UOL - O intercâmbio hoje é um produto só para classe média alta e classe alta?
Celso Garcia - Felizmente não mais. Não só das grandes cidades e também não só de quem tem muito dinheiro. Temos clientes da classe D que nos procuram. Eles investem nisso também. É muito comum sabermos que o pai está vendendo o carro dele para pagar o intercâmbio do filho, e é muito bonito ver isso.
Você vê que são famílias de poder econômico limitado, mas o pessoal vê como investimento. Muitas vezes o pessoal trabalha, mora com a família e vai juntando um dinheirinho, porque sabe que muitas vezes o idioma é mais importante na empregabilidade do que fazer um curso universitário de qualidade ruim ou fazer uma pós-graduação ou extensão universitária que não agrega nada.
A grande carência que nós temos no Brasil hoje é saber falar mais idiomas. Muitas pessoas perdem oportunidades porque não conseguem colocar no currículo que têm um nível superior de conhecimento do inglês ou do espanhol, que não é só o básico. Isso faz uma grande diferença na empregabilidade.
Vocês atendem mais o público jovem ou o público mais velho?
É muito focado ainda no jovem. E o curso de idioma continua sendo o carro-chefe desse segmento. No Brasil, nós ainda temos uma carência muito grande de as pessoas saberem falar um segundo idioma: estima-se que menos de 4% da população brasileira domine um segundo idioma, além do português.
Quando você compara com qualquer outro país que está mais inserido ou que quer se inserir na comunidade internacional, esse é um gap muito grande que nós temos que cobrir.
As empresas de intercâmbio fazem um trabalho importante, mas depende de muito mais do que isso. Depende das escolas, do governo e do interesse das pessoas em aprender um segundo idioma.
Muitas vezes a pessoa não leva a sério o idioma quando está na escola e chega lá na frente, na hora de fazer o vestibular ou na hora de conseguir um emprego, vai ver que perdeu a vaga porque havia outra pessoa com um pouquinho de conhecimento do espanhol ou de inglês, e isso realmente faz uma grande diferença.
O que nós temos de tendência é que o pessoal da terceira idade cada vez mais está abocanhando, está entrando nesse mercado também, porque é uma oportunidade muito legal de viajar.
Existem vários programas hoje em dia em que você pode fazer um curso de idioma com história da arte, curso de idioma com culinária, com esportes, com golfe, com hipismo. Existe uma gama grande para que a pessoa possa complementar a experiência.
Como a crise econômica afetou o negócio de intercâmbio?
Na verdade, esse segmento não retrata muito a economia como um todo. Ele é um projeto de investimento das pessoas. As pessoas não se programam hoje para viajar na semana que vem, no mês que vem, para fazer um intercâmbio.
Normalmente há um intervalo de 90 dias pelo menos, entre a decisão da pessoa de chegar a uma loja da CI e embarcar, porque é um processo que vem maturando na cabeça do interessado.
Quando o mercado realmente não está tão favorável, ocorre um processo que nós chamamos de represamento: as pessoas deixam de ir agora, mas não desistem da viagem. Elas acabam adiando um semestre ou um ano.
Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2015, quando tivemos um aguçamento da crise. Nós ainda tivemos um resultado satisfatório porque vínhamos de uma maré boa, mas no ano de 2016 realmente caiu. Felizmente não tivemos decréscimo, conseguimos um crescimento de 4%. Mas no ano passado já tivemos um crescimento de 20% nas vendas, o que é muito positivo quando você olha a economia como um todo.
Com o desemprego, os profissionais veem o período sem trabalho como uma oportunidade de fazer curso e voltar para o mercado com uma bagagem melhor?
Muitas pessoas que procuram a empresa estão na iminência de sair do seu trabalho ou já saíram. Elas veem realmente que é uma oportunidade única para poder se desenvolver. Lógico que há aqueles que querem ir para fora, que vão para fora [do país] e procuram ficar, mas essa não é uma oportunidade que acontece para todos. A grande maioria vai para se desenvolver mesmo.
A questão do idioma é sempre o ponto número um. As pessoas às vezes chegam ao nível de gerência na empresa ou até têm oportunidade de subir, mas não têm o idioma. Mas também há muitas pessoas que vão para fora para fazer a especialização ou um complemento na área de formação: se a pessoa é formada em administração vai fazer uma extensão em finanças ou em marketing.
Existe uma gama muito grande de oportunidades para quem tem uma formação e quer melhorar isso, e ter uma experiência fora do país tem um peso muito grande no currículo.
A empresa tem sido procurada por pessoas ou famílias que querem se mudar de vez do Brasil?
Tem sido procurada. Felizmente, já senti uma queda no segundo semestre do ano passado. Em 2015 e meados de 2016, essa procura era maior. Mas como eu falo sempre: é muito difícil. Às vezes a pessoa quer ir para fora, mas não está preparada, porque você precisa de um visto, precisa de um lugar para ficar.
Normalmente a pessoa vem nos procurar porque o visto para educação é sempre mais factível do que se mudar e tentar trabalhar. Essa realidade existiu e continua existindo, mas eu acho que, à medida que a economia melhora, isso vai arrefecendo. É um processo normal de crise que já aconteceu outras vezes, mas, como cada vez mais pessoas perdem o medo de ir para fora, acaba tendo uma espiral crescente.
Isso é parte do processo, e eu acho que não é uma exclusividade do Brasil. Todos os países vivem ciclos econômicos. Assim como nós tivemos alguns anos atrás aquele boom no Brasil, em que vieram milhares de espanhóis para cá, vieram portugueses, vieram pessoas de todos os países praticamente. Existe no mundo todo uma influência muito grande desse atrativo do momento econômico. Isso não é diferente aqui.
Com a tecnologia, as pessoas têm se virado bem sozinhas. Hoje é possível organizar uma viagem, indo atrás de escola, hospedagem, passagem. Por que alguém vai precisar de uma agência de intercâmbio?
Uma viagem de intercâmbio não é uma viagem de duas semanas ou dez dias. Quando você vai fazer um programa educacional, vai ficar numa casa de família ou num dormitório estudantil, ou mesmo numa escola em que você vai ficar seis semanas, oito semanas ou períodos maiores, você precisa de uma referência, precisa de mais informações.
Em uma viagem de mais longa duração, as pessoas procuram muito a segurança também. E não há diferença de custo. Se você for comprar direto de uma escola, vai pagar o mesmo preço que paga para a CI. Mas o aluno vai ter que arrumar um jeito para mandar o dinheiro, às vezes não tem o cartão de crédito, vai ter de fazer transferência.
No Brasil e na maioria dos países de que temos conhecimento, as agências de intercâmbio têm um horizonte bastante grande pela frente. Mas, além disso, temos criado cada vez mais produtos que vinculam os estudantes. Temos programas de intercâmbio teen em que os alunos saem em grupos desde o Brasil. É um negócio que você não compra pela internet, tem que estar dentro de um grupo para ir.
Assim como esses produtos, há outros em que procuramos cada vez mais vincular a uma segurança maior, que muitas vezes é o que o pai de classe média e classe média alta quer para os filhos.