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Inteligência artificial se sofistica e 'espiona' cada vez mais hábitos do consumidor, diz chefe da Mastercard

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
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Dinheiro na mira

Com cada vez mais informações disponíveis, as empresas precisam saber usar esses dados para tomar decisões mais certeiras e evitar fraudes, calotes e perturbações excessivas ao cliente, diz João Pedro Paro Neto, CEO da Mastercard Brasil e Cone Sul, em entrevista na série UOL Líderes

Ele fala sobre as invenções brasileiras incorporadas pelo mercado de cartões e como o consumidor brasileiro demonstrou estar mais consciente em relação ao dinheiro, em meio à crise dos últimos anos. 

Sua empresa processa 56 bilhões de transações a cada ano, cada uma feita em milisegundos, ou seja, mais rápido que um piscar de olhos. O desafio, segundo o executivo, é acabar com o dinheiro vivo. 

Sem perturbar o cliente o dia inteiro

O banco aprova ou não a sua compra? E a loja, como descobre quem está procurando uma geladeira? A inteligência artificial permite analisar milhares de dados numa fração de segundo e ajuda as empresas a tomarem decisões mais certeiras, segundo João Pedro Paro Neto, presidente da Mastercard Brasil e Cone Sul. Leia abaixo o que ele fala sobre isso:

[Inteligência artificial] É uma das áreas em que a Mastercard mais coloca dinheiro, mais faz investimentos, porque a gente entende que o grande ativo que teremos são os nossos dados.

Eu não tenho dados de cliente. Não sei nenhum dado dele, não sei nome, nada disso. Mas eu sei números: o horário em que fez a transação, o número da transação, o valor, o número do estabelecimento, o número do cartão, o dia em que vence o cartão, a data de validade, o número do CVC [código de verificação] do cartão. Sei dados numéricos. 

Com isso, consigo saber se uma transação tem mais ou menos propensão a fraude e aí dou um score [pontuação que indica o risco de calote do consumidor] para quem é dono do cartão. Eu digo ao banco que há uma transação chegando para ele e o score é 30, e ele vai dizer se aprova ou não.

Tudo isso acontece na transação --lembra que uma transação é mais rápida do que o piscar de um olho, independentemente do lugar do mundo em que você esteja. Preciso de muita inteligência artificial. 

Ações de marketing mais certeiras

Outro jeito: preciso trazer fluxo [de clientes] para as lojas. Posso fazer uma parceria com diferentes estabelecimentos comerciais. Eles sabem que está passando clientes ali, mas não sabem como fazer o cliente ir à sua loja. Eu tenho que fazer ações efetivas.

De alguma maneira você vai receber uma proposta que diz o seguinte: "Você está passando em frente ao Ponto Frio, entra que há uma geladeira com desconto de 50% para você". Porque eu sei que você está comprando uma geladeira, sei que você acabou de comprar um apartamento, sei que você está reformando a sua casa, sei que naquele momento você está olhando para isso.

Na hora em que você está procurando a sua geladeira, quando estiver passando em frente à loja, se eu avisá-lo, isso é muito melhor do que eu ficar mandando 8.000 coisas para a sua casa o dia inteiro, o perturbando o dia inteiro, o avisando da geladeira. Se eu pegá-lo na hora exata, no momento exato em que você quer, você vai pensar: "Puxa, agora foi bacana para mim, vou usar porque foi bacana."

Dados podem ajudar governos

Vou dar um exemplo de governo: eu sei que aqui em São Paulo todos os turistas vêm só de Dubai, 90% das pessoas que visitam São Paulo vêm de Dubai --estou dando um exemplo bem estranho para você entender. Para que a prefeitura vai fazer uma ação de incentivo lá em Tóquio, se todo mundo que vem para cá é de Dubai? Eu vou a Dubai fazer uma ação. Sei falar isso, sei ajudar o meu cliente.

Há milhares de formas para usar dados e informações. Na verdade, quando falamos de dados, quanto mais você se "embebeda" com ele, mais fica louco, porque mais coisas você vê e mais possibilidades identifica para poder acertar em suas ações.

Com o tempo, você vai ver muito mais ações de uma maneira muito mais eficiente.

Eu sei que você quer comprar uma geladeira

Invenções brasileiras inovaram a indústria de cartões

Quer dividir no cartão em dez vezes "sem juros"? Essa cultura de parcelar o pagamento no cartão do crédito começou no Brasil e foi incorporada por outros mercados, segundo João Pedro Paro Neto, da Mastercard. Veja a seguir o que ele comenta sobre essa invenção brasileira:

Ele [parcelamento no cartão de crédito] nasceu aqui, foi inventado aqui, se expandiu aqui e hoje há vários países usando, cada um com suas características.

Esse produto é de uma riqueza enorme: arredondando os números, mais ou menos metade do volume [das compras no cartão] é parcelada.

Esse conceito de pagar sem juros está na cabeça do brasileiro.

É um produto bacana, não tem nada de inconveniente para ninguém. Ele tem que ser, obviamente, equilibrado sob o ponto de vista financeiro, para que todas as partes ganhem o que devem ganhar, para não ficar desequilibrado economicamente. Mas quando você equilibra, o produto é maravilhoso.

Coisa nossa: crédito e débito no mesmo cartão

A gente também colocou o combo, é uma invenção brasileira. É o cartão de crédito e débito no mesmo cartão plástico.

No nosso caso, se você pegar o seu cartão de crédito e débito, de onde você tem a sua conta corrente, você só tem o número na frente. Há o combo em outros países, mas com dois números: um na frente e outro atrás, um para o débito e outro para o crédito. O nosso é o mesmo número para os dois, temos uma nomenclatura técnica que é dual pan, single pan.

Aqui no Brasil é um combo em um único número, num único plástico, e o terminal [a maquininha de cartão] é que pergunta se você quer pagar com crédito ou débito. Nos outros lugares, não: você vira para um lado ou para o outro. Depois que nós inventamos é tão óbvio, né?

Brasileiro gosta de novidade, mas com facilidade

O brasileiro tem uma facilidade de se adaptar a coisas novas e, portanto, gosta de buscá-las. Então, toda vez que há uma novidade, você vê que rapidamente há uma adesão interessante de pessoas.

Uma segunda coisa é que ele quer muita conveniência. Para o brasileiro, quanto mais conveniente for, mais ele vai aderir. Isso não é uma prática generalizada, não são todos os lugares que são assim.

Então, não adianta criar um aplicativo complicado que as pessoas não vão aderir. Ele tem que ser muito simples, muito fácil, muito rápido, que as pessoas aderem. Então, as pessoas querem mudar, mas querem mudar para uma coisa mais fácil. 

Cinco cartões por habitante

Estima-se que haja 600 a 700 milhões de plásticos [cartões] no Brasil. Nós somos 200 milhões de brasileiros. É bastante plástico, né? Se você pegar os [brasileiros] economicamente ativos, que são uns 120 milhões, são cinco plásticos por brasileiro.

A indústria evoluiu muito com isso, as pessoas usaram, aprenderam a usar senha. Você vê que até hoje os EUA, por exemplo, não implantaram o cartão de chip com senha. Lá é chip com assinatura. Isso é esquisito para o brasileiro, porque o chip com senha é muito mais seguro que o chip com assinatura. 

Parcelamento no cartão é coisa nossa

Desemprego explodiu, mas calotes ficaram estáveis

João Pedro Paro Neto, da Mastercard, fala abaixo que a crise econômica que o país enfrentou nos últimos anos poderia ter sido muito pior, mas que as pessoas aprenderam a gastar de forma mais consciente e, com isso, o nível de calotes não disparou.

Se você olhar a indústria como um todo, ela de uma certa forma passou toda essa crise desses últimos anos... que foram crises bastante pesadas, o desemprego aumentou absurdamente... Mas se você olhar os indicadores da indústria, eles estão bastante estáveis em relação ao índice de inadimplência.

Ou seja, de certa forma, você tem, sim, aqueles que estão inadimplentes, como sempre haverá, isso não vai zerar nunca, mas está num número estável. Todo esse esforço de educação, de ensinar, de preparar, de dar crédito a quem merece tem dado resultado. Se não, esse número teria explodido. 

Se você imaginar que o número do desemprego multiplicou por duas vezes, três vezes num número aproximado, e o número de inadimplência da indústria dos meios de pagamentos permaneceu o mesmo, houve alguma eficiência aí que a gente tem que observar.

Crise poderia ter sido muito pior

Nós poderíamos ter tido uma crise muito pior. Se o índice de inadimplência aumentasse muito mais, seria muito pior para o nosso setor.

No entanto, nesses dois anos de crise, de crescimento de PIB [Produto Interno Bruto] negativo, a indústria cresceu a 7%, 8%. Numa economia que caiu 4%, crescer 7% ou 8% eu acho que foi bastante importante.

Trocando o parcelado pelo débito

Eu acho que as pessoas começaram a ter muito mais consciência. Quando nós olhamos, logo no início, reduziu substancialmente o prazo de pagamento, as pessoas pararam de comprar parcelado, compraram com muito mais parcimônia no parcelado, começaram a usar mais débito do que crédito. As pessoas começaram a ter mais controle sobre suas finanças. Isso mudou mesmo.

Você vê que a retomada do parcelado veio com muito mais parcimônia, olhando se conseguem, se precisam.

Evolução do consumidor: do pré-pago até o crédito

Não adianta você ter um cliente que não sabe usar os seus instrumentos, é bom que você o ensine. Existe um esforço muito grande de todos em tentar criar a educação financeira e proporcionar aos usuários um maior conhecimento dos instrumentos que ele usa.

Não é porque você tem crédito que vai usar sem prestar atenção no que está fazendo.

Uma das razões que fez a gente lançar o [cartão] pré-pago é isso também, porque é a formação inicial de um usuário de meio de pagamento eletrônico. Você coloca um dinheiro antes, usa e quando acabou, acabou, você não consegue usar mais.

Depois do cartão pré-pago, você vai para o débito, ou seja, passa a ter a sua conta corrente e pode ter uma extensão maior. Já pode usar outras coisas que você não se programou para usar. Então, você sai de um "100% programado" para um "não 100% programado".

Depois, você chega ao crédito. Se você for olhar a história, o caminho é esse. Quando você chegar ao crédito e viveu as experiências anteriores, você vai ter muito mais facilidade em usar o seu crédito, não vai se perder no meio do caminho. 

Crise fez brasileiro trocar o crédito pelo débito

A Mastercard é assim

  • Fundação

    1966

  • Funcionários

    14 mil funcionários em todo o mundo

  • Clientes

    Conecta mais de 25 mil instituições financeiras a 36 milhões de comerciantes em 210 países e territórios, em 150 diferentes moedas

  • Faturamento em 2016

    US$ 10,8 bilhões (faturamento líquido global)

  • Lucro em 2016

    US$ 4,1 bilhões (global)

  • Porcentagem de mercado

    44,6% (participação por bandeira em quantidade de transações)

  • Cartões no mundo

    2,3 bilhões de cartões

  • Outros números

    56 bilhões de transações processadas anualmente, cada uma feita em milisegundos (mais rápido que um piscar de olhos)

  • Principais concorrentes

    Dinheiro em espécie

Desafio é acabar com o dinheiro

Mais do que se preocupar com empresas concorrentes, João Pedro Paro Neto, da Mastercard, diz que o desafio principal é acabar com o dinheiro vivo e fazer seu mercado aumentar de tamanho. Veja abaixo o que ele diz sobre o assunto.

Acho que o nosso principal desafio é fazer com que o nosso negócio aumente de tamanho. É por isso que eu concorro com o dinheiro.

De uma maneira bem simplista: um terço do potencial de negócio é meio de pagamento eletrônico, um terço é dinheiro e um terço são outras formas de pagamento. Eu quero que tudo seja em meio eletrônico de pagamento. Seria o meu ideal, que a gente consiga avançar para chegar o mais perto dos 100%.

Já existem países no mundo, países nórdicos principalmente, Suécia e outros países escandinavos, que já estão mais perto dos 100%. O Brasil já está em um terço, o que é um avanço enorme. Se você olhar 20 anos atrás, nós tínhamos menos de 10%, hoje já estamos em um terço, e esse número avança todo ano.

Esse é o meu competidor. Se eu aumento o tamanho do negócio, há espaço para todos os concorrentes. Claro que tenho que olhar para o concorrente, os emissores de cartões todos são concorrentes, não há um que não seja, todos são.

Comprar um carro à vista no cartão

Os desafios que temos são dois: primeiro é acabar com o dinheiro no sentido literal, quanto menor for o dinheiro na economia, melhor para o nosso negócio; e segundo é identificar novas oportunidades de passar o meio eletrônico de pagamento.

Dou um exemplo: se você quiser comprar um carro e pagar à vista --R$ 100 mil, por exemplo--, e quiser pagar com cartão, não vai conseguir. Não porque você tem crédito ou não tem, mas porque o modelo de negócio precisa ser estudado.

Nós acabamos de lançar agora condomínio em edifício. Você não pagava condomínio no cartão, agora nós já lançamos e, daqui a pouco, você vai ver que vai passar a aceitar cartão. Era um negócio que pagava com boleto, dinheiro, depósito na conta, de alguma maneira, que a gente agora colocou o meio eletrônico de pagamento.

Transporte coletivo, estamos aí colocando nos ônibus. Até hoje você tem lá o meio eletrônico de pagamento [bilhete eletrônico], e a gente quer colocar o nosso lá também, para que ele possa ser um meio mais universal.

Ou seja, o seu cartão você usa no ônibus, para comprar seu café, comprar seu almoço, viajar... é o mesmo instrumento de pagamento que serve para qualquer mídia, para qualquer necessidade. Esse é o conceito.

Pagando até com a TV e a geladeira

Para que você consiga chegar a um nível o mais perto que seja dos 100% [de meios eletrônicos de pagamento], você precisa, sim, ter mais mecanismos de aceitação, mais instrumentos de pagamento.

Não importa se você pagar no computador, na geladeira, no carro, no telefone celular, no relógio, nos óculos, na televisão, não importa. Com qualquer coisa conectada, você vai poder fazer pagamentos.

Então, de um lado, nós estamos colocando todas as ferramentas necessárias para que você se sinta bem em fazer o pagamento. Toda a segurança, toda a conveniência necessária, todos os instrumentos em que você está conectado para que lhe permitam pagar. Do outro lado, [fazer] todos os ambientes que você frequenta aceitarem meios de pagamento eletrônico. A combinação dessas duas coisas faz com que você chegue aos 100%.

Quem é João Pedro Paro Neto

Simon Plestenjak e Arte/UOL

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