Faturando alto com bitcoins

Conheça as empresas que começaram 'no fundo do quintal' e agora dominam o mercado de bitcoins no Brasil

Téo Takar Colaboração para o UOL, em São Paulo
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Muitas pessoas ficaram interessadas em investir em bitcoins por causa de sua forte valorização nos últimos meses, mas ainda não sabem como, nem onde adquirir a moeda virtual com segurança.

Como a negociação de bitcoins não possui nenhum tipo de controle por parte dos órgãos federais de regulação, como Banco Central ou Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é importante conhecer o histórico e, principalmente, a reputação da instituição que ficará responsável por movimentar seus reais ou bitcoins.

Por essa razão, o UOL decidiu fazer um raio X do mercado de "exchanges", como são conhecidas as corretoras que negociam bitcoins. Você ficará sabendo, em detalhes, quais são as três maiores empresas que atuam no Brasil, como surgiram, quanto movimentam diariamente e, principalmente, quem são os responsáveis por elas.

As três maiores do Brasil hoje

Há cerca de dez empresas atuando como "exchanges" de bitcoin no Brasil, segundo dados do site bitValor, que monitora as transações com a moeda virtual no país.

Três delas respondem juntas por 95% de todo o volume de bitcoins negociado no Brasil: Foxbit, o Mercado Bitcoin e a Bitcoin To You.

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"Reinado" ameaçado

Depois de surfarem a onda gigante gerada pelo bitcoin e de apreciarem seus faturamentos se multiplicando até 30 vezes em apenas um ano, o "reinado" dessas três corretoras pode acabar em 2018.

O crescimento exponencial do bitcoin, tanto em termos de preço como em número de investidores, está atraindo também a atenção de concorrentes do mercado financeiro "tradicional", como bancos e corretoras.

Outro fato que desperta interesse dessas instituições financeiras são as corretagens "gordas". Uma corretora da Bolsa de Valores cobra, em média, R$ 10 por operação, além de R$ 10 por mês pela custódia das ações. Já as "exchanges" chegam a cobrar taxas de até 2% sobre o valor depositado para compra de bitcoins. Uma transação de R$ 10 mil em bitcoins, por exemplo, gera cerca de R$ 200 em corretagem.

Segundo pessoas que acompanham de perto o segmento das "exchanges", pelo menos sete novas corretoras de bitcoins devem surgir no Brasil no próximo ano. A lista deve incluir a XP e a Ativa, duas instituições com tradição na Bolsa de Valores e que também oferecem outros produtos financeiros, como fundos de investimento, CDBs e títulos do Tesouro Direto.

Essas corretoras, por já serem conhecidas do grande público, podem acabar atraindo os futuros investidores do bitcoin, principalmente aqueles mais preocupados com credibilidade e segurança.

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A raposa do bitcoin

A Foxbit faz jus ao nome ("fox", em inglês, significa raposa). Seus jovens fundadores, Luís Augusto Schiavon (na foto), 23, e João Canhada, 25, sentiram o cheiro da oportunidade e decidiram entrar no mercado de "exchanges" no Brasil. O ataque foi certeiro. Com apenas três anos de vida, a Foxbit já é líder de mercado, respondendo por mais da metade das negociações com bitcoins no país.

Guto Schiavon, como é conhecido, conta que a primeira vez que ouviu falar do bitcoin foi em 2011.

Mas não dei muita bola naquela época. Quase não existia material a respeito. E o que tinha era muito técnico, difícil de entender.

Guto Schiavon, fundador da Foxbit

Ele voltou a se interessar pelo bitcoin em 2013, quando a moeda virtual bateu os US$ 1.000 pela primeira vez. Mas se deparou com uma série de problemas. "Comecei a utilizar as corretoras que existiam na época (Mercado Bitcoin e Bitcoin To You) e percebi que elas eram muito lentas. Um depósito demorava quase dois dias para ser aprovado. O mercado ainda era pequeno, eles não tinham muita estrutura e faltava transparência nos negócios."

Sócios se conheceram pelo Facebook

Foi nessa época que conheceu, pelo Facebook, o seu atual sócio. "Ele já era um negociante de bitcoins, o que a gente chama no mercado de 'Peer to Peer' ou 'P2P'. Comprava a moeda de uma corretora e depois revendia para outras pessoas com ágio [lucro]. Assim como eu, ele também tinha dificuldade para operar nas corretoras. Daí pensamos: por que não abrir a nossa própria corretora?"

Apesar do interesse pelo bitcoin, Guto não tinha muita intimidade com a área de tecnologia na época. "Minha formação era na área mecânica." Canhada, por sua vez, era formado em administração.

Além da falta de conhecimento técnico, os dois jovens também precisavam vencer outro desafio: arranjar dinheiro para a nova empreitada.

"Conquistamos dois investidores-anjo, o Felipe Trovão e o Marcos Henrique. Conhecemos eles através do mesmo grupo do Facebook de que eu o Canhada participávamos. Cada um investiu R$ 25 mil e, a partir daí, conseguimos abrir a empresa", conta Guto.

A questão tecnológica foi resolvida por meio de uma parceria com a BlinkTrade, empresa americana especializada em fornecer plataformas para negociação de bitcoins. No final de 2014, a Foxbit iniciou suas operações.

Talvez o lado mais curioso da nossa história é que nós só viemos a nos conhecer pessoalmente alguns dias antes de a empresa entrar no ar. Até então, a gente só se falava e combinava tudo a distância, pela internet. Eu sou de Pompeia e o Canhada é de Mogi-Guaçu [ambas as cidades no interior de São Paulo].

Guto Schiavon, fundador da Foxbit

Da garagem para escritório em São Paulo

Ele conta que a Foxbit funcionou como uma "startup de garagem" por alguns meses ao longo de 2015. "Cada um trabalhava da sua casa. Não tínhamos grana ainda para morar em São Paulo e bancar as despesas de um escritório."

O salto profissional da empresa aconteceu na metade de 2015, quando conheceram Bernardo Faria. "O Bernardo já tinha experiência no mercado financeiro e como empreendedor. Tinha montado a Acesso Card.”

O executivo tornou-se sócio da Foxbit após fazer um investimento de cerca de R$ 400 mil, o que permitiu à corretora finalmente alugar uma sala em São Paulo para que seus cinco sócios trabalhassem juntos. Mas o espaço ficou pequeno rapidamente.

Terminamos 2016 com os cinco sócios e quatro funcionários. Hoje temos 60 funcionários e ocupamos um andar inteiro. E, no ritmo que as coisas estão andando, acredito que vamos começar 2018 com quase 100 pessoas trabalhando aqui.

Guto Schiavon, fundador da Foxbit

Além da necessidade de priorizar o atendimento ao público, a Foxbit teve que montar áreas como qualquer grande empresa financeira: controladoria, marketing, tecnologia e "backoffice" (responsável por cuidar dos cadastros e monitorar a operação da corretora).

Pico de R$ 110 milhões em 29 de novembro

Os números realmente impressionam. O volume financeiro negociado com bitcoins saltou de R$ 1 milhão, em janeiro deste ano, para R$ 30 milhões, em novembro. "Tivemos um pico de R$ 110 milhões no dia 29 de novembro, quando o preço do bitcoin rompeu os US$ 10 mil."

A quantidade de clientes já passou da casa dos 200 mil. Os dois jovens do interior de São Paulo e seus três sócios faturaram R$ 1 milhão em 2016. Neste ano, a cifra deve superar os R$ 10 milhões.

Os próximos passos da Foxbit serão, além de dar conta do crescimento meteórico, oferecer novas moedas virtuais, promover eventos e outras ações de educação para explicar o que é o bitcoin e como investir.

Estamos montando um time de 'embaixadores' pelo país. São pessoas que ajudarão a divulgar o bitcoin nas faculdades e em outras cidades.

Guto Schiavon, fundador da Foxbit

Tradição e polêmica em um mercado recém-nascido

O Mercado Bitcoin é uma espécie de referência para os investidores da moeda virtual, especialmente entre os "mais velhos" –a faixa de idade dessa turma, na verdade, não passa dos 40 anos.

Ele perdeu recentemente a liderança em volume de negócios para a Foxbit, mas ainda conta com a maior base de clientes por ser a corretora mais antiga. São mais de 600 mil investidores, praticamente o mesmo número de pessoas que investem em ações na Bolsa de Valores.

O Mercado Bitcoin foi pioneiro como "exchange" no Brasil. Até então, as poucas pessoas que tinham interesse em investir na criptomoeda eram obrigadas a recorrer a corretoras localizadas fora do país, o que exigia fazer uma remessa internacional de dinheiro.

Outro meio de obter a moeda era procurar brasileiros que já possuíssem bitcoins. Nesse caso, a transação era realizada de forma direta, o que é chamado nesse mercado de "peer to peer" ou "P2P". Embora mais rápida e barata (porque não paga corretagem) do que a negociação via "exchange", o "P2P" tem maios risco de golpe, especialmente se você não conhecer a pessoa com quem está negociando.

O dinheiro sumiu

A empresa surgiu em 2011, pelas mãos de Leandro Marciano César –que não faz mais parte do quadro de sócios hoje–, justamente para atender a necessidade de um público crescente de investidores, que buscavam segurança e maior facilidade para comprar e vender bitcoins no país.

Apesar de inovadora no país, a corretora tinha uma estrutura precária.

Ela não tinha uma empresa constituída. Os depósitos eram feitos diretamente na conta bancária da mulher do Leandro [Marciano César, fundador].

Rodrigo Batista, atual presidente do Mercado Bitcoin

No início de 2013, a corretora suspendeu repentinamente as operações. César alegou, na época, que o site havia sido vítima de um ataque de hackers e que centenas de bitcoins de clientes haviam sido furtados. O problema foi muito semelhante ao que aconteceu no ano seguinte com a japonesa Mt.Gox, caso que ficou conhecido internacionalmente por se tratar da maior corretora de bitcoins do mundo na época.

Clientes do Mercado Bitcoin acusam Leandro César de ter aplicado um golpe. "Paralelamente ao Mercado Bitcoin, ele montou um fundo de investimento em bitcoins e começou a oferecer esse fundo para os clientes da corretora. Esse fundo recebeu um aporte de 2.200 bitcoins (cerca de R$ 2 milhões na época) de um grande cliente e, no dia seguinte, o site caiu e todo o dinheiro do fundo desapareceu", conta um ex-investidor, que preferiu não se identificar.

O caso foi alvo de investigação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que chegou a emitir um alerta aos investidores sobre o fato de o fundo ser ilegal. A reportagem tentou localizar Leandro Marciano César, mas não conseguiu.

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Sob nova direção

Essa página na história do Mercado Bitcoin começou a ser virada ainda em 2013. Em março daquele ano, Rodrigo Batista (na foto, sentado) e Gustavo Chamati (em pé, ao centro) viram naquela crise a oportunidade para ingressar nesse mercado. Decidiram fazer uma oferta de R$ 300 mil para comprar o site de Leandro César, que aceitou a proposta e, logo depois, deixou a empresa.

"Eu já negociava bitcoins desde 2012 e vinha conversando com o Gustavo sobre a possibilidade de abrir um negócio na área. Enxergamos ali a oportunidade e resolvemos comprar o site e reorganizar todo o negócio, torná-lo profissional", afirma Batista.

Passamos a exigir documentação para fazer o cadastro dos clientes. E fomos a primeira 'exchange' no mundo a emitir nota fiscal. Tudo isso causou polêmica na época, já que a principal característica do bitcoin era o anonimato. Mas hoje as pessoas estão percebendo que adotamos o caminho certo.

Rodrigo Batista, presidente do Mercado Bitcoin

Rodrigo Batista e Gustavo Chamati se conheceram na USP, onde cursaram Administração. Hoje com 36 anos, o presidente do Mercado Bitcoin também tem em seu currículo um curso técnico em Processamento de Dados, além de larga experiência no mercado financeiro.

Batista trabalhou no desenvolvimento de ferramentas eletrônicas de negociação (robôs) para os bancos Santander e Morgan Stanley. Já Chamati seguiu carreira na área administrativa, cuidando da estruturação e desenvolvimento de negócios de varejo e serviços nacionais e internacionais.

Eles chamaram mais dois sócios para ajudar a reorganizar o Mercado Bitcoin: Maurício Chamati (irmão de Gustavo), especialista em tecnologia e segurança (na foto, à esq.), e André Oda (à dir.), que era professor de Finanças e Empreendedorismo quando Rodrigo Batista e Gustavo Chamati cursavam a USP.

De 2.000 contas para mais de 600 mil

Hoje, o Mercado Bitcoin movimenta cerca de R$ 20 milhões por dia e permite a negociação de três moedas virtuais: bitcoin, litecoin e bitcoin cash. "Quando assumimos o Mercado Bitcoin, tínhamos 2.000 contas cadastradas. Hoje, estamos como mais de 600 mil. A cada dia, cadastramos entre 3.000 e 5.000 novos clientes", conta Batista.

"Quando fizemos, no ano passado, o planejamento para 2017, imaginávamos terminar o ano com 15 funcionários. Hoje já estamos com 55 e devemos iniciar 2018 com mais de 70 pessoas trabalhando conosco."

Segundo ele, o Mercado Bitcoin faturou R$ 3,2 milhões no ano passado. A expectativa é que, neste ano, a receita supere os R$ 25 milhões. "Estamos investindo pesado em infraestrutura e atendimento para dar conta da demanda. O meu site hoje tem mais visitações do que o site da XP (maior corretora independente da Bolsa)."

Além de aumentar a equipe, a empresa está construindo um escritório próprio.

Hoje ocupamos três andares de um prédio. Vamos para uma sede própria em breve, no estilo Google, para acomodar melhor nossos funcionários e poder atrair novos talentos. Estou tendo os problemas que todo dono de empresa sonha ter.

Rodrigo Batista, presidente do Mercado Bitcoin

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O "nerd" que virou dono de corretora

André Horta, 31, pode ser classificado como um "nerd" clássico. Estudou Sistemas de Informação na PUC-MG, seguiu carreira pela área, até alcançar o cargo de gerente de Tecnologia da Informação (TI) na Fiat, em Betim (MG). Já conhecia o bitcoin desde 2011 e, assim como outros usuários da moeda virtual na época, sofria com as dificuldades de negociar a moeda no Brasil.

Ainda não tinha uma bolsa de bitcoin no Brasil. Você tinha que comprar de outras pessoas. Não tinha garantia nenhuma. Você corria o risco de depositar o dinheiro e a pessoa não transferir os bitcoins.

André Horta, criador da Bitcoin To You

Pouco tempo depois, surgiu o Mercado Bitcoin, mas as dificuldades para negociar a moeda ainda permaneciam. "Quando o site do Mercado Bitcoin veio abaixo, em 2013, decidimos que era hora de montar a nossa própria corretora."

André Horta chamou seu primo Thiago Horta, também formado em TI pela PUC-MG, para criar a Bitcoin To You. "Subimos o site pouco tempo depois de o Mercado Bitcoin sair do ar. Ficamos sem concorrentes durante boa parte de 2013, até que eles [Mercado Bitcoin] voltaram no fim do ano."

Pediu demissão e investiu a rescisão

Inicialmente, a startup funcionava na casa de Horta, como um negócio paralelo. "Quando eu percebi que ela realmente tinha potencial, pedi demissão da Fiat, peguei o dinheiro da rescisão e investi todo na empresa."

Em 2014, a Bitcoin To You passou a funcionar em um escritório em Belo Horizonte (MG). Horta foi atrás de novos sócios e investidores que pudessem ajudar a impulsionar o negócio.

Foi uma fase difícil. Muitas viagens e tempo perdido. O que a gente faturava só dava mesmo para pagar as contas. Desisti de buscar um investidor e tratei de focar na empresa e aperfeiçoar a estrutura tecnológica que a gente desenvolveu.

André Horta, criador da Bitcoin To You

Conforme o bitcoin foi se tornando mais conhecido, a Bitcoin To You ganhou fôlego. Então, André trouxe o irmão mais velho, Alexander Horta, 39, para cuidar da parte administrativa da empresa. "Ele trabalhava na área farmacêutica, mas tinha experiência em estruturar e administrar empresas."

Pico de R$ 15 milhões em 29 de novembro

A Bitcoin To You conta hoje com 30 funcionários e uma carteira de 270 mil clientes, que negociam, em média, R$ 5 milhões por dia.

Tivemos um pico de R$ 15 milhões no dia 29 de novembro, quando o bitcoin bateu os US$ 10 mil.

André Horta, criador da Bitcoin To You

A previsão é encerrar o ano com quase 300 mil clientes. Depois de fechar 2016 com um faturamento de R$ 300 mil, Horta afirma que a receita deverá crescer cerca de 30 vezes neste ano.

Para dar conta do forte crescimento, a empresa acabar de lançar uma nova versão de sua plataforma própria de negociação e faz planos para aumentar a variedade de moedas virtuais oferecidas.

"Já chegamos a oferecer ethereum, litecoin, dash e dogecoin, mas acabamos desistindo. O problema é que algumas moedas são muito instáveis, o que gera riscos para a corretora. Estamos analisando voltar a oferecer o ethereum em 2018."

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