Saúde grátis para todos?

Regra da Constituição de 88 de dar saúde a todos não é mais possível, diz chefe da Unimed Brasil

Do UOL, em São Paulo
Keiny Andrade/UOL e Arte/UOL
Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Quando a Constituição Federal foi feita, não se imaginava que o setor público não teria como sustentar financeiramente um sistema de saúde para todos os cidadãos. A análise é de Orestes Pullin, presidente da Unimed do Brasil, em entrevista na série UOL Líderes.

Ele defende uma mudança no modelo de assistência à saúde, incluindo a forma de remuneração no setor, e ressalta a necessidade de o país formar mais médicos que ofereçam atenção primária aos pacientes. Diz que é culpa da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) a dificuldade de adquirir planos de saúde individuais e fala da grave crise que atingiu algumas unidades da Unimed recentemente.

Saúde, dever do Estado, direito do cidadão?

UOL – O brasileiro busca serviços médicos da forma adequada? Procura por hospitais e consultas no momento certo?

Orestes Pullin – Estamos bastante atrasados em comparação aos demais países desenvolvidos ou em desenvolvimento com relação a modelos de atenção à saúde. O Brasil hoje tem um modelo que é muito focado na necessidade momentânea.

A pessoa tem uma dor de cabeça e vai procurar um médico ou um posto de saúde; não sabe exatamente qual médico procurar, ou às vezes vai a um pronto-socorro porque é mais fácil para conseguir atendimento. Existe um erro já na entrada da pessoa no processo de assistência: às vezes [é atendida por] um profissional que não está adequado para aquela queixa, ou deixou agravar para procurar um médico, não há um sistema preventivo adequado.

De forma geral, na iniciativa privada, quanto mais doente o médico atende mais ele ganha. Isso causa várias deformações na atenção à saúde.

Há uma vontade do brasileiro de ser bem atendido, há uma qualidade dos médicos que efetivamente atendem, mas há uma desorganização no processo, desde a entrada até o atendimento profissional, a forma de remuneração, e isso, de certa forma, estimula o uso e o abuso de exames, tecnologia e, eventualmente, deixa um pouquinho para trás olhar a pessoa dentro da necessidade dela, do que ela realmente precisa. Às vezes é um processo simples e se torna um processo complicado.

Nós temos um erro dentro do país, que não é só de uma organização, não é só do Estado, é um erro que ainda não discutimos com seriedade. Está chegando o momento de se discutir a saúde de forma bastante séria dentro do país. Tanto o Estado como a iniciativa privada precisam discutir a reforma da saúde.

Quais seriam os papéis de cada um desses setores?

Os setores público e privado hoje trabalham de forma separada, não há uma conversa muito clara entre ambos para que caminhem juntos num modelo de atenção mais adequado. O setor público está subfinanciado e há uma questão de gestão também, com defeitos na operação pública de saúde, enquanto no setor privado cada organização ainda pensa individualmente.

No momento em que foi instituída a Agência Nacional de Saúde, buscou-se dar uma cara meio única ao setor, mas nós ainda temos que caminhar muito para integrar o setor público e o setor privado.

No setor público, há algumas ilhas de excelência, mas ainda há muita deficiência de acesso, de qualidade ou de prestação de serviço de forma geral no país. A iniciativa privada ainda pensa mais em regiões onde efetivamente existe possibilidade de mercado. Com isso, não há uma integração entre os dois setores.

Hoje, você busca um serviço de ambulância, por exemplo, a iniciativa privada tem a dela, o setor público tem a dela, só que esses setores não se conversam e não há integração entre esses dois setores. Isso prejudica as pessoas na hora do atendimento, na hora da escolha ou efetivamente em como elas podem ser atendidas de forma mais adequada.

E pensando no futuro...

Nós estamos convencidos de que o país precisa conversar sobre saúde, sobre a questão saúde. A Constituição de 88 diz que a saúde é um dever do Estado e um direito de todo cidadão. Acho que ela foi feita em uma época em que talvez não se imaginasse que hoje isso não é possível.

Num momento em que você começa a enxergar que o financiamento privado está muito maior do que o setor público, [não dá para] imaginar que o setor público vá suportar isso. Não está suportando em nenhum país. A própria Inglaterra, que era o exemplo do NHS [national health service, o serviço público de saúde], não está suportando a questão do incremento de custos na saúde.

Mas nós estamos pensando para frente, nós temos que dar sustentabilidade para o futuro da saúde. Precisa mudar esse modelo onde não há um controle adequado ou um registro adequado das pessoas, não há um acompanhamento adequado das pessoas, não há aplicação de boas práticas médicas, há um exagero de gastos em termos de uso desnecessário ou acrítico de tecnologia...

Nós vamos vivendo mais, é ótimo isso, só que há um preço para viver mais. Então, nós temos que dar sustentabilidade para isso ao longo do tempo. Por isso queremos mudar o modelo, mudar a forma de se fazer saúde, a forma de remunerar.

A remuneração hoje na área da saúde, seja dos hospitais, seja dos médicos, é assim: um hospital interna um paciente e quanto mais ele gastar, quanto mais tiver complicações, mais o hospital ganha. Um paciente que cai da maca e fica mais dias internado porque caiu da maca, ele vai custar mais caro. Mas quem fez o paciente cair da maca? É essa discussão que temos que fazer.

A forma de remuneração tem que prever qualidade, tem que ser por indicadores de saúde, indicadores de morbidade, de mortalidade, de qualidade de vida do paciente. Você não pode remunerar por mais complicações. Essa mudança de conceito, com busca por qualidade, com indicadores de qualidade, remuneração por qualidade, meritocracia é o que nós estamos falando ao pensar na sustentabilidade futura de qualquer sistema de saúde.

Como pagar custo da saúde?

Formar mais médicos para saúde básica

UOL - A Unimed fala em um modelo de atenção integral à saúde. O que esse modelo prevê e como pode ajudar a melhorar o atendimento?

Orestes Pullin – Na Inglaterra, na França, na Holanda, na Alemanha, cerca de 40% dos médicos trabalham exclusivamente com atenção primária à saúde. No Brasil, não temos médicos que fazem atenção primária à saúde em quantidade suficiente para atender a população. Na formação, o médico já quer fazer especialidade.

Precisamos ter os médicos que fazem a atenção primária à saúde. Precisamos que as pessoas tenham os seus médicos. Cada cliente precisa ter um médico de confiança ao qual ele tenha acesso fácil.

Precisamos arrumar a rede assistencial, saber que esse médico de atenção primária vai encaminhar as pessoas para uma rede hierarquizada de atendimento, e que essas pessoas vão ter o atendimento, vão retornar para ter o acompanhamento.

Isso dentro de um programa que é chamado de atenção integral à saúde, que engloba desde o acesso das pessoas, o médico próprio, o registro clínico, o acompanhamento por uma equipe multiprofissional.

Haverá um grupo de pessoas cuidando daquela família, daquela pessoa, uma rede hierarquizada de hospitais, clínicas, laboratórios que vão atender o paciente, devolver para o médico que está acompanhando ou dar seguimento para um acompanhamento secundário ou terciário.

Hoje, nesses programas de atenção integral à saúde, nós já temos em torno de 200 mil clientes distribuídos em várias cidades. Isso criou uma sustentabilidade maior, uma racionalidade maior.

Não é mais barato, mas é mais racional, e você consegue mais qualidade no atendimento, mais segurança para o paciente e uma racionalidade no uso, seja de tecnologias, de tratamentos ou de suporte para as pessoas.

O que muda na prática? O primeiro passo para o paciente sempre será um médico de atenção primária?

O primeiro contato são os núcleos de atenção primária, nos quais o paciente tem o médico dele, ou o grupo de médicos que o atende nesse núcleo, que sabe a sua história, que remédio ele toma, quais são os especialistas que o acompanham.

Há a assistente social que liga para ele, para saber se ele fez o exame, se está tomando o remédio direitinho, se na sua casa não há muito tapetinho que possa fazê-lo cair, ter uma fratura  de fêmur, se no banheiro há um suporte para segurar.

Isso não impede que as pessoas, tendo a necessidade, busquem outros especialistas. Mas há uma lógica de atenção para cada uma das pessoas que têm planos dentro desse modelo. Porque o plano hoje é um plano de livre escolha, você procura quem você quiser, usa onde quiser, usa sem muito controle, não há um acompanhamento.

Se você é atendido hoje num hospital, o médico que vai atendê-lo amanhã não tem o histórico daquele atendimento, ele pede todos os exames de novo, eventualmente desnecessários, porque você acabou de fazer, e não há uma sequência lógica do atendimento.

Esse modelo vai exigir um trabalho de comunicação forte para orientar os beneficiários...

Isso é mudar a cultura. Nós estamos criando o médico de atenção primária porque não existe isso no país. Então, nós estamos estimulando para que as residências [cursos] de atenção primária à saúde ou de médico de família no Brasil realmente formem profissionais.

A fundação Unimed está fazendo cursos de especialização para profissionais que queiram se reciclar. Não estamos pensando isso em curto prazo, porque não há infraestrutura que suporte isso.

A outra coisa é a infraestrutura de tecnologia para integrar todos esses serviços, integrar os hospitais, as clínicas, os laboratórios, para que o paciente, ao passar por essas etapas da assistência, isso seja marcado dentro de um prontuário eletrônico, um registro do que está acontecendo, e seja acessível para quem for prestar atendimento, em qualquer ponto em que ele estiver. É uma tecnologia que ainda vai demorar bastante.

Nós criamos uma plataforma que possibilita integrar softwares diferentes ou diferentes participantes da cadeia de saúde. É um programa sobre o qual não temos a expectativa de seja rápido, seja fácil, mas estamos caminhando. Talvez seja para dez anos, 15 anos.

Está sendo feito para a Unimed, e eu sei que o setor público também está usando a mesma plataforma, que é o cartão-saúde. A rede que eles estão criando é exatamente na mesma tecnologia que nós desenvolvemos, para que possamos lá na frente integrar setor público e setor privado, porque o atendimento de um paciente pode acontecer no hospital público, e o do setor público pode estar acontecendo no setor privado. Essa integração é o sonho de todos nós.

No que um médico de atenção primária é diferente de um clínico geral ou médico da família?

O médico de atenção primária tem uma forma de trabalhar completamente diferente do clínico geral, que senta numa poltrona, e o paciente fica na frente dele. Por exemplo, o médico de atenção primária atende pediatria, atende ginecologia, dentro do nível da atenção primária.

Obviamente, não dispensa o especialista, mas alguém que chega para esse médico ou para essa médica e precisa fazer, por exemplo, uma prevenção de câncer, um [exame] Papanicolau, não precisa encaminhar para um ginecologista para colher Papanicolau: é colhido ali naquele local, já faz o exame, já vem o resultado.

Esse médico de atenção primária tem uma característica diferente de um clínico geral. O clínico geral, o especialista, é um infectologista, é alguém que tem uma especialidade, digamos, para atender o pronto-socorro, a urgência. O médico de atenção primária tem uma forma de trabalhar diferente.

Quanto mais doente, mais se ganha

Crise local de Unimeds reflete no sistema todo

UOL - O sistema teve recentemente problemas graves com duas cooperativas, Unimed Paulistana e Unimed Rio. Como recuperar a confiança dos clientes depois de casos que deixaram tantas pessoas sem atendimento?

Orestes Pullin – Infelizmente, essas questões localizadas em algumas cidades de certa forma causam, sim, um problema, vamos dizer assim, de imagem, em todo o sistema. Embora sejam problemas localizados, elas refletem de forma geral no sistema.

Nós instituímos há alguns anos os processos de ajuda às cooperativas, às suas recuperações. A Unimed Rio é um exemplo do que nós estamos falando. Conseguimos fazer com que os próprios médicos mudassem diretorias.

Com isso, conseguimos instituir planos de recuperação, junto com o Ministério Público, com a própria Agência Nacional de Saúde, e hoje a Unimed Rio está em um processo franco de recuperação, sem risco nenhum, e estamos bastante contentes com a evolução da Unimed Rio.

Infelizmente, no caso da Paulistana, quando nós pudemos enxergar a situação por dentro –nem sempre a gente consegue enxergar, porque a responsabilidade de gestão é dos próprios médicos daquela região–, nós não tivemos essa condição.

Na Unimed São Paulo, há dez anos, quando houve também um problema muito sério, era uma época em que não havia nenhuma possibilidade de ajuda dentro das cooperativas.

Posso dizer para você o seguinte: existe ainda um número pequeno de cooperativas que estamos ajudando e tentando resolver questões pontuais que foram criadas ao longo de 50 anos.

A agência nacional entrou em 2000, até então não havia nenhum controle da operação de planos de saúde no país –havia 2.400 operadoras no país, hoje são menos de 800. Houve um processo de saneamento ao longo do tempo, não só dentro da Unimed, mas em todo o mercado da saúde suplementar.

Tenho esperança de que daqui a poucos anos nós não tenhamos mais nenhuma cooperativa nossa com necessidade de auxílio. Ainda temos algumas, nós temos que reconhecer isso, estamos fazendo o possível para que essas cooperativas não tenham problemas para frente.

Nós agora estamos implantando alguns processos que vão de certa forma exigir muito mais responsabilidade dos dirigentes e dos donos das cooperativas.

Que mudanças são essas?

Desenvolvemos durante uns quatro, cinco anos uma câmara de compensação nacional, ou seja, os valores que trafegam entre as cooperativas vão ser feitos por compensação, nacionalmente.

Quando você faz uma compensação nacional, você consegue identificar, de forma muito mais clara, eventuais problemas que uma ou outra esteja passando, porque começa a ocorrer uma inadimplência de uma ou outra conta dentro do tráfego nacional. Para você ter uma ideia, hoje trafegam no intercâmbio perto de R$ 20 bilhões.

Quando você começa a identificar, você tem muito mais agilidade para entrar naquela cooperativa e ajudar a resolver aquele problema. Isso começou agora em janeiro (2018).

Em 2013, nós já tínhamos um acompanhamento de todas as cooperativas, mas mudamos o estatuto para poder fazer o processo de intervenção dentro das cooperativas, e hoje temos processo de intervenção em algumas cooperativas.

É óbvio que coisas que aconteceram no passado, como passivos tributários que eventualmente vinham lá de trás, têm um prazo de solução. Às vezes é muito complexo resolver isso de forma rápida.

Mas são vários mecanismos, principalmente um empoderamento tanto da Unimed Brasil como de várias federações, para poder fazer o processo de intervenção e ajuda para as cooperativas.

Em que estágio está a situação da Unimed Paulistana em termos de pagamento de indenizações?

O processo da Unimed Paulistana está dentro do CNPJ da Unimed Paulistana, está sendo tocado junto com a agência e os liquidantes da massa falida. Nós não temos acesso a isso, não nos diz respeito ou à Unimed Brasil esse processo.

Não foi feito nenhum procedimento internamente no sistema para tentar apurar?

Não, não. Foi tentado antes isso, mas depois que foi para alienação de carteira, liquidação...

Boa parte da carteira, uma parte está dentro do sistema hoje, a própria Central Nacional, Unimed seguros, a Fesp, que é a federação do Estado de São Paulo, boa parte dos clientes veio para essas organizações que estão tocando esses clientes, atendendo de forma normal. Mas, a questão Unimed Paulistana, essa é uma questão com o liquidante da Unimed Paulistana.

O que o senhor diria para os clientes do sistema que temem ter um problema como o da Unimed Paulistana, principalmente os do Rio?

Do Rio, sem problema nenhum, todo mundo pode ficar tranquilo. Estamos tranquilos hoje com o trabalho que vem sendo feito dentro da Unimed Rio.

Existem hoje alguns casos pontuais em que estamos trabalhando, mas a grande maioria o próprio sistema Unimed está absorvendo.

Hoje há um conceito muito claro de que nós temos que resolver os problemas assistenciais das cooperativas que eventualmente tenham problemas. Os clientes podem ficar tranquilos.

E, mesmo assim, as Unimeds em processo estão com a Agência Nacional em cima, nós estamos em cima também. São [problemas] bastante pontuais, e dentro da massa toda representam um número muito pequeno de beneficiários que ainda estão em cooperativas que têm problemas a serem resolvidos.

Regras mataram planos individuais

A Unimed é assim

  • Ano de fundação

    1967

  • Funcionários diretos

    96 mil e 114 mil médicos cooperados

  • Unidades

    346 cooperativas, 117 hospitais, 199 unidades de pronto atendimento, 19 hospitais-dia, 93 farmácias, 94 laboratórios, 119 centros de diagnósticos e mais de 8.000 leitos

  • Rede credenciada

    Mais de 2.000 hospitais, 39 unidades de pronto atendimento, mais de 5.000 laboratórios, mais de 2.000 centros de diagnósticos e mais de 100 mil leitos

  • Número de clientes

    18 milhões

  • Receita total (2017)

    R$ 69 bilhões

  • Faturamento líquido com planos (2017)

    R$ 57 bilhões

Fim dos planos individuais é culpa da agência reguladora

UOL - Quando é que o indivíduo, pessoa física, vai conseguir voltar a contratar um plano de saúde individual?

Orestes Pullin – Essa questão de plano de saúde individual tem muito aqui em São Paulo. A maioria das operadoras parou de trabalhar com plano individual. E por que elas pararam? Por conta da regulação.

Quando criou as regras dos planos individuais, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) falou que as operadoras têm que vender o plano; o preço ou os reajustes de preço é a agência que vai determinar. Você não pode fazer reajuste, o preço é controlado, e você nunca mais pode romper esse contrato unilateralmente.

Com isso, ficou todo mundo apavorado, porque você não tem prazo de contrato, não pode romper esse contrato e não pode reajustar esse contrato. O pessoal saiu do mercado.

Quem fez desaparecer plano de saúde individual foi a própria agência com a regulação. Para tentar dar uma garantia maior para a população, ela fez com que o risco de vender esses planos fosse muito grande.

Hoje praticamente quem vende plano individual são as Unimeds, principalmente para o interior. A única região em que não se vende plano de saúde individual é aqui em São Paulo, porque as cooperativas de primeiro grau, no caso a Paulistana, não existem, e quem opera aqui é a Central Nacional, que é só plano coletivo.

Mas, se você for a outros estados, todo mundo tem plano individual, meus filhos têm, todos têm, não há nada contra. As cooperativas Unimeds hoje são talvez as únicas que operam com plano individual. Estamos analisando como podemos resolver esse problema aqui em São Paulo.

Por que plano de saúde individual é tão caro?

É caro. O custo da saúde é extremamente alto hoje, e a margem de resultado das operadoras é muito pequena. A sinistralidade média dos planos é em torno de 84%, ou seja, de tudo que você recebe de mensalidade, 84% você gasta com saúde, sobram 16% para você pagar imposto, pagar seus funcionários, investir em equipamento. A margem que sobra para as cooperativas hoje gira em torno de 2% a 3%.

Essa operação é cara, principalmente na questão assistencial, e você tem toda essa questão de plano individual que não pode romper, que não há um prazo e que o reajuste está aquém da elevação do custo assistencial.

A entrada de tecnologia, de novas práticas terapêuticas, isso é um negócio impressionante, o custo é muito alto para isso.

Há um medicamento agora que foi aprovado pela agência: são cinco ampolas usadas no tratamento inicial, e cada ampola custa R$ 400 mil. E há Unimed recebendo dois, três pedidos para fazer isso. Ela quebra.

Infelizmente, viver mais custa muito caro. Temos que pensar nisso, porque se você não mudar o modelo, o país de forma geral vai envelhecer, a média de idade vai aumentar, e com isso nós temos que repensar realmente.

Enquanto o modelo for o de cada um fazer o quer, gastar o que quer, um médico pede o que quer, sem nenhum controle de qualidade, sem nenhum controle de uso, realmente o custo vai encarecer e não há como a gente suportar isso, não há como a sociedade suportar isso.

Uma questão para quem tem plano de saúde é a dificuldade para fazer procedimentos cirúrgicos. Muitas pessoas acabam recorrendo à Justiça para a liberação de procedimentos. Por que isso acontece e como resolver?

O problema da judicialização da saúde não é apenas um problema de plano de saúde, é algo geral. O setor público, aliás, está com um problema muito maior do que o próprio setor privado.

Você imagina: numa sexta-feira, um juiz que está de plantão recebe o pedido de um médico para fazer um procedimento. Ele não tem como saber se aquilo é bom ou é ruim, se é certo ou errado.

E está escrito que, se ele não liberar aquilo, o paciente vai morrer. Na hora, ele é obrigado a liberar um procedimento. Mas será que esse procedimento era adequado? Será que é boa prática médica?

O custo é muito alto, e o resultado é muito incerto, em boa parte dos casos. Medicamentos ainda considerados experimentais às vezes vêm dos Estados Unidos ou de outros com um custo extremamente elevado, e às vezes a própria agência, o Ministério da Saúde, não libera esse produto.

Começou a encarecer demais a saúde por conta dessas liminares dos juízes para esse tipo de medicamento ou para determinados tratamentos.

A Justiça está criando em cada estado os NAT (Núcleos de Auxílio aos Tribunais). Esses núcleos estão trabalhando com um processo de medicina baseado em evidência, ou seja: aquele procedimento que está sendo pedido é baseado em critérios critérios lógicos, adequados?

Aí é liberado. Nós imaginamos que, com esses núcleos, ocorrerá uma diminuição dessas liminares ou dessa judicialização.

Tenho dito assim: o que é correto, o que é bom para o paciente tem que ser liberado. O que não é correto, é experimental, não há comprovação de benefício para o paciente, ou é algo que o médico está fazendo com uma finalidade muito mais comercial do que de qualidade, isso efetivamente tem que ser abolido.

Estamos trabalhando para que aquilo que é bom e correto seja liberado. Se ocorreu algum erro em alguma Unimed em um processo de liberação, que seja efetivamente cobrado, e estamos trabalhando para que isso se reduza.

Mas, hoje, por conta dessa deformidade assistencial, os juízes ficam muito inseguros, e efetivamente há um custo ainda muito alto da judicialização.

A maioria, não estou dizendo que são todos, mas a maioria são procedimentos que ainda não estão regulados, não estão adequados, e os juízes estão dando essa liberação sem muito apoio técnico.

Acredita que os consultórios populares estão tirando clientes dos planos de saúde?

Setenta por cento dos nossos contratos são de pessoa jurídica. Nós perdemos beneficiários, assim como todo o setor de saúde suplementar perdeu na mesma proporção, por conta do desemprego.

Isso, sim, afetou. Essas pessoas que perderam o emprego tinham que ter uma opção, e eu vejo isso como uma boa opção para essas pessoas.

Não são concorrentes, são consultórios só, não têm a visão de plano de saúde, de garantia de atendimento hospitalar. Mas eu acho que é mais um serviço que apareceu, e acho bom que tenha. As pessoas podem ter acesso, e é um mercado que os médicos talvez não tivessem enxergado.

Keiny Andrade/UOL e Arte/UOL

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