UOL – Qual é a sua ligação com os EUA?
Caito Maia – A minha relação com os Estados Unidos é que eu fiz faculdade de música em Boston [o curso de bateria e guitarra não foi concluído por falta de dinheiro], morei oito anos nos Estados Unidos. A música estava junto com os óculos. Aí eu trouxe os óculos dos Estados Unidos e comecei o negócio no Brasil.
Mas eu queria falar que eu não trouxe a ideia dos Estados Unidos. É uma ideia brasileira, surgiu no Brasil.
Eu comprei 200 óculos num camelô em Venice, na Califórnia, há 21 anos. Inclusive o camelô está lá até hoje. Trouxe numa mala e comecei a vender para amigos, e aí virou a maior marca de óculos escuros da América Latina.
Mas é uma ideia genuinamente brasileira, e eu tenho orgulho disso.
Por que você achou que poderia vender óculos escuros no Brasil?
Quando eu trouxe os 200 óculos na mala, eu vendia para amigos e não sobrava nem parafuso. Durava dois dias na minha casa, a galera vinha e comprava tudo, tudo. E eu ganhava um dinheirinho já. Daí eu comecei a bater na porta de umas empresas.
Uma empresa, a Forum, me fez um pedido de 18 mil óculos. Eu não tinha dinheiro para entregar mil. Liguei para o cara e falei: “você está louco, bicho. Não vai rolar”. Aí ele disse: “vou te adiantar o dinheiro”.
Abri uma empresa de atacado e comecei a fornecer para várias empresas de moda brasileira: Zoomp, Forum, OP [Ocean Pacific], Triton, todo mundo. Cheguei a ter 250 clientes. Dois deles não me pagaram, e eu quebrei.
A partir daí, ou eu voltava para a minha banda ou ia para o Mercado Mundo Mix. No Mercado Mundo Mix, eu era um camelozinho sem vergonha. Todo mundo tinha marca, e eu ficava com vergonha. Por isso inventei Chilli Beans.
Por que você decidiu insistir, mesmo depois de quebrar?
Morava numa casa na Pompeia onde tinha um banheirinho, um estúdio e um quartinho de empregada que tinha a minha distribuidora chamada Blue Velvet. Sempre ficava olhando para o banheiro e falava: “eu vou para os óculos ou para a banda?”
Eu tinha que tomar uma decisão na minha vida. Só que a banda não pagava conta nenhuma, e os óculos pagavam toda a conta da banda. Chegou uma hora em que eu falei: “vou para os óculos”. E foi uma decisão maravilhosa.
Qual foi o meu aprendizado? Quero continuar mexendo com esse produto, mas não no atacado, porque no atacado eu tenho um risco grande e não tenho controle da minha margem. Eu vou criar a minha marca e vou vender a minha marca.
Continuei vendendo óculos escuros porque sou teimoso, porque gosto de vender óculos escuros, porque tinha uma margem legal e porque aprendi a lição de ir para o varejo, e ter branding [marca própria].
Você vinha de uma faculdade de música e montou um pequeno negócio, sem ter feito faculdade de administração, nenhum curso de gestão. Como você se virou?
Tendo a humildade de admitir que eu não era competente para fazer várias coisas. Contratei pessoas muito legais para me ajudar. Várias vezes investi dinheiro em salários que eu não podia pagar para trazer pessoas experientes para me ajudar a fazer a coisa acontecer.
Tenho uma tristeza muito grande com a moda brasileira, porque na moda brasileira faltam humildade e consciência de gestão de negócios. E, quando você tem talento para fazer uma coisa, não tem talento para outras coisas. Então, você tem de admitir, botar o rabinho entre as pernas e falar: “Vou contratar pessoas bacanas para me ajudarem a fazer isso”.
Quais foram as dificuldades que você enfrentou no início?
No começo, a dificuldade maior sempre é financeira. Você ser humilhado pelo banco, o cara olhar para você e falar: “Você é um lixo, não vou te emprestar dinheiro nenhum". Ou você ter de ir para agiota. É muito difícil. Você não tem dinheiro de família, não tem dinheiro de pai, mas você tem de se virar, e a coisa tem que acontecer. Ponto.
Não tive domingos [livres] nos primeiros dez anos. Fazer o quê? Sempre fui muito trabalhador, muito mão na massa. Eu fechava e abria a Galeria Ouro Fino. Um dia, peguei um alicate e arrombei a Galeria Ouro Fino porque eles não queriam abrir no sábado. Eu falei: "se vocês não querem trabalhar, eu quero".
Quando você trouxe essa quantidade maior de óculos dos Estados Unidos, você já trouxe como importador? Porque muita gente que traz uma coisinha só para ganhar um dinheiro extra não está pensando em ter um negócio...
No começo, era tudo por baixo dos panos. Era, como se chama, comerciante de fronteiras... Depois, obviamente, quando eu recebi meu primeiro pedido, recebi uma grana. Aí constituí uma empresa. Mas no começo foi meio na raça.
Você tem um momento na sua vida que você escolhe se você quer deixar as coisas bonitinho, endireitar. Entendeu? A vida lhe dá essa escolha. E você fala assim: "Agora você já tem estrutura e um dinheirinho para se oficializar, abrir uma empresa, um CNPJ, uma importadora, tudo bonitinho. E eu graças a Deus escolhi isso.
Volto a repetir: vai chegar uma hora em que você terá essa oportunidade, essa opção de endireitar, arrumar. Muitos não fazem isso. E aí continuam mole, mole, mole e não endireitam. Porque endireitar significa pagar muito imposto e diminuir a sua margem de forma assustadora.