutas também têm se diversificado para a gente conseguir fazer alguma frente de resistência a tudo o que está acontecendo", explica.

O pano de fundo disso tudo é um novo olhar da própria juventude sobre suas necessidades. "Os secundaristas são um exemplo de que hoje existe mais consciência da necessidade de um bom ensino, boa estrutura, bons professores e que isso deve ser exigido por ser um direito deles", diz a presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz.

Arte UOL
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Queríamos mudar a História

Ao ficarem frente a frente com a nova geração de estudantes que vão às ruas, os veteranos de 1968 decretam: falta conhecimento ideológico. "Tem uma diferença muito grande, que é a questão da formação, embora hoje exista muito mais acesso a informação do que nós tínhamos. Muitas vezes as pessoas vão para as manifestações pelo clima, pelo embalo, sem o mínimo conhecimento ideológico", critica Sardinha, que visitou várias escolas ocupadas no Estado do Rio de Janeiro e no Nordeste. 

A ideologia que a geração de 1968 não identifica nos estudantes de hoje sobrava naquela época. Na "praça" do restaurante Calabouço, Elinor Brito conta que se discutia política 24 horas por dia.

A gente tinha murais estudantis nacional e internacional, no mesmo modelo de divulgação que havia na China, e os estudantes traziam folhas e mais folhas, artigos e manchetes e colocavam ali", lembra o ex-dirigente da FUEC.

Era uma época de utopia, lembra o jornalista Zuenir Ventura, em um contexto de inspiração revolucionária. "Não se pode esquecer que era a época que os americanos estavam sendo derrotados por um bando de caras com arco e flecha, ou quase isso, na Guerra do Vietnã, que meia dúzia de caras tomaram o poder em Cuba e acabaram com a ditadura do (Fulgêncio) Batista. Então, se isso acontece, tudo é possível. Acreditava-se que se mudava a história pela revolução."

O jornalista Caio Túlio Costa participou do movimento estudantil quando as utopias apontadas por Ventura já tinham sido sufocadas no Brasil pelo peso do AI-5 (Ato Institucional Nº 5).

Em 1975, a mobilização estudantil ressurge com força em São Paulo e a militância se multiplica dentro da USP. "Ali, o movimento estudantil era uma espécie de batedor do movimento de massa, era o caldeirão de cultura dos partidos", resume Costa, que entrou na Escola de Comunicação e Artes (ECA) em 74 e passou a fazer parte da corrente trotskista Liberdade e Luta (Libelu).

Os estudantes eram 'instrumentalizados' pelos partidos, fossem de extrema esquerda ou de esquerda, lembra o jornalista, e isso continua acontecendo ainda hoje, tanto à direita quanto à esquerda.

Vladimir Palmeira, que liderou a massa de estudantes como presidente da UME durante a Passeata dos Cem Mil no centro do Rio, em junho de 1968, diz que o excesso de partidarização é responsável pela carência de representatividade nas entidades estudantis.

Durante o final da ditadura, diz Palmeira, as entidades estudantis se transformaram simplesmente em braços dos partidos políticos. "A UNE, a UBES, apesar de juntarem milhares de pessoas, não são representativas do ponto de vista da massa estudantil. Eu não coloco questões ideológicas ou partidárias nisso, mas, para quem está lutando e vê o representante da entidade, não acha que aquele sujeito é da UBES, acha que é do PT, do PCdoB ou do PSOL. Isso enfraquece o movimento e afasta muitos estudantes", afirma.

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O ex-presidente da UBES Apolinário Rebelo, que liderou os secundaristas no período das Diretas-Já, diz que essa é uma falsa impressão. Os movimentos não são perenes, argumenta. "Eles têm altos e baixos, como o resultado de um eletrocardiograma."

Hoje filiado ao PCdoB, o então secundarista foi o primeiro a discursar no histórico comício pelas Diretas realizado na Candelária, no centro do Rio, em 10 de abril de 1984.  "Nenhum movimento social no mundo mantém uma mobilização 100% no topo, porque é humana e politicamente impossível."

Queremos ser ouvidos

Ser apartidário, para a nova geração, é uma qualidade. Em outubro de 2016, no auge das ocupações de escolas pelos secundaristas, uma aluna do ensino médio foi à tribuna da Assembleia Legislativa do Paraná para deixar isso bem claro.

"Nossa única bandeira é a educação. Nós somos um movimento apartidário. Somos um movimento dos estudantes pelos estudantes. Somos um movimento que se preocupa com as gerações futuras, um movimento que se preocupa com a sociedade, que se preocupa com o futuro do país", disse Ana Júlia Ribeiro, 16.

Na nova configuração horizontalizada do movimento estudantil, diversos coletivos e organizações se formaram com maior ou menor grau de partidarização e ideologia.

Entre eles, o RUA - Juventude Anticapitalista é contra a filiação partidária de seus integrantes e se posiciona como oposição à esquerda da atual liderança da UNE.

Já a União da Juventude Rebelião (UJR) segue as ideias de Karl Marx, Friedrich Engels, Lênin, Joseph Stálin e Che Guevara e prega a Revolução Socialista.

Júlio Lins, que está em campanha para as eleições da UNE, encabeça o Vem pra Rua, movimento suprapartidário que se situa à direita no espectro político. Contrário à doutrinação do movimento estudantil, reúne jovens com ideais liberais e pró-empreendedorismo.

"É um movimento que pede um discurso ideológico e um debate político mais engajado. Lógico que buscamos a melhoria da biblioteca universitária ou do restaurante, mas essas não são nossas principais bandeiras. Lutamos por liberdades individuais", resume Lins, presença recorrente nas manifestações pró-impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

"A gente acredita que tem de radicalizar a UNE", defende a estudante de ciências sociais da UFRJ Júlia Sampaio, 19, que participa do RUA.

"Quando houve o corte de R$ 10 bilhões do governo Dilma na educação, a UNE não se posicionava porque não podia ir contra o governo, porque era ligada a um partido político. Quando a gente fala em radicalizar, é justamente se referindo a isso, a ter mais liberdade", emenda Iamara Peccin, 20, estudante de psicologia da UFRJ, também do RUA. Atualmente, a corrente majoritária na UNE é a União da Juventude Socialista (UJS), ligada a partidos de esquerda.

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O estudante Murilo Marques, 19, participa de manifestações populares desde 2013. Em janeiro de 2017, estava nas ruas de São Paulo contra o reajuste das tarifas de transporte público vestindo uma camiseta vermelha com símbolo da UJR e agitando uma bandeira do movimento.

Para ele, o movimento estudantil precisa ir mais longe. "A juventude tem de entender que precisamos de um movimento revolucionário que atue junto com o trabalhador nas fábricas, junto com os moleques da periferia para a gente chegar e falar ‘é assim que funciona’", explica.

A volta do protagonismo estudantil também atraiu grupos distantes da UNE há algum tempo, como os estudantes filiados ao PSDB.

Sem lideranças no movimento estudantil há anos, a corrente Ação Popular articula uma chapa para disputar a eleição para presidência da entidade no mês que vem.

A ala jovem do partido não contava com apoio dos líderes nacionais para liderar a UNE desde 2013, afirma o universitário Caio Gaya. "É verdade que o PSDB não tem apelo entre os jovens, é um partido envelhecido. Mas a juventude da sigla cresceu muito nos últimos anos até por conta da polarização política", explica o estudante de engenharia.

Queremos o futuro do presente

Da mesma forma que as "grandes figuras" de 1968 marcaram a vida política do Brasil nas décadas que se seguiram, o recente protagonismo de jovens lideranças estudantis pode ser uma apresentação dos rostos que veremos nas eleições futuras.

Mas nem tudo o que parece é. A nova geração vê múltiplos caminhos para a militância depois que os bancos escolares ficarem para trás.

Carina Vitral abre espaço para uma possível candidatura política daqui a alguns anos, assim como Stéphanie do Prado Brasil, universitária gaúcha que cogita concorrer a deputada ou prefeita.

Quem descarta totalmente o caminho da política partidária poderá ser encontrado futuramente no movimento sindical, como o goiano Fábio de Oliveira Júnior e a estudante de direito Stela de Castro Reis, da UFF em Volta Redonda (RJ).

Entre os secundaristas, a militância partidária surge como uma possibilidade entre outros caminhos. Participantes de diversas ocupações em 2015 e 2016, a paulista Caroline da Fonseca Silva e a carioca Isabelle Teixeira Ribeiro, ambas de 17 anos, não descartam se filiar a algum partido para ter voz, mas hoje não se veem como futuras candidatas a um mandato eleitoral.

"Também penso em abrir uma ONG para acolher crianças carentes na periferia", acrescenta Caroline, que atualmente integra a União da Juventude Socialista (UJS). 

A carioca Júlia Sampaio, que esteve no protesto contra a reforma da Previdência no centro do Rio em março deste ano, quer seguir lutando pelos direitos das mulheres. Alvim Almeida, de 17 anos, diz que muitos colegas com quem participou de ocupações se desmobilizaram. "Muita gente saiu do terceiro ano do ensino médio e não teve um trabalho de base para que os primeiros anos e o ensino fundamental continuassem esse movimento", critica.

O contexto histórico-social do século 21, diz o cientista político Marco Aurélio Nogueira, favorece o hiperativismo dos indivíduos e a atuação dos jovens em múltiplas frentes. "Eles não são passivos e estão sendo empurrados para a reivindicação", analisa.

Hoje, a motivação é o próprio desejo de participar. "Porém, para o casamento entre desejo de participação e movimento estudantil acontecer, esse movimento precisa se reinventar", afirma.

A historiadora Angélica Muller resgata uma situação que viveu em 2013 para retratar a pluralidade que marca o ativismo estudantil hoje. "Eu estava curiosa para saber mais sobre aquela multidão na rua, e foi engraçado porque chegaram para mim com uma caneta na mão e um cartaz e me disseram 'olha, escreva sua frase'. Perguntei qual frase e a resposta foi 'o que te representa'."

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