Brasil sem peso em TI

Dá orgulho ser gigante brasileiro de tecnologia, mas país não é reconhecido, diz dono da Stefanini

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

Tecnologia a construir

Ser brasileira não dá vantagem nenhuma para a marca da gigante de TI Stefanini, presente em 40 países, com mais de 24 mil funcionários pelo mundo.

“O Brasil ainda, infelizmente, não é conhecido como um país de tecnologia. Temos orgulho de ser brasileiros. O Brasil é um país muito querido, mas não muito associado a business”, diz Marco Stefanini, fundador e CEO global da empresa.

Ele deu entrevista exclusiva na série UOL Líderes, falou que aqui é um dos lugares mais difíceis do mundo para fazer negócios, avaliou as mudanças no mercado de trabalho, impactado por tecnologia, crise e transformação digital.

Ser brasileiro, do ponto de vista de marca, não agrega nada

UOL - Como é para uma empresa brasileira firmar o nome em um país reconhecido pela sua importância na tecnologia, como os Estados Unidos?

Marco Stefanini - Nós nos posicionamos com uma marca, que é a empresa Stefanini.

Temos uma origem, que é brasileira, e obviamente temos orgulho de ser brasileiros, mas na verdade o destaque que temos que dar é ser uma empresa global, com deliveries [entregas] distribuídos no mundo inteiro.

Temos quase 2.000 funcionários na Romênia; 1.200 nas Filipinas; 1.100 na Colômbia; 2.500 nos EUA; quer dizer, somos uma empresa global e nos posicionamos como um delivery global.

Qual a vantagem de ter uma empresa brasileira de tecnologia, com atuação global?

Ser uma empresa latina de tecnologia não há grandes vantagens. O Brasil ainda, infelizmente, não é conhecido como um país de tecnologia mundialmente. Do ponto de vista de marca, não agrega nada. Pelo menos o Brasil é um país neutro. É um país muito querido, do ponto de vista pessoa física, mas do ponto de vista pessoa jurídica é bem ignorado, ainda não é muito associado a business (negócios).

A grande vantagem é o DNA de competitividade, de resiliência. Como a gente vem de um país de muita turbulência econômica, um ambiente difícil de fazer negócios, você acaba desenvolvendo uma capacidade de fazer gestão, de crescer em um ambiente mais hostil. Isso é um ativo nosso.

Então, eu diria que a grande oportunidade nossa é justamente quando aparecem esses momentos de crise, ou mesmo de grandes transformações digitais que vivemos hoje, é o ativo da Stefanini que foi criado no Brasil. Nós temos 30 anos, já passamos por todo tipo de crise, isso é um ativo, é uma grande vantagem competitiva.

País não é ligado a business

Tecnologia nacional: país está ficando para trás

UOL - Quais são os investimentos previstos para este ano no Brasil?

Marco Stefanini - Nós somos bastante flexíveis quando falamos em investimento. Há uma parte que é mais interna, envolve produto, pesquisa e desenvolvimento (P&D), treinamento e novas ofertas. Para isso, temos um orçamento que está na faixa de R$ 40 milhões.

Agora, se somarmos toda a parte de aquisição, o total de investimentos para este ano seria uma média de R$ 80 milhões a R$ 100 milhões, entre aquisição e investimento nas áreas internas. Mas pode chegar facilmente até R$ 300 milhões, dependendo do valor da aquisição.

Para adquirir empresas, nós temos, normalmente, dois focos. Empresas que fazem exatamente o que nós fazemos, serviços de TI, que, em geral, compramos mais no exterior, e empresas que agregam ao nosso portfólio, com novas soluções. Ultimamente temos investido mais nesse segundo perfil.

Quais são as características das empresas brasileiras que contratam os produtos da Stefanini?

O nosso perfil de clientes é mais ou menos igual no Brasil e fora. Em geral, nós somos uma empresa B2B (business to business), ou seja, trabalhamos com o mercado corporativo. A maioria são grandes e médias empresas.

Porém, agora com toda essa movimentação de transformação digital, vemos pequenas empresas precisando investir onde a tecnologia é o diferencial. Um grupo de empresas menores, mas muito interessantes, muito dinâmicas, que também dá gosto de trabalhar e são boas oportunidades de negócio.

Como é fazer negócios no Brasil, quando comparado a outros países? Existem necessidades específicas?

Na verdade, o Brasil hoje, até pelo resultado das crises, é muito mais difícil de trabalhar do que o global. O questionamento de preço, de concorrência, o poder da área de compras é muito maior aqui no Brasil do que fora.

Hoje, eu diria que o nível de pressão que sofremos por custos é muito maior aqui no Brasil. Isso representa uma rotatividade maior de contratos. Hoje, dos 40 países em que a Stefanini opera, [o Brasil] certamente é um dos países mais difíceis de operar. Há o segundo ponto, que é o ambiente econômico não muito favorável.

Como avalia o setor de tecnologia no Brasil?

O Brasil ainda não enxerga como sociedade, como país, as grandes oportunidades e ameaças que a movimentação tecnológica está trazendo. Se analisar a liderança da maioria dos países, o discurso está muito mais atualizado. O Brasil não só não apoia as transformações, como o discurso é fraco.

E não é só do governo atual, o anterior também, e a gente percebe nos próprios candidatos [à próxima eleição]. Até pelo movimento político, há uma certa distração, não está se percebendo a grande movimentação.

Na verdade, é o contrário [de outras nações]. Aqui se aumentam impostos, por exemplo, inclusive no setor de tecnologia. O direcionamento está muito aquém dos outros países. Estamos ficando para trás.

Brasil não apoia tecnologia

Tecnologia sofre crise há mais tempo

UOL - A empresa tem 30 anos. Como avalia a evolução digital pela qual o Brasil e o mundo passaram durante todo esse tempo?

Marco Stefanini - Em 30 anos, passamos por muitas crises e momentos difíceis na economia brasileira e, um ponto que às vezes as pessoas esquecem, que foram as grandes transformações tecnológicas. Nós já passamos por várias.

Quando a empresa começou, nós éramos focados naqueles grandes computadores, os mainframes. Depois veio o que se chamava arquitetura cliente/servidor, que eram as estações de trabalho, os microcomputadores, houve uma democratização da área de TI.

Depois, veio o mundo da internet, também houve um novo movimento muito forte de sistema de gestão, que também foi uma febre, e agora a onda digital.

Como nós passamos por várias fases, conseguimos integrar a atual à anterior. O mundo de tecnologia tem uma característica: nas empresas mais antigas, há um legado, um passado. Conseguimos enxergar os dois mundos, que agora é o mundo digital, e ao mesmo tempo, integrar com o legado.

Como a última crise mudou a forma de as empresas consumirem os produtos de vocês?

Na verdade, nos últimos três anos a gente vem com uma combinação de movimentações e transformações. A primeira é econômica.

O Brasil passa por um período de três anos de crise, mas do ponto de vista de TI, já é mais tempo, pelo menos cinco anos em que temos sido bastante pressionados por questões de custos e de competitividade.

A cada ano, o setor se reinventa, se renova, se torna mais eficiente, mas chega uma hora em que suas armas começam a acabar, pois a crise é muito prolongada.

Por outro lado, temos a transformação digital, e elas se combinam. Então é um movimento especialmente bastante desafiador. Combinar dois tipos de transformações, sendo uma crise econômica e uma transformação tecnológica profunda.

O detalhe do movimento digital é que ele não é só uma transformação tecnológica, é uma transformação de mindset, de mentalidade, um novo modelo de negócio. É uma transformação muito mais intensa. De novo, é um momento desafiador, muito mais do que vivemos nos últimos 30 anos.

Aqui é mais difícil trabalhar

A Stefanini é assim

  • Fundação

    1987

  • Atuação

    40 países, 71 escritórios em 68 cidades e 35 idiomas

  • Funcionários no mundo

    24 mil

  • Funcionários no Brasil

    12 mil

  • Faturamento em 2017

    R$ 2,8 bilhões (faturamento global)

  • Faturamento previsto para 2018

    R$ 3 bilhões (faturamento global)

Mercado de trabalho afetado pela tecnologia

UOL - Recentemente foram divulgadas pesquisas que mostraram que a tecnologia vai minar diversos empregos que existem hoje. Como você vê isso?

Marco Stefanini - Isso é uma realidade, e acho que por isso os governos começaram a prestar atenção, mas ainda não se movimentaram. Acho que no final a soma vai ser positiva, mas provavelmente vai haver uma perda anterior de vagas por coisas novas. E aí começa a mudar o perfil econômico, começa-se a perceber que empresas de serviços passam a ter um peso econômico importante.

O Uber revolucionou os táxis, o AirBnB os hotéis, as fintechs têm feito os bancos mudarem processos, e vocês estão nas duas pontas, oferecendo soluções para a Caixa Econômica Federal e também para o Banco Original, por exemplo. Qual deve ser o próximo mercado impactado pela disrupção, na sua visão?

Antigamente, você produzia um produto e empurrava a venda com marketing. Uma visão claramente digital é o contrário: deixa eu entender o que as pessoas precisam, porque aí eu vou criar um produto que as pessoas querem. Isso é para pessoa física e jurídica.

Cada vez mais temos procurado nos posicionar nessa linha. Você comentou do Banco Original, é um banco que nasceu digital. A Caixa Econômica é o oposto: é um banco estatal, um banco gigante, que tem de se modernizar, e a gente tem de lidar com esses desafios, o que é bacana.

Antigamente, nós [a tecnologia], na verdade, estávamos lá para não atrapalhar. Só lembravam da gente quando tinham um problema, se não estava funcionando. Hoje não, somos um elemento diferencial no negócio.

O varejo está em uma revolução digital enorme. No Brasil, está um pouco atrás, mas no mercado norte-americano há uma revolução brutal. Haverá impactos ainda na área de serviços, transportes, marketing, mídia, essa área já foi bastante afetada.

Eu diria que um pouco menos afetado é o mercado de manufatura industrial, pois o movimento digital é muito mais de ganhar eficiência interna. Boa parte dos setores já foi ou está sendo impactada.

Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL

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