Energia de açaí para cimento

Em vez de petróleo, Votorantim pesquisa opção reciclável na produção de cimento, diz chefe da empresa

Do UOL, em São Paulo
Gabo Morales/UOL e Arte/UOL
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Cimento verde

Gerar energia a partir do caroço do açaí e do lixo para reduzir os danos ao meio ambiente –e, se possível, os custos– é um dos focos do trabalho de Walter Dissinger, CEO da Votorantim Cimentos. 

Em entrevista na série UOL Líderes, Dissinger fala sobre a importância de promover inovação em uma empresa tradicional e comenta ações com startups para modernizar o setor.

Diz ainda quais foram os prejuízos que a operação Lava Jato, a crise econômica e a greve dos caminhoneiros causaram para os negócios e por que considera as reformas da previdência, tributária e trabalhista importantes para o país.

Sai petróleo, entra açaí

UOL - O sr. tem implementado algumas ações ligadas ao meio ambiente na empresa. O que está mudando na prática?

Walter Dissinger – Nós temos um objetivo muito claro. Número um: estar dentro de todas as leis quando falamos de emissões.

Para reduzir emissões de CO2, buscamos substituir combustíveis fósseis por outros combustíveis. Hoje temos uma substituição térmica que está chegando perto dos 30%, significa que nós substituímos coque de petróleo por biomassa, por resíduos, por outros produtos que têm conteúdo energético que podem ser aproveitados.

Um exemplo é Primavera (PA), nossa fábrica mais nova: criamos agora um conceito em que podemos aproveitar o caroço de açaí como fonte energética em coprocessamento no lugar de coque de petróleo.

É um pequeno exemplo que queremos fazer para melhorar o meio ambiente, reduzir emissões e, naturalmente, também reduzir custos onde for possível.

Estamos trabalhando muito com lixo urbano, vendo se podemos usar os fornos como solução para o lixo urbano que hoje está sendo compostado, usando como fonte energética.

São dois exemplos que estamos querendo fazer e já estamos fazendo nesta área.

O senhor tem um interesse particular em tecnologia, inovação, que até o levou a fazer um curso no Vale do Silício. O que esse curso trouxe? Já está aplicando ou pretende aplicar no dia a dia da empresa?

É uma boa pergunta: o que vem pela frente. Eu diria que muita coisa boa. Nós vamos ver uma nova fase após a da industrialização. A fase na qual informações terão muito valor, a produtividade vai aumentar tremendamente, a sociedade vai encontrar novas maneiras de trabalhar. É um grande desafio para empresas, para a sociedade, para realmente redefinir em geral o que a humanidade fará com a ferramenta tecnologia.

Muitas pessoas têm medo e dizem que vai desaparecer trabalho, vão ser substituídos por robôs. Acredito que todos nós vamos encontrar um futuro muito interessante, novamente definido, uma forma diferente de trabalhar, e isso me anima.

Olhando para a Votorantim Cimentos, temos vários exemplos. Na parte industrial, estamos trabalhando agora com o que se chama "indústria 4.0". Como aproveitar novas tecnologias, sensores, informações, drones, para realmente ser mais eficiente, para prever manutenções e com isso reduzir custos. Olhar de cima com drones para melhorar toda nossa mineração e buscar mais eficiência, deixando os nossos colaboradores focarem mais na tomada de decisão.

No que a tecnologia da indústria 4.0 pode mudar em relação aos clientes?

É impressionante ver o que está acontecendo em diferentes mercados, em geral. Vamos pegar o varejo, onde o cimento é vendido aqui no Brasil. Olhando para fora, para o que está acontecendo com a Amazon, com o Walmart, em que novas tecnologias estão dando acesso a empresas a ter um contato direto com o consumidor final. A Amazon, com sua plataforma, está mudando o varejo.

Acreditamos que há uma grande oportunidade em nos posicionarmos no varejo como parceiro do nosso cliente, que é o varejista, ajudando o varejista com informações para tomar decisões mais informadas e mais inteligentes, ajudá-lo a criar lealdade com os seus clientes.

Criamos um programa de fidelidade. Fidelidade com nossos clientes, fidelidade com os balconistas e, no futuro, fidelidade também com os profissionais de obra.

Com novas tecnologias, todo mundo usando celular, é mais fácil buscar esse relacionamento, é mais fácil trocar informações entre a empresa e o seu cliente.

Poderia dar um exemplo de algum resultado, algum produto, alguma solução que saiu de parcerias, com startups?

No passado nós sempre precisávamos monitorar nossas minas e terrenos de forma manual. Precisávamos pegar o carro e olhar se está tudo em ordem, se alguém, por exemplo, invadiu a área etc. Com a nova tecnologia, podemos monitorar via drone e numa plataforma de informática quase automatizada, recebendo proativamente, recebendo mensagens quando alguma coisa não está correta.

Com essa georreferência, podemos de uma forma muito mais simples, mais barata, mais moderna, ter um gerenciamento de todos os nossos terrenos, todas as nossas minas, de forma muito mais profissional.

Por que uma empresa consolidada, tradicional, precisa correr atrás dessas inovações?

Quem não cria o futuro talvez seja vítima do futuro. É melhor inovar, se redefinir, encontrar caminhos não tradicionais para uma empresa tradicional.

Isso já ocorre faz muitos anos dentro do Grupo Votorantim. O grupo se reinventou na crise. Neste ano, quando fazemos cem anos, estamos planejando os próximos cem. Isso é ser ativo, e reinventar o futuro é justamente a melhor maneira.

Menos poluição do cimento

Lava Jato e recessão impactaram negócio

UOL - E falando da economia de uma forma mais geral, que cenário o sr. acredita que o próximo presidente vai encontrar? O sr. falou de retomada, mas já há sinais disso, quais as projeções para os próximos meses?

Walter Dissinger – Ainda não temos sinais de uma retomada, mas de uma estabilização a um nível econômico baixo. O novo presidente precisa criar condições para as empresas competirem. Precisa fazer as necessárias mudanças e também as necessárias reformas.

Tenho certeza de que, investindo em infraestrutura, olhando para o nosso mercado, olhando para as indústrias, por meio dessas medidas, veremos uma retomada aqui, no Brasil, já em 2019. Não vai ser uma arrancada; vai ser uma retomada.

Fazendo as reformas necessárias, ai sim, vamos ver um crescimento interessante para os próximos anos aqui no Brasil.

O sr. falou que a empresa manteve os investimentos durante a crise, mas a imprevisibilidade política acaba também sendo um fator de impacto na hora de decidir investimento?

Imprevisibilidade sempre é fator de que empresas não gostam. Então, sim, imprevisibilidade tem impactos, mas de curto prazo. Quem olha para o longo prazo, como a Votorantim, vê oportunidades aqui no Brasil. Nós vemos oportunidades muito grandes.

Naturalmente sempre tentamos adequar o curto prazo. O longo prazo aqui no Brasil será um futuro de crescimento. Tenho certeza de que vamos ver investimentos em infraestrutura, vamos ver a retomada de compra de residências. Há um grande déficit habitacional aqui no Brasil.

Como a operação Lava Jato impactou a economia, principalmente o setor de cimento, com empreiteiras envolvidas?

Nós fomos bastante impactados, sobretudo na área de infraestrutura e na área de residências e de construção de prédios residenciais como também prédios comerciais.

Há um impacto direto: clientes nossos foram impactados de alguma forma pela Lava Jato. E há um impacto indireto maior ainda. De repente, muitas obras de infraestrutura foram postergadas.

Houve um estoque muito grande de apartamentos que precisavam ser vendidos em função da recessão. Então, o impacto indireto via recessão foi maior que o da Lava Jato em si.

Corrupção é um tema que, de fato, precisa ser abordado em todas as esferas de uma empresa? Como vê essa temática?

É um tema extremamente importante em todos os níveis da empresa. Começa com o CEO, continua com toda a sua equipe direta e tem que ir até cada pessoa dentro da organização.

Uma empresa precisa ter valores e ética, respeitando as leis. Isso é o que a Votorantim, não só agora, mas nos últimos cem anos, em formas diferentes, vem comunicando e implementando.

Nos últimos cinco anos, trabalhamos fortemente nosso código de conduta, as regras de compliance, treinamentos, porque estamos vendo o que pode acontecer se uma empresa não adere a essas regras.

Todas as pessoas na empresa devem não só criar valor para os acionistas, mas para toda a sociedade. E criar valor para a sociedade significa criar emprego, criar soluções para o Brasil, e tudo isso se baseia em valores e ética.

Efeitos da política nos negócios

Reforma trabalhista dá competitividade

UOL - Com a reforma trabalhista, já ocorreram mudanças na empresa?

Walter Dissinger – Houve muitas mudanças. Por exemplo, o e-Social, que também foi implementado. A reforma trabalhista teve seus impactos em nossos processos e a forma como estamos trabalhando no sentido positivo. Então, tentamos implementar todas as mudanças de norma, mudanças de legislação dentro da empresa, com tudo que nós podemos fazer de transparência, e as mudanças em geral até agora foram produtivas.

Poderia dar exemplos de situações que mudaram a partir da reforma tanto para trabalhador como do ponto de vista da empresa?

Em relação à mudança trabalhista, facilitou, por exemplo, a flexibilidade de poder entrar e sair da empresa. É uma coisa muito positiva, porque flexibilidade significa competitividade.

E o que acha da reforma previdenciária, vai fazer diferença para a economia do país?

Olhando agora fora do Brasil, em todos os países, houve realmente mudanças. Uma realidade demográfica é que nós todos vivemos mais anos que antes, que é uma coisa muito positiva.

Deveríamos, não só aqui, mas em outros países, sempre rever e ver se o conceito previdenciário ainda está financiável. Então, acredito que a reforma previdenciária no Brasil seja um tema importante para o próximo presidente também.

País precisa de reformas

A Votorantim Cimentos é assim

  • Fundação

    1933

  • Funcionários diretos

    12 mil

  • Clientes por mês

    30 mil

  • Países em que opera

    Brasil, Argentina, Bolívia, Canadá, Espanha, Estados Unidos, Índia, Marrocos, Peru, Tunísia, Turquia e Uruguai

  • Faturamento em 2017

    R$ 11,1 bilhões

  • Ebitda ajustado

    R$ 1,8 bilhão

Executivo brasileiro tem de ser criativo

UOL - O sr. é filho de alemão e norte-americana, estudou em vários países e trabalhou também em diferentes nações. No que isso ajudou a chegar ao cargo de liderança?

Walter Dissinger – Uma palavra: diversidade. Mais experiências em diferentes culturas. A cultura alemã foca em processos. No Brasil, a cultura é de criatividade e flexibilidade. A combinação disso é fantástica.

Só criativos sem processos não funcionam. Processos sem criatividade não agregam muito. A combinação é muito interessante. Eu gosto tanto de morar aqui por causa disso.

Como compararia um executivo que trabalha no Brasil e um na Europa? Teria alguma vantagem?

Com certeza. Eu conversei faz pouco tempo com um antigo CEO meu de uma empresa alemã. E ele falou: quem trabalha no Brasil passa por, pelo menos, uma crise por ano, enquanto na Europa talvez uma crise a cada cinco anos.

Então, executivo que trabalha aqui no Brasil precisa ser flexível, muito rápido, precisa pensar estrategicamente no longo prazo, sem perder o curto prazo de vista, porque muita coisa muda no curto prazo. Isso hoje em dia, em tempos cada dia mais voláteis, é uma grande vantagem competitiva para um executivo brasileiro.

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