Eleição não fará milagre

Ninguém vai salvar o país, mas devemos ficar, e não fugir para Miami, diz chefe da Chilli Beans

Do UOL, em São Paulo
Marcelo Justo/UOL e Arte/UOL
Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

Nenhum candidato vai mudar o Brasil e quem tem que fazer o país acontecer são os cidadãos e as empresas. “É muito fácil falar: vou embora do Brasil”. Esta é a opinião de Caito Maia, fundador e CEO da marca de óculos escuros Chilli Beans, em entrevista na série UOL Líderes.

Ele conta como decidiu investir na marca depois de a carreira na música não decolar e fala sobre o começo trazendo óculos dos Estados Unidos na mala. Lembra ainda das dificuldades para conseguir financiamento e montar uma equipe no início do negócio.

As diferenças nas campanhas lançadas no Brasil e em outros países onde os produtos são vendidos, as estratégias para se manter em um cenário de crise econômica e a vontade de apresentar um programa sobre empreendedorismo na TV são outros assuntos abordados pelo empresário, que tem como sócia a Gávea Investimentos.

Quem faz este país somos nós

UOL – Sua empresa vende um produto que pode ser considerado supérfluo, tendo como principal mercado o Brasil, que está enfrentando uma crise econômica. Como sobreviver neste cenário?

Caito Maia – O ano de 2017 foi um sucesso para nós, e este ano também está indo bem. Claro que essa paralisação dos caminhões deu uma detonada, mas estávamos vindo muito bem.

Quando você está numa situação delicada, com consumo mais baixo, você tem de ter a humildade de escutar. Eu sempre fiz isso, sempre fui escutar vendedor, gerente, cliente. E ver onde está a sua oportunidade.

O que nós percebemos é que existia um preço que tinha de ser adaptado ao momento do consumidor. E nós adaptamos o nosso produto ao preço. No ano passado, abrimos 70 lojas novas. Você continua com o mercado comprador, só que com poder aquisitivo um pouco menor.

Seus produtos também são vendidos fora do Brasil. Como foi a decisão de expandir o negócio e como é feita a escolha dos países?

A primeira decisão não foi nossa, o mercado veio até nós para que abríssemos em Portugal. Depois disso, adotamos uma estratégia: abrimos quase 15 lojas nos Estados Unidos, como uma vitrine para o mundo.

A partir daí fomos para lugares interessantes, como o Oriente Médio, onde temos quase 30 lojas. Já estamos com quase cem lojas pelo mundo. E lojas que estão faturando, que estão bem.

Os produtos são exatamente os mesmos no Brasil e fora?

As coleções são exatamente iguais, porque nós lançamos uma coleção toda semana, que contempla todos os estilos. Elas são lançadas no mundo inteiro e vão muito bem.

O que muda são as campanhas, porque as que eu lanço no Brasil não posso lançar no Kuait nem em Dubai, tem de cortar tudo, tem de cortar até o joelho [das modelos] porque não pode aparecer. Mas faz parte, e temos de respeitar. É o jogo.

O Brasil também está em um momento de incerteza política. Como decidir investimento neste cenário?

Independente dessa barbaridade, dessa palhaçada que está acontecendo com o Brasil, na política brasileira, quem faz este país somos nós. Eu não vou ficar esperando, porque acho que não vai acontecer nenhum milagre, infelizmente.

Então, independente de qualquer situação que aconteça nesse país, quem toca esse país são as empresas, os cidadãos. Não sei vocês, mas eu não tenho hoje um nome que eu fale: "esse cara vai salvar o país". Não tenho. Ninguém tem, todo mundo sabe disso.

Eu não vou ficar parado, chorando o leite derramado. Não vou. Vou tocar a minha vida, vou continuar os meus investimentos, vou continuar o meu objetivo, continuar fazendo a coisa acontecer. Senão, eu fecho a porta e vou embora do Brasil.

É muito fácil falar: "vou embora do Brasil". Nós precisamos das cabeças boas nesse país para nos ajudar a fazer esse país acontecer. É muito fácil falar "vou morar em Miami". Vamos enfrentar a situação.

Claro que existe uma preocupação. Mas a preocupação não significa que tem de parar. Não, tem de continuar fazendo a coisa acontecer.

Dizer que vai embora é fácil

Óculos de camelô na mala

UOL – Qual é a sua ligação com os EUA?

Caito Maia – A minha relação com os Estados Unidos é que eu fiz faculdade de música em Boston [o curso de bateria e guitarra não foi concluído por falta de dinheiro], morei oito anos nos Estados Unidos. A música estava junto com os óculos. Aí eu trouxe os óculos dos Estados Unidos e comecei o negócio no Brasil.

Mas eu queria falar que eu não trouxe a ideia dos Estados Unidos. É uma ideia brasileira, surgiu no Brasil.

Eu comprei 200 óculos num camelô em Venice, na Califórnia, há 21 anos. Inclusive o camelô está lá até hoje. Trouxe numa mala e comecei a vender para amigos, e aí virou a maior marca de óculos escuros da América Latina.

Mas é uma ideia genuinamente brasileira, e eu tenho orgulho disso.

Por que você achou que poderia vender óculos escuros no Brasil?

Quando eu trouxe os 200 óculos na mala, eu vendia para amigos e não sobrava nem parafuso. Durava dois dias na minha casa, a galera vinha e comprava tudo, tudo. E eu ganhava um dinheirinho já. Daí eu comecei a bater na porta de umas empresas.

Uma empresa, a Forum, me fez um pedido de 18 mil óculos. Eu não tinha dinheiro para entregar mil. Liguei para o cara e falei: “você está louco, bicho. Não vai rolar”. Aí ele disse: “vou te adiantar o dinheiro”.

Abri uma empresa de atacado e comecei a fornecer para várias empresas de moda brasileira: Zoomp, Forum, OP [Ocean Pacific], Triton, todo mundo. Cheguei a ter 250 clientes. Dois deles não me pagaram, e eu quebrei.

A partir daí, ou eu voltava para a minha banda ou ia para o Mercado Mundo Mix. No Mercado Mundo Mix, eu era um camelozinho sem vergonha. Todo mundo tinha marca, e eu ficava com vergonha. Por isso inventei Chilli Beans.

Por que você decidiu insistir, mesmo depois de quebrar?

Morava numa casa na Pompeia onde tinha um banheirinho, um estúdio e um quartinho de empregada que tinha a minha distribuidora chamada Blue Velvet. Sempre ficava olhando para o banheiro e falava: “eu vou para os óculos ou para a banda?”

Eu tinha que tomar uma decisão na minha vida. Só que a banda não pagava conta nenhuma, e os óculos pagavam toda a conta da banda. Chegou uma hora em que eu falei: “vou para os óculos”. E foi uma decisão maravilhosa.

Qual foi o meu aprendizado? Quero continuar mexendo com esse produto, mas não no atacado, porque no atacado eu tenho um risco grande e não tenho controle da minha margem. Eu vou criar a minha marca e vou vender a minha marca.

Continuei vendendo óculos escuros porque sou teimoso, porque gosto de vender óculos escuros, porque tinha uma margem legal e porque aprendi a lição de ir para o varejo, e ter branding [marca própria].

Você vinha de uma faculdade de música e montou um pequeno negócio, sem ter feito faculdade de administração, nenhum curso de gestão. Como você se virou?

Tendo a humildade de admitir que eu não era competente para fazer várias coisas. Contratei pessoas muito legais para me ajudar. Várias vezes investi dinheiro em salários que eu não podia pagar para trazer pessoas experientes para me ajudar a fazer a coisa acontecer.

Tenho uma tristeza muito grande com a moda brasileira, porque na moda brasileira faltam humildade e consciência de gestão de negócios. E, quando você tem talento para fazer uma coisa, não tem talento para outras coisas. Então, você tem de admitir, botar o rabinho entre as pernas e falar: “Vou contratar pessoas bacanas para me ajudarem a fazer isso”.

Quais foram as dificuldades que você enfrentou no início?

No começo, a dificuldade maior sempre é financeira. Você ser humilhado pelo banco, o cara olhar para você e falar: “Você é um lixo, não vou te emprestar dinheiro nenhum". Ou você ter de ir para agiota. É muito difícil. Você não tem dinheiro de família, não tem dinheiro de pai, mas você tem de se virar, e a coisa tem que acontecer. Ponto.

Não tive domingos [livres] nos primeiros dez anos. Fazer o quê? Sempre fui muito trabalhador, muito mão na massa. Eu fechava e abria a Galeria Ouro Fino. Um dia, peguei um alicate e arrombei a Galeria Ouro Fino porque eles não queriam abrir no sábado. Eu falei: "se vocês não querem trabalhar, eu quero".

Quando você trouxe essa quantidade maior de óculos dos Estados Unidos, você já trouxe como importador? Porque muita gente que traz uma coisinha só para ganhar um dinheiro extra não está pensando em ter um negócio...

No começo, era tudo por baixo dos panos. Era, como se chama, comerciante de fronteiras... Depois, obviamente, quando eu recebi meu primeiro pedido, recebi uma grana. Aí constituí uma empresa. Mas no começo foi meio na raça.

Você tem um momento na sua vida que você escolhe se você quer deixar as coisas bonitinho, endireitar. Entendeu? A vida lhe dá essa escolha. E você fala assim: "Agora você já tem estrutura e um dinheirinho para se oficializar, abrir uma empresa, um CNPJ, uma importadora, tudo bonitinho. E eu graças a Deus escolhi isso.

Volto a repetir: vai chegar uma hora em que você terá essa oportunidade, essa opção de endireitar, arrumar. Muitos não fazem isso. E aí continuam mole, mole, mole e não endireitam. Porque endireitar significa pagar muito imposto e diminuir a sua margem de forma assustadora.

Fui 'comerciante de fronteiras'

Disciplina acima do talento

UOL – Tem alguma frustração por não ter feito sucesso como músico?

Caito Maia – Não, zero. Zero, zero, zero, você acredita? Não teria a menor vergonha de falar que tenho. Uns três anos depois eu ia a um show e falava ‘queria estar lá’. Hoje estou muito feliz no que faço, eu me achei.

Eu queria falar duas coisas que acho importantes. Primeiro: vejo pessoas de 50 anos de idade para quem a vida já mostrou que não vai ser aqui. Vira a página. E as pessoas não mudam e não vão realizar. Uma coisa que percebo é que, quando a vida mostra outras páginas, exercite essas outras páginas, porque elas podem ser muito legais.

Segunda coisa: as pessoas estão vindo para a Terra e têm duas escolhas: disciplina ou talento. Aí Deus fala assim: "você pode escolher". O malandrão fala: "Eu quero os dois". "Os dois, não dá. Você pode escolher uma só".

Sou um cara meio medíocre, não sou um cara absurdamente talentoso. Eu sou disciplinado. O cara com disciplina faz o que ele quiser. O cara com talento assustador e zero disciplina não consegue fazer nada.

Mas, de vez em quando, Deus pega uns Steve Jobs da vida e dá talento e disciplina. Aí a casa caiu. Mas eu acho que a disciplina é o segredo de tudo.

Você está no programa ‘Shark Tank’. Tem vontade de fazer mais alguma coisa na televisão?

Tenho um sonho de apresentar um programa. Morro de vontade. E tenho a maior facilidade, o maior tesão, há vários convites. Eu me sinto muito confortável e acho que posso contribuir muito.

Vemos tanta mediocridade nos programas, e a televisão tem a obrigação de educar. Acho que o Shark Tank faz um serviço para o Brasil. O que tenho de fã que me para na rua. Para uma mãe e fala: ‘meu filho tem 14 anos de idade e te adora’. E eu digo: ‘que legal’”. Então, acho que estou fazendo um servicinho para o Brasil. Acho tão bonito isso.

Não tenho nada contra o Big Brother, mas não é uma bunda, é um menino que está pensando, falando: "vou fazer uma empresa". Eu acho que posso continuar esse serviço com programa de televisão.

Tem-se falado muito sobre a questão da diversidade nas empresas. É algo com que você se preocupa?

Essa história de que tanto se fala hoje, eu sou diversidade desde que nasci. Não fico julgando a escolha sexual de ninguém. Respeito. O que quero é que você seja uma pessoa competente.

A diversidade dentro da Chilli Beans é muito forte. Sempre trabalhamos isso, sempre empregamos, sempre investimos, sempre demos oportunidade.

Em 2001, quando abri o meu primeiro quiosque no [shopping] Villa-Lobos, era o time mais eclético do mundo. Diversidade é uma coisa que está na raiz, e é óbvio que vamos fortalecer isso mais do que nunca.

No início, você é lixo para banco

A Chilli Beans é assim

  • Fundação

    1997

  • Funcionários diretos

    250

  • Empregos gerados indiretamente

    6.000

  • Pontos de venda

    800

  • Países em que opera

    Brasil, Estados Unidos, México, Peru, Colômbia, Bolívia, Portugal, Kuait e Tailândia

Marcas devem levar cultura para o público

UOL – Quem é o público da Chilli Beans hoje?

Caito Maia – É um público que vai de 15 a 35 anos, um público jovem, antenado, que gosta de coisas novas, gosta de estar na moda. Mas adoro dizer que somos superdemocráticos, atendemos uma criança de três anos e uma senhora de 80. É claro que, onde eu ponho o meu dinheiro, é para falar com esse público de 15 a 35.

Como fez para construir a marca?

Construir uma marca exige muito sangue frio, muito estômago, muita doideira e muito foco. Por exemplo, eu colocava outdoors na Marginal Pinheiros com um olho de bicho. Depois a pessoa ia entender que eram óculos escuros, quando ela olhava o quiosque.

Construir marca é você lançar uma coleção e trazer o Iggy Pop para a São Paulo Fashion Week, para quebrar os óculos gigantes, e a sua marca estar atrás, de ponta-cabeça.

Várias vezes você vai precisar ter estômago para não colocar o produto ali. Acabei de dar uma bronca agora porque eu quero mais conceito. Claro, o comercial quer que coloque mais produto, então, é uma briga.

Mas construir marca é você ter o sangue frio de valorizar a sua marca, e muitas vezes não colocar o produto e não ter retorno naquele momento, e sim lá para a frente.

A Chilli Beans tem muitas campanhas ligadas a artistas. O conhecimento que você tinha lá atrás como músico ajudou nos contatos que tem hoje?

Costumo falar que óculos escuros e rock and roll combinam muito. Os pilares de investimento de marketing da marca, em ordem de prioridade, são música, moda e arte.

Não fazemos nada na mentira. Nenhuma parceria, nenhuma coleção é uma coisa assim: “Vamos fazer isso para vender”. Fazemos porque gostamos.

Por exemplo, lançamos uma coleção dos Beatles. Eu amo os Beatles. Homenageamos Cazuza e Legião Urbana. Tenho amor absurdo. Anitta, eu tenho uma admiração pelo produto dela, pela história dela, pela música.

Moda. Meus amigos que começaram no Mercado Mundo Mix –Marcelo Sommer, a galera da Semana de Moda, Casa dos Criadores, Isabela Capeto– essa galera são meus amigos, tenho admiração por eles. Ronaldo Fraga. A gente começou junto. Então, não é uma relação artificial.

O terceiro pilar: arte. Fizemos coleção com o Kobra, com Doze Green, que é um dos principais criadores da arte de rua. Eu admiro.

Quem compra seu produto sabe disso? Dá importância para isso? Ou acaba sendo só um detalhe?

Os dois. Você faz coleção que o consumidor fala: “eu vim por causa dessa coleção”. E tem outra coleção que você faz, e a pessoa não tem a menor ideia. Aí temos o lado da informação.

A marca informa, enriquece e ensina as pessoas. É obrigação da marca dizer: “deixa eu te apresentar esse artista? Por causa disso, disso, disso, esse cara é legal, esse cara é bacana”.

Ou vou fazer uma coleção de uma coisa de que você gosta ou vou informá-lo sobre uma coisa que você não conhece, mas que você vai ficar conhecendo via Chilli Beans. Isso é muito importante para nós.

Marcelo Justo/UOL e Arte/UOL

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