UOL - Há grande desistência entre alunos de cursos de línguas. Por que acontece isso?
Arthur Bezerra - O pensador Edward O. Wilson tem uma frase que adotei como mantra: estamos numa bizarra combinação de emoções pré-históricas, com crenças medievais e uma tecnologia quase divina. Estamos vivendo essa revolução digital, e esse é o contexto em que estamos com muita angústia, porque o cérebro não está conseguindo acompanhar o desenvolvimento tecnológico.
Temos o seguinte cenário no Brasil: menos de 3% dos nossos conterrâneos têm alguma proficiência no idioma inglês. Fizemos uma pesquisa que mostrou que 73% dos jovens adultos, de 18 a 35 anos, nas cinco principais cidades brasileiras, têm educação como um objeto de desejo.
São principalmente jovens de classe A a C que disseram "nosso sonho de consumo é a educação", nominalmente uma graduação e uma segunda língua, e essa segunda língua naturalmente é o inglês, que é a língua franca do mundo. E eles disseram "eu quero aprender inglês", e perguntamos como? E a resposta foi "presencialmente".
Imaginávamos que para essa faixa etária já haveria uma propensão maior para o e-learning, o autoacesso, ensino a distância. Não estamos no meio da revolução digital, e os jovens não deveriam estar completamente engajados nisso? A gente percebe que há um timing para essa transição entre uma aula totalmente presencial e uma aula totalmente a distância.
Sabemos que a revolução digital vai nos impactar a todos, mas não sabemos a velocidade exata e não sabemos como.
Essa pesquisa revelou as razões de as pessoas ainda preferirem, mesmo os jovens, a aula presencial?
Fizemos algumas perguntas exploratórias, mas posso lhe dar algumas razões embasadas não só pela nossa pesquisa, mas pela nossa vivência no Brasil em 105 anos de Berlitz, e eu na área de educação há mais de 20 anos. Acredito que o primeiro elemento seja cultural.
Independentemente do corte geracional, ainda somos criados com um padrão educacional muito tradicional. Nós temos a aula expositiva, temos ainda um professor que, no geral, sabe tudo, e o aluno fica numa posição mais passiva. Os pais esperam que o filho faça prova, que memorize, que tenha uma certa gama de conhecimentos.
Os pais dos alunos são muito tradicionais, os alunos crescem nesse sistema ainda muito tradicional. É impossível imaginar que, quando ele chegue à fase de universidade ou ingresse no mercado de trabalho, vai virar uma chave e ficar totalmente tecnológico. O cérebro não está acompanhando, e também o padrão de criação e o sistema educacional ainda são muito arcaicos.
Se olharmos uma foto de uma sala de aula no ensino tradicional atual e compararmos com uma foto de cem anos atrás, é muito parecida. Então, por que eu acho que o brasileiro sofre tanto para adquirir uma segunda língua e por que essa pesquisa confirmou que os jovens preferem uma aula tradicional?
Há um elemento cultural, o brasileiro gosta de personal trainer, gostamos de ter, quem pode, uma empregada doméstica, um personal stylist. Nós somos um povo "high touch", brasileiro gosta de contato, gosta de estar com os amigos no barzinho, na hora do almoço. Se ele puder, vai preferir ter uma aula guiada.
O segundo ponto é que não temos uma tradição do “do it yourself” [faça você mesmo], da bricolagem. Essa questão da disciplina para o autoestudo. Para o aluno do e-learning, nós damos a guide line, a base. Se você tem esse objetivo e está nesse nível de desenvolvimento e proficiência, você tem de estudar, por exemplo, quatro horas e meia por semana. Então se organize.
Quem efetivamente, por mais modernas que sejam as ferramentas, por mais onipresentes no tablet, celular, em qualquer aparelho, quem tem essa disciplina de se organizar e fazer as quatro horas e meia por semana? Então nós temos um problema cultural, um problema de disciplina, e essas são as razões principais para esse grau de dificuldade.
E por que o adulto sofre para aprender? Vou tentar desmitificar uma coisa. Tecnicamente, o inglês é uma língua fácil de ser aprendida por um brasileiro. Linguistas comprovaram isso.
Um trabalho feito pela Unicamp mostra que, no ranking de aquisição de idiomas por parte de um brasileiro, o inglês está no nível mais fácil junto com o espanhol e o romeno.
Tecnicamente, é uma língua que deveria ser de baixa aquisição, então por que não aprendemos? Acho que uma das razões se deve ao timing, idealmente nós deveríamos estudar essa língua na infância ou na adolescência, e essa não é a realidade do Brasil porque muitos de nós não tivemos acesso a um curso de idioma ou até a um programa sólido de inglês no colégio.
Então você tem que compensar esse gap [buraco] na fase adulta. Mas na fase adulta o "HD" [o cérebro] já está sobrecarregado. Vivemos um contexto de muita angústia, de muito imediatismo, e todas essas coisas entram no jogo. Você tem um aluno que é extremamente ocupado, ele estuda e trabalha, ele é angustiado, imediatista e muitas vezes procura uma metodologia que não é adequada.
E qual a responsabilidade das escolas em melhorar isso?
As escolas precisam ter [um papel]. Se a língua é tecnicamente fácil de ser adquirida e estamos com problema de timing, metodológico, acho que as metodologias precisam estar cada vez mais disponíveis, multiplataformas, para que o aluno tenha pelo menos o complemento em qualquer lugar e qualquer tempo, e as metodologias precisam ser mais relevantes.
As escolas precisam parar de formar professores e formar comunicadores. O executivo, o jovem que ingressa no mercado de trabalho quer se comunicar, quer arrebentar numa apresentação, quer poder responder a um e-mail com clareza, quer poder participar de uma negociação. É isso que ele quer, ele precisa desempenhar.
Na escola, o nosso papel é preparar esse executivo para o mundo globalizado, ter um conteúdo relevante que esteja disponível em qualquer lugar a qualquer momento, por meio de qualquer plataforma.
Entendemos que a comunicação não passa só pela proficiência, mas também pelo entendimento cultural. Com quem você está negociando? De que país? De que região? Que tipo de corporação é? Americana, europeia ou chinesa? Como fazer negócio com esses países, qual a linguagem falada e não falada, qual a postura?
É nosso papel fazer com que ele consiga se comunicar com propriedade, mas esteja muito bem preparado para entender as nuances na parte de perguntas e respostas, quando houver uma troca mais intensa, quando as emoções ficarem mais acirradas e isso afetar a cognição dele. Como é que ele se prepara para esse momento, para que possa ser mais produtivo e tenha um desempenho à altura do cargo e da sua capacidade?
Mas onde você acha que há falhas e que precisam ser corrigidas ainda? Qual a responsabilidade do aluno e do curso?
As escolas estão tentando sair de uma metodologia na qual o aluno dispunha de muito tempo para projetos mais customizados e mais céleres. Senão o consumidor vai buscar outras alternativas ou vai continuar, infelizmente, convivendo com insucesso. Começa e para. O turn over [desistência de alunos] é muito alto.
No geral, a média de turn over no mercado é de quatro a seis meses. No Berlitz, temos uma taxa de persistência do aluno de 1,5 ano a dois anos. Então, em um ano e meio, se você pega um adulto ou um adolescente que é muito rápido no aprendizado, em um ano e meio você consegue fazer um belo desenvolvimento com esse profissional.