Você falha ao educar filhos?

Pais brasileiros gastam menos tempo e dinheiro com educação dos filhos, diz chefe da Saber Educacional

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

O atraso da educação

Os pais brasileiros estão entre os que menos investem dinheiro e tempo na educação integral de seus filhos, diz Mario Ghio Júnior, presidente da Saber Educacional, em entrevista na série UOL Líderes.

A Saber é uma nova companhia da Kroton, maior empresa de educação do Brasil, e que vai administrar as escolas de ensino fundamental e médio do grupo, além da recém-adquirida Somos Educação, dona do cursinho Anglo, da escola de inglês Red Balloon e das editoras Ática, Scipione e Saraiva.

Ghio Júnior conta que a empresa pretende crescer no ensino básico por meio de aquisições de escolas que sejam referência em suas cidades ou regiões. Em seguida, a Saber pretende construir novas unidades dessas escolas, conquistando mais alunos e ganhando escala.

O ex-professor de cursinho que chegou à presidência da maior companhia de educação básica do país fala sobre sua carreira, analisa as deficiências da escola pública e alerta para a necessidade de se valorizar a profissão de professor.

Famílias investem menos nas crianças

UOL - O senhor acha que o brasileiro investe pouco ou muito na educação básica dos filhos?

Mario Ghio Junior - Como país, a gente não investe pouco, se olharmos um percentual do PIB. [O problema é que] muito provavelmente investimos mal. Já na educação privada brasileira, as famílias que têm seus filhos em escolas privadas no Brasil investem menos do que os pais asiáticos.

É muito comum em países da Ásia, como China ou Coreia do Sul, que um percentual maior da renda da família seja alocado na educação do filho. E é importante lembrar que não falo só da educação escolar. Existe uma educação integral do filho, muitas vezes é [aula de] robótica, comportamento socioemocional.

Na Coreia do Sul, por exemplo, é muito comum que as famílias invistam para que os filhos façam curso de teatro, porque é uma forma para que crianças mais inibidas fiquem mais desinibidas para poderem passar num processo de seleção da Harvard, de Yale [universidades dos EUA].

Então, fora do Brasil se investe mais, seja em recursos, seja em tempo da família. A família brasileira é uma das que menos gastam tempo com os filhos interagindo sobre a escola. É mais comum na Finlândia, na Coreia, na Espanha, Polônia que pais ou mães gastem mais tempo revisando a tarefa dos filhos, perguntando se foi feita.

Aqui no Brasil temos, de fato, investimento de tempo e de recursos financeiros abaixo de países que estão bem melhor do que nós no Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes].

O que explica essa dedicação menor dos pais? É uma questão econômica?

Eu acredito que seja uma questão econômica porque, muitas vezes, o pai brasileiro está sujeito a um deslocamento para o trabalho, que é muito mais longo do que em outros países, o tempo que gasta no trânsito, um tempo de permanência na empresa que é maior do que em outros países.

Ao contrário do que o senso comum diz, sabemos que os brasileiros trabalham substancialmente mais do que trabalham os franceses, os alemães e, naturalmente, esse é um tempo que existe em detrimento da interação com os filhos e na dimensão educacional também.

Mais tempo para seus filhos

País precisa de muitos professores

UOL - Qual a postura adotada pela Saber em relação à nova lei trabalhista? Os contratos de trabalho estão sendo revistos? Vocês pretendem adotar a terceirização?

Mario Ghio Junior - Acho que, pela natureza da nossa operação, ela quase não sofre nenhuma influência da nova lei trabalhista porque nosso maior colaborador é o professor. Ele é contratado por uma carga horária fixa, que é muito previsível ao longo do ano. Então, não temos nenhuma política específica em usar a nova lei trabalhista como uma alavanca de melhoria ou de rentabilidade.

A Saber tem algum plano de carreira para os professores? Como manter esses profissionais estimulados a ensinar e atualizados em suas áreas de atuação?

O professor não é o único elemento que contribui com a educação ou com o aprendizado, mas ele é o que mais contribui. Temos nas nossas escolas programas intensos de formação, avaliação e de valorização do docente.

Recentemente, fizemos uma avaliação dos nossos professores que tinham melhores indicadores pedagógicos e premiamos com um curso na Universidade da Finlândia. Foi uma forma de, ao mesmo tempo, reconhecer os professores mais engajados e com melhores indicadores e garantir que nós tivéssemos professores faixa preta em novas metodologias de ensino e que sejam multiplicadores para os demais colegas.

Nós formamos professores que vão lecionar posteriormente nos municípios. À medida que podemos oferecer cursos acessíveis e nacionalmente presentes, nós estamos contribuindo com a formação do professor que vai dar aula naquele município.

O que trabalhamos de maneira incansável é em oferecer uma formação melhor, cada vez mais prática e em que a didática seja a centralidade do curso, e não a leitura sobre psicologia ou filosofia da educação. O Brasil precisa de professores especialistas em didática, sabedores de suas disciplinas e conectados com seus alunos.

Eu costumo dizer que um bom curso de matemática tem que ensinar frações para um aluno mesmo que só tenha um giz para quebrar ou uma bolacha. Então, o Brasil precisa disso.

O que nos preocupa muito é que, talvez, as cabeças mais brilhantes dos jovens brasileiros não estejam focadas em serem professores. Existe uma pesquisa que mostra que 70% das crianças do fundamental 1 dizem que gostariam de ser professores. No fundamental 2 isso cai para 20%. No ensino médio, apenas 2% dos formandos querem ser professores.

O Brasil precisa de muitos professores, nós temos um número não trivial de professores que vai se aposentar nos próximos anos e essa reposição é importante. Existem disciplinas como física, química, geografia que já têm um gap razoável de professores.

Como reverter esse problema?

Esse é um problema que tem de ser da sociedade. Valorizar não só a importância que o professor tem para a sociedade, mas valorizar salarialmente o professor. Existem programas, por exemplo, de piso salarial de professores que precisam de complementação de verba. Existem municípios e estados que não têm recursos para manter o piso salarial nacional.

O Brasil tem um programa muito importante para isso chamado Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] que, salvo engano, se encerra em 2022. Todos nós precisamos nos unir para que seja prorrogado. Ele garante o piso nacional docente.

Há um diálogo da sociedade que precisa ser conduzido para que o professor seja visto de maneira tão charmosa como é visto um engenheiro ou um médico. Eu sou membro do Todos pela Educação, e nós temos lá programas muito específicos. Conversamos com os candidatos à Presidência para mostrar esse desafio. Esperamos que todo mundo se mobilize em prol de uma escola melhor.

Hoje, nós temos alunos na escola pública que são filhos de pessoas que tiveram uma oferta escolar menor do que essa, muitas vezes a reação da família é: "eu estou contente com a escola porque meu filho pode fazer o fundamental 2, e na minha época eu só podia fazer o fundamental 1". Ou "meu filho pode fazer o ensino médio, e onde eu morava não existia isso". Mas, nós temos todos que estarmos de mãos dadas, sim.

A oferta tem que existir, mas a qualidade também tem que existir. É um grande pacto. A educação não é um problema só das pessoas do mundo da educação. É um problema do país, dos empresários, dos políticos, de todo mundo.

Sem esforço, não se vence

O que é mais negócio: universidade ou ensino básico?

UOL - A mudança de rumo da Kroton em direção ao ensino básico está relacionada ao fato de o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) ter vetado a compra da Estácio no ano passado? Ficou mais difícil fazer negócios de ensino superior?

Mario Ghio Junior - É curioso porque a Kroton, na verdade, está voltando ao rumo que era o original. Ela era uma empresa essencialmente de educação básica. Por 32 anos ela esteve apenas na educação básica. Ela volta a esse segmento, mas sem deixar o ensino superior.

A partir da decisão do Cade, nós sabemos que alguma grande aquisição transformacional não é possível. No entanto, a companhia segue olhando ativos de crescimento orgânico ou inorgânico, que são ativos menores e mais regionais.

Mas ela segue o seu caminho de crescimento também com o novo marco regulatório, com a possibilidade da abertura de mais polos de educação a distância, que é uma vertente importante do ensino superior. Eu acho que há bastante caminho de crescimento.

Na educação básica nós vínhamos investindo, ainda que para um crescimento mais lento do que aquele que a Somos permitirá a partir da integração.

As mudanças que o governo fez no Fies também desestimularam o investimento no ensino superior?

A educação a distância (EAD) nunca teve Fies, apenas o ensino presencial. Então, em um momento em que há redução de expectativa de bolsas do Fies, naturalmente a educação a distância ganha mais foco.

Ainda há neste país muita gente que mora em cidades que não têm nenhuma oferta de ensino superior. Então, a possibilidade de espalhar mais polos de EAD e cobrir territorialmente o país é importante.

Na educação presencial, mudou um pouco a nossa maneira de oferecer cursos. Hoje, oferecemos cursos que tenham uma mensalidade mais alta. Se nós não temos alunos oriundos do Fies como tínhamos antes, nós precisamos repor essa receita, e a estratégia é utilizar um portfólio um pouco mais sofisticado.

Por exemplo, em quase todas as unidades presenciais, cursos das áreas de saúde e engenharia ganharam um percentual maior no mix total de alunos. Em hipótese alguma [a mudança do Fies] desestimulou o investimento, mas ela certamente mudou um pouco a estratégia desse investimento, a alocação.

Então, além de engenharia e saúde, há um foco maior em educação a distância?

Sim. A educação a distância tem uma série de características importantes, até do próprio contratante. Há 20 anos, existia uma preocupação dos futuros empregadores que um aluno formado por educação a distância teria, eventualmente, uma qualidade menor do que um aluno do presencial. Hoje, essa é uma questão superada, e a educação a distância permite uma educação mais flexível.

Um exemplo interessante: nós temos 261 mil alunos se formando na Kroton para serem futuros professores. Grande parte são mulheres, casadas e que não poderiam frequentar uma faculdade presencial porque têm seus filhos, seus maridos, mas podem frequentar um curso a distância, seja pela acessibilidade financeira do curso ou pela facilidade e flexibilidade. Então, a educação a distância é um produto que tem muita demanda.

A Saber foi criada em abril. Qual o motivo dessa reorganização da empresa?

A Saber é uma empresa que tem formalmente poucos meses, mas que tem 52 anos de história. Ela é uma holding que reúne os ativos de educação básica da Kroton, que foi de onde a Kroton nasceu. A companhia entendeu que, após um trabalho de dois anos, deveria voltar a investir na educação básica para crescimento.

A Saber foi criada dentro desse contexto, reunindo e otimizando os ativos de educação básica, depois iniciando a aquisição de escolas de referência e, mais recentemente, a aquisição do grupo Somos, que é a maior empresa de educação básica brasileira.

A criação da Saber tem relação direta com a compra da Somos Educação?

A criação da Saber não tem relação com a aquisição da Somos. Inclusive, a Saber foi anunciada antes de nós conseguirmos negociar a Somos. A Saber tem seu projeto de educação, que deve continuar, com alguns desvios, em relação ao que é o projeto da Somos em escolas.

Nós queremos ter várias escolas de referência no Brasil, escolas de qualidade absolutamente fora da curva e sobre as quais nós possamos abrir novas unidades. Essa é a escola típica da Saber.

Escolas de excelência precisam de mais unidades. Existem escolas muito boas no Brasil. Mas, muitas vezes, elas estão centralizadas em um único ponto no município, e as famílias não podem levar seus filhos até lá. Parte do nosso projeto é levar essa escola de referência para os novos bairros ou para as cidades próximas, onde as famílias desejem essa marca.

Parte importante do nosso projeto é trazer o bilinguismo como uma função central da escola. Nós entendemos que é incômodo para as famílias que os filhos tenham que ser transportados o tempo todo para lá e para cá, vai para o inglês e volta.

As famílias querem que os filhos tenham uma permanência maior na escola, mas uma permanência com significado, que desenvolvam a fluência no inglês e também tenham experiência com o esporte.

Em relação à linha pedagógica, a Saber pretende preservar o formato das escolas que forem adquiridas ou vai adotar algum tipo de padronização educacional?

Nós entendemos que uma escola tem dois alicerces centrais: um é pedagógico, que não pode ser mexido nunca. A escola que nós miramos é uma escola especial, e ela virou especial porque tem pessoas especiais, metodologias acadêmicas especiais, e essas serão sempre mantidas.

Para este pedaço, o nosso desafio é como replicar isso em novas unidades. O que significa que aquele diretor especial da primeira escola precisa formar o próximo diretor especial da segunda escola, e assim por diante. A mesma coisa com os professores.

Agora, toda escola também tem uma área administrativa, que nunca foi, na educação brasileira, a especialidade da escola. Nós podemos contribuir muito aqui. Podemos integrar uma série de processos. Não me parece que faça muita diferença para o pai se ele recebe um boleto do banco A ou do banco B.

Mas a coordenadora que fala com ele sobre o filho, sobre o comportamento e sobre o desempenho, essa é absolutamente fundamental que seja mantida dentro do projeto.

A deficiência do sistema público de ensino fundamental e médio, de certa forma, é uma vantagem para a sua empresa. Como lidar com isso? A Saber tem algum projeto de melhoria do ensino público?

Temos sim. É uma vantagem em termos, né? Porque talvez a maior ineficiência do sistema público seja o abandono maciço do ensino médio. Dos alunos que chegam aí, mais da metade vai embora. E se vai embora no ensino médio, não pode ir para o ensino superior.

Nós somos, talvez, tão vítimas como toda a sociedade é, de uma escola pública que precisa melhorar. Posto isso, temos um papel muito grande em ajudar a escola pública brasileira a melhorar.

Nós poderíamos pensar que uma boa escola tem recursos pedagógicos, como livros, como sistema de ensino. Isso nós fazemos. Que uma boa escola tem bons professores. Isso nós preparamos. Que uma boa escola tem lideranças escolares, que nós também formamos. Que uma boa escola tem que ter um processo de avaliação contínua, que nós temos cotidianamente.

Então, acreditamos que a escola pública que conseguir articular tudo isso vai oferecer uma educação melhor, os alunos vão conseguir terminar o ensino médio e isso vai favorecer todos os grupos de ensino superior e as universidades federais também.

Profissão muda, educação também

A Saber Educacional é assim:

  • Fundação

    Curso e Colégio Pitágoras - 1966; Saber - 2018

  • Funcionários diretos

    988

  • Alunos

    220 mil

  • Unidades

    672 escolas que usam sistemas de ensino da Saber, 2.000 em escolas próprias e 3.500 em escolas de empresas (Embraer, Vale, Alcoa etc.)

  • Principais concorrentes

    Eleva, Objetivo, Positivo, SEB, FTD, Moderna, Arco Educação, entre outros

Carreira e futuro da educação

UOL - O senhor começou como professor de cursinho e hoje é presidente de um dos maiores grupos de educação do país. Qual a sua dica para construir uma carreira de sucesso?

Mario Ghio Junior - A primeira é trabalhar muito, estudar muito. Desconheço sucesso desacompanhado de extrema dedicação, que começa no colégio, muitas vezes passa pelo cursinho e acompanha as pessoas ao longo da vida.

Eu tive a oportunidade de ver outro entrevistado no UOL Líderes dizendo que também não se aprende inglês sem sucesso, sem esforço. Não se perde peso sem esforço. E não se obtém sucesso acadêmico ou profissional sem dedicação.

Mas há outros elementos além da dedicação. Quando a gente fala das habilidades do século 21, por exemplo, nós queremos dizer que os jovens de hoje precisam ter muita dedicação, mas também ter habilidades que não são triviais: a comunicação, a capacidade de negociar e, sobretudo, serem flexíveis.

Hoje, nós preparamos jovens ou futuros profissionais de carreiras que não temos certeza quais serão. Essa adaptabilidade, talvez, seja diferente da minha geração.

Na minha geração, ou a gente se preparava para ser engenheiro, ou advogado, ou médico. Hoje, a gente prepara o jovem parar ser, talvez, algum profissional que a gente desconheça, piloto de drone, não sei. Então, a dedicação, esse desenvolvimento contínuo de habilidades são fundamentais.

Como o senhor imagina o setor de educação daqui a dez anos?

Talvez a educação básica não mude tanto nos próximos dez anos, mas o ensino médio e o ensino superior vão mudar de maneira acelerada. A mudança das profissões traz uma mudança muito rápida dos currículos universitários e também do ensino médio, que passa a ser mais flexível.

Nós temos na nossa companhia um portal de empregabilidade que tem centenas de milhares de alunos e dezenas de milhares de empresas tentando contratar esses alunos. As empresas dizem quais competências elas esperam dos profissionais.

É muito interessante verificar que, no geral, as dez competências mais solicitadas são socioemocionais. Ou seja, o mercado de trabalho já percebe o seguinte: você forma um aluno, por exemplo, da área de tecnologia da informação, conhecendo determinados softwares, que não serão necessários daqui a algum tempo porque esses softwares serão substituídos por outros.

Eu preciso de um aluno que seja capaz de entender um software e programar no próximo. Então, fica cada vez mais evidente que essa demanda do mercado de trabalho vira uma demanda da universidade, que, por sua vez, vira uma demanda no ensino médio. O que nós vamos ter é o Brasil, de fato, sendo compelido a executar esse pacto da base nacional.

Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL

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