Reclama, mas não faz nada

Empresários devem se envolver na política, em vez de só criticar e beber uísque, diz chefe da Cacau Show

Do UOL, em São Paulo
Marcelo Justo e Arte/UOL
Marcelo Justo/UOL Marcelo Justo/UOL

Doce vida

Alexandre Costa, fundador e presidente da Cacau Show, diz que os empresários e as pessoas em geral têm de agir para mudar a sociedade, em vez de só criticar. Ele participou da série de entrevistas UOL Líderes.

Ele conta que começou sua rede de lojas de chocolate fazendo ovos de Páscoa caseiros, afirma que o que é bom não precisa ser caro e diz que o brasileiro está sofisticando seu gosto para o chocolate (assim como já aconteceu com o vinho). Costa também comenta sua participação em programas de culinária na TV e dá dicas para empresários: não aceite "não".

Tem de fazer algo, não pode só reclamar e tomar vinho e uísque

Alexandre Costa, da Cacau Show, diz que o prefeito de São Paulo, João Doria, é um "amigo querido" e afirma que gostaria de "colaborar de forma mais ampla" com a sociedade, mas não confirma nem nega possível candidatura política. Ele diz que os empresários e as pessoas em geral têm de agir, não só reclamar e ficar tomando uísque e vinho. Leia na sequência:

Acho que cada um de nós recebe um dom e que o meu dom, o meu desejo, é colaborar para a evolução das pessoas e causar impactos relevantes na sociedade.

Se eu puder de alguma forma colaborar, fazer a minha parte, não ser só do time que fica rodando taça de vinho e falando mal, se eu puder de alguma forma colaborar como empresário, estou nessa trajetória aqui. Se eu puder colaborar de uma forma mais ampla, por que não, né? 

Tenho como meta de vida realmente ajudar as pessoas a se desenvolverem, que é o que a gente faz aqui na Cacau Show, seja funcionário, sejam franqueados. Criar impacto para a sociedade é o que a gente faz na Cacau Show, pagando mais de R$ 300 milhões por ano em impostos. 

Administrar um país é diferente de uma empresa?

Nesses dias, eu falava com amigos que administrar um país não deve ser muito diferente do que administrar uma empresa. Estive com o [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso] e fiz essa pergunta para ele: "Presidente, mas por que tão poucos empresários que são gestores se motivaram a ir para a política?"

E ele falou: "Ah, Alexandre, é porque as coisas de fato acontecem um pouco mais devagar." Dentro da sua empresa, você vai lá, toma as decisões, põe para acontecer. Na política é realmente um pouco mais lento o processo. Mas, apesar da lentidão, eu vejo o país evoluindo, vejo empresários sendo presos.

O que precisa acontecer é a gente acabar com essa sensação de que a lei não é para todos. Não, a lei é para todos, não importa a cor, o nível social, intelectual ou financeiro. Fez errado, tem que pagar o preço. E a gente está vendo isso. Está vendo o Sérgio Moro e toda a equipe lá de Curitiba. Tenho amigos em Brasília também nessa área e estou vendo que as coisas estão caminhando. Nunca foi dessa forma.

É com a velocidade que eu gostaria que fosse? Não, não é. Realmente, é numa velocidade menor. Agora, é mais fácil reclamar do que fazer. Ninguém quer ir para a política. Talvez agora, com o Doria, né? Querido amigo. Há dez anos eu falava com ele, em um voo para Mendoza [na Argentina]: "Pô, Doria, quando é que você vai entrar na política?" Ele falou que depois dos 50.

Ele tinha esse desejo de fazer as coisas. E eu acho muito legal, muito importante que outros empresários tenham esse desejo, porque administrar uma cidade, um Estado ou um país deve ser muito parecido com administrar uma empresa. Você tem receita, tem despesa. Agora, criar as regras não é uma coisa muito simples, dialogar com a sociedade.

Há uma certa morosidade, o governante tem muitas amarras para fazer as coisas acontecerem. Mas a minha visão é otimista, é uma visão de que as coisas estão evoluindo e de que nós empresários, a sociedade civil, precisamos nos envolver com política.

O político é um funcionário do povo. O que é o presidente da República se não um funcionário de todos nós, que pagamos impostos? Ou o prefeito, o governador?

Acho que falta um pouco dessa consciência do coletivo para o brasileiro. Parece que o parque não é seu. O parque é seu. É uma propriedade do Estado, e o Estado somos nós, o Brasil somos nós.

Agora, nesse impeachment, o povo foi para a rua. As pessoas estão cada vez mais entendendo um pouco do papel delas na sociedade, e eu sou muito otimista em relação ao futuro. Não é de um dia para o outro, mas acho que tem uma baita luz no final do túnel, e a gente precisa fazer parte. Não dá para ficar só aqui falando, tomando uísque, tomando vinho e metendo o pau. Não, tem que ajudar. Se cada um fizer sua parte, a gente vai ter um país melhor.

Brasileiro está ficando mais sofisticado

Brasileiro se sofistica no chocolate, como no vinho e no café

O consumidor no país está tomando gosto por chocolates menos doces, com sabor mais intenso. Alexandre Costa, fundador e presidente da Cacau Show, fala a seguir sobre essa mudança:

Há uma coisa muito interessante acontecendo com o chocolate muito similar ao que aconteceu nos anos 80 e 90 com o vinho. As pessoas tomavam só um tipo de vinho doce e foram se sofisticando, entendendo os tipos de uva que existem, os terroirs, e a coisa foi evoluindo.

O mesmo acontece com o café. As pessoas também tomavam o café completamente doce; hoje em dia, muita gente já toma café sem açúcar. E a gente vê que no chocolate tem essa tendência também.

Hoje a Cacau Show tem uma oferta muito grande de produtos, desde chocolate branco -que não tem massa de cacau, só tem manteiga de cacau- até a intensidade de 85% da linha Bendito Cacao, que realmente é um chocolate bastante intenso.

As pessoas querem cada vez mais conhecer o produto, saber o que estão comendo. Elas não querem mais trocar dinheiro por produto, querem trocar dinheiro por experiência, dinheiro por conhecimento.

O brasileiro gosta, sim, mais de chocolate ao leite, um pouquinho mais para o doce. Mas as linhas de mais intensidade têm crescido bastante aqui para a nossa empresa. O cacau tem vitamina A, vitamina E, tem muitas coisas importantes, ajuda na produção de colágeno, tem serotonina, ajuda muito essa coisa de as pessoas terem a sensação de felicidade, é um produto incrível, e quanto maior o conteúdo de cacau, mais a gente pode proporcionar esses momentos deliciosos para o consumidor.

Redução de açúcar é importante para cuidar da saúde

Acreditamos que um dos segredos da felicidade é você ter equilíbrio, seja nas relações com a esposa, filhos, com os colaboradores, com a sociedade, com o meio ambiente, como também na alimentação.

Hoje temos nos nossos produtos um teor de açúcar menor do que a média do mercado, por volta de 30% a menos. É o caso de [da linha] laCreme: enquanto o chocolate de mercado tem 50%, 55% de açúcar, o laCreme tem 36% de açúcar. Enquanto o mercado tem um chocolate com leite em 12%, 13%, em média, o laCreme tem mais de 30% de leite.

Estamos preocupados em oferecer um alimento delicioso, mas feito com consciência, com equilíbrio dos ingredientes. Temos chocolates sem açúcar, sem lactose, sem glúten. Trabalhamos muito com todas as possibilidades de público para atender a todos.

Coisa boa não precisa ser cara

Mães não entravam na loja com filhos porque pensavam que era cara

O visual das lojas de chocolate assustava as pessoas mais simples e foi preciso reverter essa imagem, diz o fundador e presidente da Cacau Show. "Elas acham que não podem pagar". Para ele, o que é bom não precisa custar caro. Veja mais sobre o assunto abaixo:

Quantas vezes eu já passei na frente de uma unidade nossa e vi mães e filhos não entrando na loja, olhando aquela fonte deliciosa de chocolate, e a mãe falando: "Não, filho, a mãe não tem dinheiro para comprar chocolate aqui". Em 100% das vezes eu reverti esse quadro.

Está na cabeça das pessoas o paradigma de que, por ser uma loja de chocolates, sofisticada, bonita, é cara. Todas essas pessoas entraram na loja, consumiram e viraram nossas clientes, porque a gente conseguiu dar o salto, conseguiu virar a chave: é delicioso, tem qualidade, é bonito, tem experiência e é acessível.

Mostrar que não é caro é uma preocupação. Há 15 anos, quando inauguramos uma loja no shopping D, aqui em São Paulo, a loja não ia bem. E nós fomos entender. Fui lá, conversei com as pessoas, e elas falaram que tinham medo de entrar. Colocamos os preços na vitrine. Pronto, a loja virou um sucesso. Começamos a panfletar, mostrar o preço das trufas, que era R$ 1 na época. Explodiu de vender, fez fila.

Hoje, os nossos equipamentos fazem 3.000 trufas por minuto. É tecnologia que nós desenvolvemos na Suíça, na Bélgica, equipamentos que não existiam, que fabricavam uma coisa, fabricavam outra, e eu disse: por que não juntar?

Coisa boa não precisa ser cara

Uma vez li uma reportagem do [designer] Phillipe Starck que diz que a forma de você ser mais sofisticado é ser acessível.

Por que essa coisa de sofisticado é para poucos? As pessoas adoram o que é bom. Elas não têm dinheiro para comprar. Por que não propor um modelo de negócio no qual você possa "acessibilizar" a qualidade para todo mundo?

Quando você tem volume, você "acessibiliza". É como acontece com a tecnologia. Lembra quanto custava um celular, quanto custava um chip de computador? Estive recentemente no Vale do Silício (EUA) e visitei uma escola muito bacana, a Singularity, e eles mostram quanto custava, por exemplo, um chip de computador 50 anos atrás e quanto custa hoje. Quanto custava para fazer uma tomografia e quanto custa hoje. Quanto custava para fazer todo o sequenciamento do DNA humano.

O volume gera redução de custo. Essa sempre foi a minha tese. As pessoas sempre gostam do que é bom, mas não têm dinheiro para comprar. Então, vamos atender muita gente, você abaixa custo e "acessibiliza".

A gente realmente conseguiu encontrar essa equação de qualidade com preço acessível, com preço justo. Eu acho que é muito contemporânea, é muito moderna essa equação. É o que a Zara faz, é o que outras marcas tentam fazer hoje.

Dicas para ser um bom empreendedor

A Cacau Show é assim

  • Fundação

    1988

  • Funcionários

    2.000 (diretos), 8.000 (indiretos)

  • Número de lojas

    2.050

  • Faturamento em 2016

    Indústria: R$ 1 bilhão; indústria + varejo: R$ 2,7 bilhões

  • Faturamento previsto em 2017

    Indústria: R$ 1,2 bilhão; indústria + varejo: R$ 3,5 bilhões

  • Modelo de negócio

    Há seis modelos de negócio: microfranquia de distribuição, microfranquia gelateria Cacau Show, microfranquia chocolateria Cacau Show, loja convencional, quiosque e loja smart

Começo com dona Cleuza, dos ovos de Páscoa caseiros

O fundador e presidente da Cacau Show, Alexandre Costa, conta que o começo da empresa foi com uma senhora que fazia ovos de Páscoa caseiros, revela a influência da moda nos chocolates, comenta sua participação em programas de culinária na TV e dá dicas para empresários: não aceite "não" como resposta. Leia a seguir:

Minha mãe começou esse negócio. Eu tinha 14 anos. Ela desistiu porque vendeu muito chocolate, e o fabricante não conseguiu entregar –ela tinha também outras linhas de produtos, a Cacau Show era só um dos catálogos dela. Havia lingeries, roupas de frio, utensílios domésticos etc.

Depois de três anos, eu fui recomeçar. Fui vender ovos de Páscoa. Procurei um fabricante nas páginas amarelas –o avô do Google–, fiz os preços, coloquei as revendedoras para vender os chocolates. E cometi um erro no de 50 gramas, porque eu coloquei no catálogo, na tabela de preços. Vi que o ovo de meio quilo era a metade do preço do de 1 kg do fabricante, e pensei: o de 50 gramas deve ser uma proporção.

No dia de fazer o pedido, o fabricante falou que não tinha. E como é que eu não ia entregar os ovos de 50 gramas? Eu me virei e encontrei a dona Cleuza [Trentin, que fazia ovos de Páscoa caseiros].

Eu tinha 17 anos, peguei um motorista da empresa dos meus pais e fui procurar de atacado em atacado quem pudesse me vender, me ajudar com os 2.000 ovos, porque eu não queria que meu primeiro empreendimento não desse certo, até porque eu era o mais novinho da família, tinha essa coisa de querer fazer direito.

Encontrei a dona Cleuza, e ela me ajudou. Falou: "Filho, compra as barras, as embalagens". Fui pedir dinheiro para o tio Valdir, US$ 500, troquei pelo dinheiro da época, peguei o chocolate, fui para casa da dona Cleusa e, em dois dias e uma noite, fizemos os chocolates, entreguei tudo e aprendi uma profissão.

Foi aí que eu falei: "Espera aí. Por que o chocolate fino é 30 vezes mais caro do que um chocolate normal? E se vender só por três vezes mais, será que não dá?" E foi aí que encontrei o segmento, que é o segmento de acesso, com qualidade artesanal, feito com carinho, e isso que realmente tem sido a felicidade e a construção toda dessa minha vida, da minha família.

Até tendência de moda é observada para lançar chocolate

Temos investido não só em chocolate, mas, de uma forma mais ampla, em gastronomia e também até em moda. Lançamos o Choco Street, que é uma barra de chocolate com cores e sabores distintos, muito inspirada nessa nossa relação com o [grafiteiro Eduardo] Kobra, com a street art, isso tem muito a ver também com as tendências de moda.

As cores da nova coleção das embalagens foram inspiradas no que a gente está vendo que vão ser as cores na próxima moda. O design da embalagem é algo muito importante para o nosso negócio: hoje, praticamente metade do que a gente vende são presentes e metade, para consumo.

O presente precisa ter esse valor agregado, e a arte e a moda realmente nos ajudam a agregar mais valor para a marca.

Presença constante em programas de culinária

Já fui convidado para apresentar programa de TV, mas realmente não existe agenda disponível. Eu tenho que tocar uma empresa de 10 mil pessoas –são 2.000 nas nossas fábricas e 8.000 no varejo. Estes não são nossos funcionários, são funcionários dos nossos franqueados, mas a gente costuma dizer que são funcionários do sistema. Então, definitivamente, não há agenda para isso.

Agora, em todos os programas de que tenho participado, sou convidado para dar aula sobre chocolate. E é muito interessante. A chocolateria é uma arte, é algo realmente bastante delicado e complexo. Trabalhar com chocolate, a precisão de temperatura, a precisão de tempo, é diferente de trabalhar com a confeitaria normal e também diferente de trabalhar com a gastronomia como um todo. Tem sido uma delícia participar, é muito bom ver chefs renomados, os próprios apresentadores, que, no intervalo, vêm me perguntar coisas.

As pessoas têm cada vez mais reconhecido a Cacau Show como uma especialista de chocolates desde o cacau –e nós temos fazendas de cacau, e muitas pessoas não sabem de onde vem o chocolate, nunca viram sequer um fruto do cacau. É uma delícia para mim poder ensinar, falar sobre todo esse processo, seja para um telespectador que não conhece muito, seja até para chefs renomados que também não têm muita profundidade nesse tema.

Dica para empresário: não aceite "não" como resposta

Há muita gente que só sabe fazer as coisas contratando consultores. Ok, nada contra, acho que é bom ter consultores, mas você também tem que procurar. O primeiro contrato da Cacau Show de franquia, nós procuramos na internet, encontramos lá um modelo e fizemos. Não tínhamos dinheiro para pagar um ótimo advogado.

É delicioso você ter problema. Eu digo que uma empresa é um jogo de adulto. Você tem o mercado, os seus recursos, tem que ver como é que você atende o desejo, como encanta o consumidor. O papel de um empresário é satisfazer vários "stakeholders" [participantes, parceiros]. Não adianta mais pensar só no acionista, porque se o acionista estiver feliz e o cliente não estiver feliz, amanhã o acionista vai estar infeliz, porque o negócio não vai crescer.

Não adianta deixar o cliente feliz e o funcionário não feliz, o colaborador não feliz, porque ele não vai ficar lá. Ou fazer tudo isso e degradar o meio ambiente, ou não ser justo com a sociedade, com os impostos. A gente tem que tentar fazer tudo isso de uma forma muito equilibrada. Esse é o trabalho do empreendedor: fazer todos esses "stakeholders" satisfeitos.

Está difícil para todo mundo, cada um tem que encontrar seu caminho. E a boa notícia é que existem caminhos, só que a gente tem que começar não aceitando o não como resposta.

Marcelo Justo e Arte/UOL

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