UOL - Você vem de uma família que controla algumas das marcas de calçados femininos mais tradicionais do país, a Azaleia e a Grendene. Como é carregar essa tradição?
Pedro Bartelle - Eu nasci na indústria de sapato. Quando nasci já existia a Grendene, empresa que meu pai, Pedro, e meu tio, Alexandre, fundaram. Aprendi muito do que eu sei sobre calçados com eles, mas o curioso é que eu só vim para a [indústria de] sapato quando eu tinha 22 anos.
Antes disso eu fui piloto profissional de Fórmula Ford, Fórmula Chevrolet e Fórmula 3 [categorias do automobilismo]. Ganhei campeonatos brasileiros e fui vice-campeão sulamericano de Fórmula 3.
Cheguei à empresa e comecei a gostar ao abrir algumas lojas e aprender sobre varejo. Lógico que vinha sempre uma responsabilidade por continuar com a tradição da família, mas eu mesmo fiz a opção de abrir mão do automobilismo.
[A tradição] tem seu lado bom, que é toda a experiência e o privilégio de poder hoje estar dirigindo a empresa que foi dirigida por tanto tempo pelo meu pai.
Por outro lado, é um pouco difícil para um filho dirigir uma empresa que já teve tanto sucesso com o pai à frente. Felizmente, ele é bastante participativo. Meu irmão também está dentro da empresa, e a família toda, de certa maneira, é bastante colaborativa e comemora os resultados junta.
Além da pressão, quais são os desafios de se trabalhar numa empresa familiar?
Por um lado, existe uma tranquilidade porque em família sempre há muita confiança. No mundo corporativo você às vezes se decepciona com algumas coisas, mas nós sabemos separar muito bem o acionista, a família e o executivo. Isso nós aprendemos, com bastante dificuldade, dentro da reestruturação que fizemos com a [consultoria] Galeazzi.
Eu dificilmente me posiciono na empresa como uma pessoa que também é acionista e também é família. O meu cargo lá é o de CEO.
Temos capital aberto, e a governança é muito bem estabelecida.
A empresa passou por uma grave crise recentemente, com muitas dívidas e acionistas tendo que fazer aportes. Como ela chegou a esse ponto?
Logo depois da fusão da Vulcabras com a Azaleia, a empresa viu um grande potencial de crescimento, fez muitos investimentos em ampliação do parque fabril e acabou crescendo mais do que o mercado suportou.
Acreditávamos que o antidumping que foi implementado contra produtos chineses em 2010 surtiria efeito e que as importações de calçados poderiam se tornar um pouco mais racionais. Elas vinham crescendo em torno de 40% ao ano, o que nos parecia um pouco estranho.
Mas os efeitos do antidumping foram muito pequenos porque os produtos acabaram vindo de outros países asiáticos, e as importações continuaram crescendo.
Ao mesmo tempo, [atraídas por] Copa do Mundo e Olimpíadas, marcas internacionais vieram se posicionar muito fortemente aqui no Brasil.
A empresa estava grande e esperando um crescimento ainda maior, e isso fez com que entrássemos em uma crise. Houve fatores externos, mas também algumas decisões equivocadas da nossa parte.
No ano passado, o lucro subiu mais de 400%, e a empresa chegou a um valor de mercado de R$ 2,24 bilhões. Como foi esse salto?
Para chegar onde estamos, divido o trabalho em duas etapas. A primeira foi a consultoria que nós contratamos, a Galeazzi. Ela fez um trabalho excelente de organização e corte de custos e nos ajudou a organizar governança da companhia e profissionalizar os sistemas de trabalho. Quando a consultoria saiu, veio uma segunda parte, a de realmente “performar”, trazer novos profissionais, montar um time para voltar a ter agilidade, rapidez nas entregas e, principalmente, ter inteligência de mercado.
Nossa companhia sempre teve um viés muito industrial. Agora nós nos tornamos uma gestora de marcas.
Nossa indústria é muito importante, mas hoje terceirizamos uma parte da produção e importamos alguns produtos, como acessórios. Não somos mais completamente verticalizados, e isso nos deu mais agilidade.
Vocês não se definem mais como uma indústria de calçados, então?
Não, nós somos uma gestora de marcas que tem uma indústria, o que é um diferencial competitivo no Brasil. No passado, nós já fomos gestores de marcas de terceiros, sempre com viés industrial. Hoje, só temos marcas próprias.
Quais são os investimentos que a companhia está fazendo neste ano?
Acabamos de sair de uma reestruturação e no ano passado migramos para o Novo Mercado [da Bolsa], o que nos deixou numa condição financeira muito melhor.
Este é o ano de modernização do nosso parque fabril. Vamos investir em torno de R$ 100 milhões e esperamos, com isso, mais eficiência e mais produtividade.
A Olympikus já é uma marca líder no setor dos calçados esportivos. Mas há também uma divisão feminina, a Azaleia, que está em reestruturação. Os investimentos também vão para essa parte da empresa, para retornar ao nível de liderança de mercado. Este é o nosso principal objetivo para este ano.
A Azaleia vende hoje muito menos do que quando foi comprada, em 2007. Por que a marca havia saído do foco? Como vai ser esse reposicionamento?
A divisão esportiva é protagonista dentro do nosso negócio, e acabávamos dirigindo a divisão feminina como se fosse a esportiva. Mas a feminina é muito diferente.
Ela funciona com muita rapidez, com lançamentos constantes de produtos. Tivemos de entender isso e separar as coisas. Hoje, a Azaleia é uma unidade completamente separada, com venda, desenvolvimento de produto e fábricas especializadas. A única área comum às duas divisões é a contábil e financeira. Os pontos principais da reformulação são velocidade, lançamentos mais constantes e, principalmente, trazer mais modernidade à nossa coleção.
A Azaleia precisa passar por um rejuvenescimento, e é isso que nós estamos fazendo.