Corrupção afasta progresso

Se não fossem os escândalos, empresa teria investido ainda mais no país, diz CEO da Philips no Brasil

Do UOL, em São Paulo
Simon Plestenjak/UOL e Arte/UOL
Simon Plestenjak/UOL Simon Plestenjak/UOL

O CEO da Philips no Brasil, Renato Garcia Carvalho, diz que a empresa confia no Brasil, decidiu fazer uma fábrica nova bem no meio do impeachment da ex-presidente Dilma, mas que a corrupção faz as empresas investirem menos aqui por causa do risco maior. Ele deu entrevista na série UOL Líderes.

A Philips largou TV e som e agora foca em saúde. Ele vende equipamentos a hospitais, mas diz que só tecnologia não melhora a vida das pessoas e que o Brasil não tem plano de saúde, mas de doença. Afirma que prevenção é fundamental e o setor privado tem de fazer sua parte. Na carreira, lembra aos jovens que sucesso demora, não é como like do Facebook.

País corrupto tem mais risco, e empresas querem garantia

O CEO da Philips no Brasil, Renato Garcia Carvalho, diz que a empresa está há 93 anos no país, confia nas instituições, continua crescendo e vê um futuro melhor para os brasileiros. Em janeiro deste ano, no meio de turbulência política e econômica, inaugurou uma fábrica de equipamentos médicos em Varginha (MG), num valor estimado em R$ 20 milhões. Mas ele diz que corrupção faz as empresas investirem menos aqui por causa do risco maior. Leia a seguir o que ele diz sobre isso:

O Brasil infelizmente não está no mesmo patamar de países do primeiro escalão da Europa, EUA [no combate à corrupção]. Indiretamente isso atrapalha a gente no dia a dia porque quando você faz um investimento, você espera um retorno, e quando você tem um país com índice de corrupção alto ou um país com instabilidade política e econômica alta, você espera um retorno maior porque você tem um risco associado. Então na prática isso impacta a gente todo dia.

Se não fosse a corrupção, se não fosse a instabilidade política e econômica, a gente já teria feito mais investimentos ainda

A gente vai comparar um investimento e vê que o retorno é X. Mas como o Brasil está num grupo onde há mais risco, o retorno esperado é maior.

"Brasil é estratégico, e empresa acredita no país"

A América Latina é importante para a Philips, o Brasil é o país mais importante da América Latina. A gente vem conseguindo superar muitas dessas adversidades. Os empresários dizem que está ficando mais fácil fazer negócio.

A gente vê que, independentemente de preferências ou predileções partidárias e como as coisas acontecem, algumas decisões estão indo no caminho correto. A gente acredita no Brasil. Entendemos que é um momento complicado, mas que está sendo uma transformação importante, tanto do ponto de vista social, quanto político-econômico.

Nova fábrica mesmo com impeachment de Dilma

Acabamos de inaugurar uma fábrica em Varginha (MG). Foram cerca de R$ 20 milhões em investimento. O ano passado teve o impeachment, e estávamos tomando essa decisão. A fábrica faz desde produtos de consumo que ajudam na prevenção de doenças até uma ressonância ou uma tomografia.

E a gente tomou essa decisão faltando algumas semanas para a questão do impeachment e fizemos. Há mais planos, a gente voltou a analisar aquisições, que a gente tinha parado, e eu acho que isso é um bom sinal. Entendemos que o pior passou, e a gente está começando a sair desse grande problema vivido em 2015 e 2016.

O Brasil está passando por uma grande transformação, e a gente confia que é uma transformação positiva. A gente sabe dos riscos [de investir] no curto prazo, mas nós temos certeza do longo prazo

Evitando doações de equipamentos

Infelizmente temos esse desafio nacional [de corrupção] em qualquer área, gente boa e gente ruim tem em todo lugar. Não é privilégio de um setor ou de um país. Em alguns negócios, a gente não participa porque sabe que há mais chances de acontecer alguma coisa errada.

Você recebe todos os dias pedido de doação. Prefeituras, governos, no Brasil inteiro. Na medida do possível, a gente tem de ajudar. Mas, em 99% dos casos, a gente acaba não doando. Por quê? Porque por mais que a gente faça a coisa certa, vamos supor que a gente faça uma doação para a prefeitura x, e em dois meses sai uma licitação dessa prefeitura x e você ganha. As pessoas podem associar, então a gente prefere não fazer. Normalmente a gente participa de processos globais, com Cruz Vermelha, com Unicef, e aí você a se afasta disso.

Às vezes, dizem para fazer uma reunião sobre uma licitação, mas não vão participar os outros concorrentes. A gente pergunta por que não, e, algumas vezes, não temos respostas, e a gente vê que o negócio vai para outro caminho. Nosso papel é combater isso, tem de começar dentro de casa, dando exemplo.

Há muita gente fazendo a coisa certa, na área pública e privada

Existe no Brasil gente capaz, pessoas que querem fazer a coisa certa, temos grandes executivos, empresas brasileiras aí comprando grandes companhias. Existe gente no setor público que quer fazer a coisa da maneira correta. Na saúde, se a gente de fato trabalhar no começo, meio e fim, sem se preocupar cada um só com a sua parte, tem jeito.

E conseguiríamos prover saúde para os menos abastados. Saúde de qualidade para que a pessoa tenha um atendimento digno. Para isso precisa, não só a força política, mas precisa também o setor privado tomar o seu papel. A gente vem cada vez mais tentando encontrar parceiros que tomem o seu papel, porque é o nosso dever.

A gente vê muita crítica à entidade pública, mas tem de ser o público e o privado. Temos de nos unir e trabalhar em prol de um resultado. E tem jeito. Essa é a mensagem. E estamos provando que é possível

Corrupção reduz investimentos

Brasil tem plano de doença, não de saúde

Uma tecnologia nova e mais cara não significa necessariamente melhora na saúde das pessoas. Quem diz isso é o CEO da Philips Brasil, uma empresa que fabrica equipamentos de saúde. Neste trecho da entrevista, Renato Garcia Carvalho explica por que acha isso e conta a vez que faturou metade do que poderia porque ofereceu a solução certa, e não a mais custosa, para um cliente seu:

Nossa matriz, na Holanda, definiu há pouco tempo que não devemos lançar um produto que não ajudasse a reduzir o custo do sistema de saúde. E é de fato uma quebra de paradigma.

A gente não pode ganhar dinheiro querendo vender uma ressonância mais cara, esse não pode ser o nosso mote. Se eu lançar um produto mais caro, estou melhorando a vida dessa pessoa? Não necessariamente. Por mais que a tecnologia seja melhor

A gente quer melhorar a vida de 3 bilhões de pessoas através da medicina, 170 milhões são da América Latina e metade disso no Brasil.

E foi aí que a gente veio com essa questão do ciclo da saúde. Temos que atuar mais em prevenção, é nossa obrigação.

Eu brinco que a gente não tem plano de saúde, a gente tem plano de doença, a forma como são feitos os planos no Brasil é para quando você tem um problema gravíssimo

Mas como os planos de saúde e a indústria estão ajudando as pessoas a ter uma vida mais saudável, a desospitalizar essa pessoa rapidamente e a voltar a ter esse ciclo? Essa é uma mentalidade muito importante. Temos de lançar produtos que ajudem.

Não tem sentido hoje, no Brasil, eu trazer uma ressonância magnética que vai custar 30% mais caro e que eu não consiga medir como é que isso vai ajudar o plano de saúde ou o paciente. E é difícil fazer essa mudança até culturalmente

Visitei uma clínica em Goiânia (GO) que queria comprar uma hemodinâmica nova. Vi que não precisava trocar tudo, só atualizar. A gente vai ganhar metade do que ganharíamos, mas tenho certeza de que aquela era a melhor solução para aquele cliente. É importante a gente dar esses exemplos. Eu teria vendido ali um produto de US$ 1 milhão, mas precisa ter honestidade e transparência de dizer se você precisa mesmo daquilo. Não é fácil, a gente tem que exercitar isso todo dia.

Só tecnologia não garante saúde

Empresa largou TV e som e agora foca na saúde

TV, som, lâmpadas são produtos associados imediatamente à Philips. Mas a empresa está mudando isso. Desfez-se de marcas e está focada em saúde e bem-estar. O CEO da empresa no Brasil, Renato Garcia Carvalho, fala sobre esse processo:

A Philips ficou muito conhecida no Brasil por diversos produtos. Fizemos discos, depois TV e áudio. Em 2011 mais ou menos, houve decisão estratégica de mudar o foco. Vendemos a unidade de televisores em 2011. Na época, no Brasil, era mais de 50% do faturamento da empresa.

Depois, vendemos a unidade de áudio e vídeo e recentemente a gente fez a separação da empresa de iluminação. Fizemos um IPO [abertura de capital na Bolsa] no ano passado, em vez de só vender para um grande concorrente. Desde o ano passado, já vendemos cerca de 45% das ações dessa empresa de iluminação. Então, na verdade, falta pouco para a gente perder a maioria das ações. E a tendência é essa. Fizemos um acordo de deixar a marca Philips, assim como também ainda tem na TV e em equipamentos de som, cada qual respeitando determinado acordo que foi feito, mas a marca está lá.

Fritadeira de batata sem óleo é saúde

A Philips agora é uma empresa 100% focada em saúde. Tudo que a gente faz, de alguma forma, tem que contribuir para a melhoria da saúde. Seja em prevenção, em que podemos fabricar um produto como uma Airfryer, fritar sem óleo para melhorar a saúde, seja diagnóstico, tratamento, home care (tratamento médico em casa).

Não que seja um demérito fazer um produto A ou B, mas a gente entendeu que produzir uma televisão não estava necessariamente contribuindo para o bem-estar da população. A gente achou menos estratégico isso, ou um rádio. E começamos a diversificar

Parceria público-privada na Bahia

Temos uma parceria público-privada (PPP) na Bahia de que nos orgulhamos. Conseguimos mudar o sistema de saúde para aquelas pessoas.

É difícil mudar a saúde no Brasil, porque ela ainda está separada em silos. É difícil quebrar esses silos porque existem interesses econômicos. Todo mundo está olhando só o seu

Dá para fazer, só que a gente tem que olhar o sistema como um todo, a indústria se colocar como parte do desafio. Se a indústria só quiser vender equipamento com mais alta tecnologia, não vai dar certo. Se o hospital não quiser colaborar com outros hospitais porque vai querer proteger seu paciente e sua marca, também não vai dar certo. Se a operadora de saúde só quiser olhar só o lado dela, não vai dar certo.

Para quebrar isso, a gente teve de oferecer na PPP uma solução completa. Foi um trabalho de anos.

Hoje você tem acesso a equipamentos e a tecnologias no interior da Bahia como se estive no hospital Albert Einstein em São Paulo. E fazendo dinheiro, não é uma doação, não é uma caridade

Existe muito desperdício. Se conseguir no começo, meio e fim baixar esse desperdício, todo mundo ainda consegue ter os retornos esperados, e a gente provê uma saúde melhor para o paciente. Só que essa fase é difícil. Temos de sair do modo de discussão e realmente começar a implementar isso.

Estamos analisando projetos em que possamos ser sócios em hospitais no futuro próximo. Porque só assim se consegue quebrar isso.

Estamos falando de acesso à tecnologia. Hoje você pede um café no celular. Você liga, e o cara já sabe toda sua vida, ele tem um histórico de seu consumo. Se você tiver um problema de saúde, qual o seu tipo sanguíneo? Não tem em nenhum lugar.

Há informações de tudo sobre nós, quanto você tirou de dinheiro, o que você fez, para onde você foi, quais são suas viagens, as fotos estão no mapa, reconhece a face, esse é seu amigo e esse não é, você gosta de comprar esse tipo de roupa.

Mas não dá para saber o seu tipo sanguíneo. Você tem um problema, vai a um hospital na zona sul e se trata. Passou uma semana você teve o mesmo problema, mas você está na zona norte. O médico lá não sabe nada o que aconteceu na zona sul. E isso gera desperdício.

Tudo se modernizou, mas no hospital é tudo antigo. O cara que está a ponto de ter um infarto ainda vai ao hospital, senta naquela fila, pega uma senha e fica esperando do lado do outro que teve uma dor de cabeça. Esse é o nosso sistema, é óbvio que está errado

Como a revolução de tecnologia ajudou a saúde? Ela ainda não trouxe o impacto que teve em redes sociais, em bancos. A gente precisa ajudar a usar a tecnologia da informação em benefício da saúde. Você tem barreiras políticas, regulatórias, não é só um desafio do Brasil, mas isso é inevitável. Assim como a reforma da Previdência, é um negócio que você tem que encarar porque uma hora a gente vai pagar essa conta.

A saúde não é sustentável. Ou a gente começa a usar isso de uma forma eficaz, com todos os recursos que existem, ou a gente vai continuar vendo pessoas morrendo em porta de hospital. E isso não é culpa de um ou de dois, é o sistema que não funciona

Existem exemplos positivos entre empresas. Mas na sua grande maioria você tem o plano de saúde tentando aumentar o preço porque quer ganhar mais. O hospital tem um reembolso desse plano de saúde quando ele presta um serviço, e a forma como o reembolso é feito não necessariamente está ajudando o sistema como um todo. Se você olhar a quantidade de exame de ressonância magnética que é feita versus os casos que de fato precisavam de ressonância, é assustador.

O sistema está fazendo isso, e aí se gasta muito dinheiro onde não se precisa. Por outro lado, em saúde básica, a gente não consegue fazer o que tem que ser feito. Por isso falamos muito em prevenção, em vida saudável. Você tem que evitar que o cara vá ao hospital, tem de desospitalizar rapidamente.

Confiança no futuro do país

A Philips é assim

  • Fundação

    1891; início de operação no Brasil: 1924

  • Funcionários

    1.500 no Brasil, 104 mil no mundo

  • Lucro em 2016

    1,5 bilhão de euros no mundo; não divulga dados do Brasil

  • Principais concorrentes

    GE, Siemens, Toshiba Medical do Brasil, Fuji Medical Systems

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Brasileiro é um dos que mais escovam dentes no mundo

"O brasileiro, segundo pesquisas mundiais, é um dos povos que mais escovam os dentes, mais do que 3 vezes ao dia, em média, o que não é o caso em muitos países da Europa e nos Estados Unidos. É até engraçado esse hábito de voltar do almoço no trabalho e ir escovar os dentes. Para a gente, é absolutamente necessário, higiênico e obrigatório. Não é assim em outros países. Você vai ao banheiro no exterior depois do almoço escovar os dentes, e o cara te olha e pergunta: 'o que você está fazendo com essa escova aqui?'. Estamos trabalhando para trazer soluções, como escovas elétricas, que já temos nos EUA, mas um produto mais adaptável ao Brasil. Aí entra a parte do custo. A gente está desenvolvendo e logo vamos ter soluções mais adaptáveis, neste ano ou no ano que vem. Há estudos clínicos que mostram que a escovação correta e na frequência correta diminui chances de algumas doenças coronárias. A gente pensa em conectar o hábito de a pessoa escovar os dentes, lançar essa informação para o nosso software, e o nosso software montar esse histórico. Quando a pessoa tem uma dor e vai um a hospital com esse nosso software, ele pode ter um atendimento mais rápido do que alguém que está só com dor de cabeça, porque ele pode estar num grupo de risco. E isso seria de conhecimento da equipe que vai atender. É a discussão que a gente tenta fazer para sempre avançar o sistema de saúde."

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Sucesso na vida demora, não é como like de Facebook

"Quando eu era office-boy, fiz curso de datilografia para fazer o teste e entrar. O que eu costumo falar com o pessoal novo é que a gente vive uma cultura de 'instant gratification' (recompensa instantânea). O cara coloca uma foto no Facebook ou no Instagram e fica de cinco em cinco minutos vendo quantos likes ele tem. Ele quer ver um filme, entra na Netflix e não precisa esperar se vai passar na Tela Quente ou em qualquer hora. Ele quer comprar uma comida, entra no celular e recebe daqui a cinco minutos. Mas as grandes coisas da vida demandam tempo, investimento e consistência. Não tem atalho. A gente tem que ter a cultura de que relacionamento, consistência e aprendizado demandam tempo. Então cada vez mais o que eu falo para esses jovens é que a ambição é perfeita, a gente tem que ter ambição e ter grandes sonhos de mudar as coisas. Mas é importante a gente ter consistência, ter perseverança e entender que grandes resultados vêm depois de grandes preparações. As coisas não vêm por acaso. Eu acho que a nova geração está vindo superconectada, inteligente, acesso rápido à informação, os caras aprendem coisas impressionantes, a gente tem que estudar para acompanhar. Se a gente conseguir essa persistência, esse entendimento de que os resultados vêm depois de um investimento pessoal, intelectual, de aprendizagem, a gente tem uma excelente geração para trabalhar no futuro."

Simon Plestenjak/UOL

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