UOL – Há muitas críticas sobre a qualidade do ensino nas faculdades particulares. Qual a sua opinião?
Janguiê Diniz – Precisamos esclarecer duas coisas com essa pergunta: em primeiro lugar, eu acho que o Brasil só tem 17% da população com idade universitária no ensino superior; nós temos 8 milhões de jovens no ensino superior. O índice é muito baixo. Perdemos para todos os países da América Latina.
Oitenta e três por cento da população com idade universitária, de 18 a 24 anos, está fora [da universidade]. Isso é uma aberração. E o Plano Nacional de Educação diz que até 2024 temos de colocar pelo menos 33% da taxa líquida, ou seja, da população com idade universitária de 18 a 24 anos, no ensino superior. A Coreia do Sul tem 90%, os Estados Unidos têm 80%.
Só que grande contingente desses 83% não pode pagar, pertence às classes C e D e até à classe E. O que fazer? Precisamos de programas de inclusão social, porque um país, para sair de um estado de subdesenvolvimento para o de desenvolvimento, tem que educar o seu povo, do ensino básico ao ensino superior.
Não podemos deixar uma população de 207 milhões de brasileiros sem ser educada, sem ter um curso superior. Como fazer isso se grande parte dessa população não tem condições de pagar uma universidade? Temos que ter programas sociais como o Prouni [Programa Universidade para Todos].
O Prouni foi o principal programa do governo do PT. Durante 13 anos, o Prouni já colocou nas universidades 2,228 milhões de pessoas. As universidades federais, apesar de serem públicas, não conseguem atender a todo mundo.
Existe um grande erro no Brasil, que é o princípio da gratuidade do ensino público, previsto no artigo 206 da Constituição, que permite que pessoas ricas, que vêm das escolas privadas no ensino básico, dos melhores colégios, ganhem as vagas no ensino superior.
Enquanto isso, aquelas pessoas que estudam nos colégios públicos, que, infelizmente, são colégios de baixa qualidade, de má qualidade, essas pessoas não têm oportunidade de estudar no ensino superior público, nas universidades federais.
E essas pessoas vão para onde? Elas dispõem de quatro alternativas: a primeira é estudar muito, dia e noite, como eu fiz, porque eu não tinha outra opção de vida, para passar numa universidade pública –agora é tirar uma nota boa no Enem para passar no Sisu e escolher um curso bom, de alta demanda, numa universidade federal.
A segunda é tirar uma nota boa, não entrar numa federal, mas conseguir uma bolsa do Prouni para ir para um curso demandado, como medicina, direito, numa universidade privada.
A terceira é tirar uma nota regular e conseguir os cursos com pouca procura em uma universidade federal, como os cursos de licenciatura, por exemplo. O quarto caso, que é a grande maioria do que acontece no Brasil, é o jovem que vem de escola pública ter de trabalhar o dia inteiro para poder estudar, e aí ele pega o seu salariozinho para estudar numa faculdade privada.
Eu registro que o Prouni é um dos principais programas de inclusão social do governo do PT e é um programa que deve ser defendido, enaltecido e perenizado. O Fies [Fundo de Financiamento Estudantil] é outro.
É um programa de inclusão social que chegou ao ápice em 2014, com 730 mil bolsas, mas que infelizmente, por conta de contingência orçamentária, o governo resolveu reduzir para 100 mil contratos agora em 2018, transformando o programa de um programa social em um programa eminentemente financeiro e fiscal.
E complementando a pergunta: e essas pessoas que vêm da escola pública, vêm do Fies, isso não diminui a qualidade? Isso é uma realidade. Eles já vêm da escola pública mal formados no ensino médio. Nós das instituições particulares procuramos fazer mágica. Infelizmente, temos de trabalhar, pegar um aluno que vem de uma classe C e D, um aluno E, e tentar transformá-lo em B ou até em A.
Qual é a diferença de uma universidade federal para uma universidade privada? Não é a qualidade, não. A diferença é que nas universidades federais temos os professores que ganham muito bem, os melhores doutores, mas nas universidades privadas os professores ganham muito bem também, e temos também muitos doutores. A diferença é que nas universidades privadas pegamos os alunos de uma classe menos abastada, de uma renda per capita diferente, de uma classe C e D. Os melhores alunos vão para as universidades federais. Os piores alunos vêm para as universidades privadas, daí a diferença.
É claro que, se os melhores alunos estão nas universidades federais, as melhores notas vão sair nas universidades federais. E, mesmo assim, algumas universidades privadas têm melhores notas do que as universidades federais. Mas os melhores estão lá. Se os melhores estão lá, fatalmente a qualidade é diferente, porque nós pegamos o aluno de uma classe C e D e tentamos transformá-lo num aluno A ou B, enquanto as federais pegam um aluno A e às vezes o aluno sai B de lá.
Qual a porcentagem de alunos que o grupo tinha pelo Fies e como as mudanças recentes impactaram o grupo?
Chegamos a ter 40% de alunos no Fies quando o Fies estava no auge, em 2014. Mas é interessante registrar aqui que quando não existia o Fies, nós crescíamos a uma taxa de 10% ao ano, porque a empresa era uma empresa profissionalizada, que oferecia educação de qualidade e com um sistema de gestão moderno.
Agora estima-se que o grupo Ser Educacional vai ter cerca de 10% de seus alunos no Fies, e a maioria das instituições vai ficar nessa linha também, ninguém vai ter mais do que isso, ou até menos por conta do contingenciamento do governo federal.
Considera, então, que nem todo mundo que poderia fazer uma faculdade pelo modelo anterior vai poder fazer agora?
As regras são muito rígidas hoje. Antigamente, o limite salarial era de 20 salários mínimos, hoje é de três salários mínimos per capita. Antes, não existia limite de pontuação, hoje tem de ter 450 pontos [no Enem]. Então existe um paradoxo: quem tem renda de três salários mínimos, não tem nota, porque pouca gente que estuda em escola pública consegue uma nota superior a 450 pontos. Quem tem renda não tem nota e quem tem nota não tem renda.
Além disso, mesmo que o aluno consiga, não financia 100%. São questões paradoxais como estas que farão com que esse Fies seja parcialmente inócuo. Acho que, no futuro, haverá uma reformulação, e nós, eu como presidente da Abmes, que é a Associação Brasileira das Mantenedoras, e do Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior [Particular], vamos trabalhar junto ao governo para que venha aperfeiçoando. Nós não chegaremos nem parcialmente às metas do Plano Nacional de Educação sem o Prouni e sem o Fies.