UOL - O mercado brasileiro tem preconceitos contra algumas marcas de carros?
Ana Theresa Borsari - Todo mercado acaba formando suas próprias ideias sobre diferentes marcas. Não vejo nada no Brasil de particular em relação a outras partes do mundo, só mudam as marcas e o tipo de visão. O que acontece no Brasil é que o brasileiro ama automóvel, e o automóvel para o brasileiro tem uma dimensão muito maior do que em outros países europeus, até porque o esforço financeiro para a aquisição de um automóvel no Brasil é muito maior do que lá fora.
Então, é muito mais relevante esse nível de investimento para a cabeça do brasileiro, e ele tem no automóvel ainda um símbolo de status, de realização pessoal. Ele quer demonstrar pelo veículo qual status ocupa.
Carros franceses são vistos de maneira diferente no Brasil em relação a Argentina e Uruguai, por exemplo, onde são mais presentes?
Acho que a imagem tem a ver com a história. A Peugeot está presente na Argentina há 70 anos, então possui uma história quase centenária lá, e tem uma história bastante recente no Brasil [primeira fábrica aqui é de 2000]. Então é claro que a imagem tem a ver com a história e o período vivido naquele país.
Você concorda com a imagem, comum no mercado brasileiro, de que os carros franceses, Peugeot e Citroën são preferidos pelas mulheres?
Talvez no passado, especificamente no caso do C3 ou talvez do 206, ainda poderia. Mas hoje em dia, acho que não. Isso já acabou, e não tem muito a ver com a nacionalidade da marca, acho que tem mais a ver com o perfil do produto e das pessoas que gostam e acabam se apaixonando por eles.
O que acontecem nos nossos carros é que são mais equipados, e as mulheres gostam de níveis de equipamentos mais elevados. Talvez venha daí esse perfil de gosto feminino.
Os homens não ligam para esses detalhes?
Vem acabando essa coisa de o que o homem gosta ou a mulher gosta. É mais o perfil mesmo da pessoa que está comprando. Hoje em dia na nossa sociedade não existe mais essa diferença. Antigamente se falava de fazer uma série especial feminina, mas essa coisa já está ultrapassada.
Por que os homens não gostariam de comodidades?
Acho que era mais preconceito do homem de dizer que gostava desse tipo de coisa, porque no fim das contas todo mundo gosta de conforto, todo mundo gosta de acesso à tecnologia. Acho que a oferta e essa onda de carros mais modernos, produtos mais modernos, que chegou ao Brasil, é muito positiva.
Pouco a pouco o homem vai passando a ter menos vergonha de dizer que gosta de ter acesso ao conforto, isso também vai evoluindo.
Que características tem o consumidor brasileiro?
A principal tem a ver com o nosso jeito de ser, somos emocionais. O perfil de compra de qualquer produto no Brasil é mais emocional. O brasileiro tem também que se apaixonar de certa forma pelo produto. Por mais que a gente ache que, nos momentos de crise a compra se torne mais racional, o que vale é ele se apaixonar ou não por aquele produto.
O que mais faz o brasileiro se apaixonar por um carro?
Pesquisas de perfil de compra de carro não mudam muito há 25 anos. O brasileiro se apaixona pelo design. Se o carro for feio, ele pode até comprar, mas depois se arrepende, mesmo sendo o melhor carro do mundo. Então, o carro tem que ser bonito. Design é a primeira razão de compra principalmente do automóvel entre homens, mulheres, jovens, mais velhos, de qualquer classe social, de qualquer perfil de compra.
E agora, mais recentemente, sem dúvida alguma é o nível de equipamentos, que é uma coisa relativamente recente. Antigamente era vidro e trava elétricos. Hoje em dia a oferta de equipamentos de tecnologia faz com que isso seja levado em conta na razão de compra.
Será que o consumidor brasileiro está se sofisticando?
Sem dúvida alguma. Não sei se é falta de sofisticação, eu acho que a oferta também era pobre. Existia o conceito -não só de carros, mas de forma geral- de que os produtos vinham para cá mais simples, e mesmo assim vendiam. Isso acabou totalmente.
O brasileiro hoje está 100% conectado, superdigital, mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Estando conectado, quer ter acesso ao que existe de mais moderno e tecnológico para qualquer setor e em qualquer produto. Isso lógico que é favorável para a Peugeot.
Mas o brasileiro é conservador em cor de carro, por exemplo. A Peugeot ousa mais.
Um pouco mais, mas bem menos do que na Europa. A gente é superconservador aqui no Brasil, e acho que ficou ainda mais conservador de uns tempos para cá. Acho que antes de eu sair não era tanto, está ainda pior.
Você vê o cenário automotivo, você sai na rua e vê que é tudo cinza, prata, preto, branco. Há principalmente um conservadorismo nos interiores dos carros. Na Europa, trabalha-se muito o interior, com detalhes coloridos. Aqui não se pode muito ousar no interior. A gente trabalha bastante carros esportivos com interiores mais claros na Europa. Aqui é muito raro você ver isso.
Esse conservadorismo não é contraditório com o gosto por design? Seria medo de desvalorização ao revender?
Acho que tem esse mito da revenda, de ser difícil revender um carro muito exótico. Mas não só, acho que é gosto mesmo. Às vezes a gente faz teste, e a pessoa entra e já acha muito claro. Ela não fala que não gostou porque não vai conseguir revender. Ela fala que não gostou do claro.
Será que um carro com muitas comodidades não é visto como mais "fraco"?
Acho que a robustez não tem mais a ver com o luxo e com o nível de equipamento, e a grande ruptura foi no próprio segmento das picapes. Porque esse segmento é ícone do veículo robusto e talvez hoje seja um dos mais luxuosos do mercado, com todo nível de equipamento, de luxo e de conforto possível para os ocupantes.