Quais as características do consumidor brasileiro de moda?
Paulo Correa - Comparado a outros países, tem um poder aquisitivo menor, mas ele gosta muito de moda, vestir é uma dimensão muito importante, e ele tem mais personalidade para se colocar nessa dimensão do vestuário.
Se você vai para a Europa ou EUA, é muito comum ver mais cores neutras, essas cores muitas vezes são quase uma impessoalidade, como se você conseguisse ficar invisível nesse sentido. Pode ser um estado de espírito em alguns momentos.
O brasileiro não é assim, o brasileiro gosta de cor, de falar: "cheguei, estou aqui". E é muito legal, muitas vezes, na cartela de cores daqui, a gente tem de considerar essas diferenças. E o Brasil é um país enorme, e há diferenças dentro do Brasil -Norte, Nordeste, Centro, Sul-, em termos de modelagem, preferência de cores.
E também há a dimensão climática. No Nordeste, os produtos com menos mangas, mais curtos, bermudas obviamente têm uma força muito maior do que no Sul do país, principalmente no inverno. Essas são as principais diferenças. Moda praia é uma coisa muito forte no Brasil, e é bem menos relevante fora do Brasil.
Que problemas o setor de moda enfrenta no Brasil?
O Brasil tem problemas de infraestrutura. Os transportes não ajudam. O mundo hoje está muito mais veloz, há um imediatismo muito grande. E é muito demorado termos uma infraestrutura totalmente dependente de estradas rodoviárias num país desta dimensão. Sair daqui de São Paulo ou do Rio e ir para o Norte e Nordeste pelo meio rodoviário é uma coisa lenta. Isso é uma história que precisa, de fato, evoluir muito neste país. Isso facilitaria o consumo nas diversas regiões. É um ponto bem relevante.
Outra coisa é a própria situação macroeconômica. Isso segura o investimento. Temos de investir e trabalhar junto com nossos fornecedores o tempo inteiro, porque eles têm muitas dificuldades e muitas barreiras como empreendedores. Seja acesso a crédito, tecnologia, desenvolvimento de pessoas. Tudo isso está na pauta desses fornecedores, e eles têm de estar trabalhando o tempo inteiro.
Se a gente não ajudar, eles não têm acesso a tantos canais. Ajudamos de diversas formas, seja em desenvolvimento de processos, para construir soluções melhores, compartilhar práticas, seja também nas dimensões financeiras muitas vezes, com financiamentos de curto prazo. Isso faz parte da nossa relação com eles.
Como a imprevisibilidade econômica e política do Brasil afeta o negócio?
Na C&A, temos uma cultura muito forte de que crise é um momento de oportunidade, é a hora de fazer o dever de casa, de fazer a casa ficar mais arrumada, mais organizada, e se preparar para o próximo ciclo de alta. Que vai acontecer, já havia sinais acontecendo em 2017, parece que estamos invertendo a curva e, se isso continuar em 2018, como deve, seria muito positivo.
Mas a crise não faz parte do nosso dia a dia. O que faz parte do nosso dia a dia são os clientes e as mudanças nas condições e nas preferências dele. Temos de estar muito ligados nisso. A crise em si a gente não tem uma atuação direta no curto prazo.
A nossa maior atuação é conseguir, de fato, movimentar a economia, conseguindo ter cada vez mais relevância para nosso cliente e atraindo seu interesse.
Tentamos não ficar muito impactados pelas dimensões macroeconômicas, porque, quando há um momento de crise, isso só traz energia ruim, não traz energia positiva para o negócio. O nosso negócio é emoção, viver o dia a dia das pessoas. Não podemos ficar nesse lugar baixo astral.
Quais os caminhos para uma carreira bem-sucedida?
Minha origem é de classe média baixa. Fui o primeiro da família a concluir uma faculdade. Falo isso para os meus filhos: sempre é possível recomeçar qualquer coisa. Você sempre pode se reinventar como profissional. Nunca é tarde para você se reinventar, sempre há uma oportunidade.
Mas a reinvenção só faz sentido se for focada nas suas paixões e nos seus interesses. Eu costumo dizer que quem corre atrás de cargo, corre atrás do vento. Porque o cargo é uma consequência do nível de relevância e impacto que você pode trazer na organização. E isso tem a ver com a sua capacitação, mas também com a forma como você consegue gerar esse impacto.
O sucesso tem a ver com a sua energia, com a sua paixão, com a sua vontade de fazer as coisas de um jeito diferente e não porque você está olhando para a torcida. Jogador que fica olhando para a torcida o tempo inteiro para ver se vão aplaudir ou não perde a jogada, não presta atenção ao jogo e acaba perdendo a bola.
O que eu daria de dica é uma coisa que falo para os meus filhos: prepare-se, invista em você, não é obrigação da empresa investir em você, é sua obrigação. Você é o CEO da sua empresa, chamada você. Você toma as decisões que parecem mais relevantes para você. Se acredita em você, tem que investir na sua empresa, em você mesmo.
Em segundo lugar, faça coisas que você goste de fazer, trabalhe com pessoas que você admire e goste. Não vai pelo rótulo, não joga para a torcida, joga para você, o resto acontece naturalmente. Talvez seja fácil para mim estar falando isso na posição que eu tenho hoje, mas não planejei estar aqui sentado onde estou hoje. Nenhum passo da minha carreira foi premeditado. O que foi premeditado foram os investimentos que eu fazia em mim.
Em algum momento, decidi largar tudo o que eu tinha, eu tinha um cargo bacana numa empresa muito legal, mas achava que precisava investir mais no meu conhecimento. Peguei tudo o que eu tinha acumulado naquele momento, arrumei uma dívida ainda e fui para o exterior fazer um mestrado.
Aquilo ali abriu um monte de opções, um monte de conhecimento novo, que me permitiu fazer um segundo passo. Eu acredito muito nessa coisa do tente ser o melhor que você pode ser e não tente ter o cargo x ou y. Já vi muita gente na minha carreira se perdendo ou ficando infeliz. Às vezes até conseguem, mas ficam infelizes porque não estão fazendo aquilo de que gostam, aquilo em que acreditam, e se submetem porque não querem perder aquele status ou aquela situação.
Acho isso triste, a vida é muito curta, e a gente tem que se divertir o máximo possível. E ela é agora, não é amanhã. A vida é agora, e o amanhã vai ser consequência do agora.