Uma geração pelo caminho

Ganso, Lucas, Oscar e Pato deveriam estar na Copa do Mundo de suas vidas, mas deixaram Neymar "na mão"

Dassler Marques e Leandro Miranda Do UOL, em São Paulo

"De Pato a Ganso": Brasil acabou só com Neymar mesmo

Como em quase toda Copa do Mundo em que não leva o título, o Brasil saiu de 2010 com uma conclusão geral a respeito da eliminação na África do Sul. A palavra-chave para o novo ciclo era "renovação" e estava diretamente ligada ao fato de que Dunga deixou as então sensações Neymar e PH Ganso fora da lista final. Outra ausência sentida na época era Alexandre Pato, já com muitos gols na Itália. 

De olho nesse senso coletivo, a Revista Placar estampou "De Pato a Ganso" como sua manchete logo após aquele Mundial, exibindo como os herdeiros para o futuro. Nessa mesma época, Neymar teve primeiros jogos de destaque com a 'amarelinha' e, meses depois, em janeiro de 2011, encontrou em Lucas Moura um parceiro à altura, coadjuvante perfeito no time campeão sul-americano sub-20. Oscar também cresceu na seleção de base e foi outro puxado por Mano Menezes. O quinteto tinha tudo para dominar a seleção por anos e tinha idade para chegar à Copa da Rússia no auge. 

Ao fim, só Neymar se manteve no nível mais alto e viaja para seu segundo Mundial sem aqueles que deveriam ser seus escudeiros. Oscar e Pato vivem com altos salários na China, mas não passaram nem perto de integrar a lista de Tite. Ganso é a maior decepção recente do Sevilla. Lucas se cansou da reserva na França e tenta recuperar espaço na Inglaterra.

O elo imaginado em 2010 entre os cinco foi perdido. 

Arte/UOL

Protagonistas de um Brasil que não se firmou ao longo dos anos

Em diferentes momentos os quatro assumiram algum tipo de protagonismo em uma seleção em formação. Ganso e Pato, por exemplo, formaram, ao lado de Neymar e Robinho, o primeiro modelo de ataque de Mano Menezes. À estreia animadora contra os Estados Unidos seguiu-se a frustração de ver o meia ter uma lesão grave no joelho, que o tirou de atividade por mais de seis meses. O treinador passou esse período à procura de um substituto, sem sucesso, e a sensação que dava era a de que o jovem camisa 10 estava fadado a ocupar seu espaço na seleção por um longo período. 

O primeiro grande teste, porém, mostrou alguns furos nesta teoria. Em seu segundo jogo na seleção, o então meia santista era titular e uma das esperanças do Brasil na Copa América disputada na Argentina, com Neymar e Pato mais à frente e Lucas já no banco de reservas. O Brasil parou nas quartas diante do Paraguai e o projeto de renovação de Mano Menezes já passava a suscitar dúvidas. 

No ano seguinte, a Olimpíada de Londres foi a gota d'água. Àquela altura, Ganso já não estava no melhor momento e foi banco de Oscar, que surgia como opção de meio-campista após despertar no Inter. Pato, igualmente, também havia perdido espaço para Leandro Damião. O Brasil, independente das Copas, perderia a medalha de ouro de forma dramática para o México, derrota que acabaria por tirar Mano do comando do time.

Com Felipão, só Oscar sobreviveu, compondo o time titular do Brasil durante a Copa do Mundo disputada em casa. Ganso, Pato e Lucas, já em 2014, davam sinais de que não estavam no melhor caminho. 

São quatro nomes importantes que surgiram, como surgem muitos outros no futebol brasileiro. O que também é normal é a gente entender que alguns conseguem atender toda essa expectativa e outros não. Porque a competição é muito grande, ainda mais se tratando de seleção brasileira

Mano Menezes

Mano Menezes, técnico do seleção brasileira no "desabrochar" desta geração

Arte/UOL

No auge das carreiras, Neymar já não tem os coadjuvantes de antes

Revelações em 2011, estreantes em Mundiais em 2014 e protagonistas em 2018. Ney Franco foi treinador deste grupo no time sub-20 e lembra da projeção que se fazia. "Eu particularmente achava que Lucas e Oscar, nessa Copa de 2018, estariam prontos na parte física e técnica. Imaginei que continuariam com uma história na seleção brasileira", conta o treinador, atualmente no Goiás. 

Hoje, Lucas tem 25 anos e Oscar está com 26 anos. Ganso e Pato têm 28. Ganso não atua pela seleção desde 2012, Pato desde 2013 e Lucas e Oscar só tiveram breves chances não aproveitadas no ciclo atual. O principal parceiro de ataque de Neymar é Gabriel Jesus, artilheiro da era Tite e caçula entre todos que vão à Rússia. No vácuo do quarteto que não deslanchou, surgiram novidades como Firmino, Douglas Costa e Fred, além do crescimento de Coutinho.

E por que Neymar foi por outro caminho? Ao contrário de seus contemporâneos, o atacante nunca deu margem para uma mudança de percurso. É o maior protagonista da seleção, foi artilheiro do time de 2010 a 2016 e soma 53 gols em 83 jogos pelo time principal. Para Muricy Ramalho, que trabalhou com ele por mais de dois anos no Santos, a explicação é bem simples.

Ele é gênio, um patamar acima desses outros jogadores. É muito focado no que quer, desde pequeno já preparado para ser isso, para ter uma carreira e ser o melhor do mundo. E vai chegar um momento que vai ser

Getty Images Getty Images

Eles precisam mesmo da seleção?

Se não são o que a seleção esperava deles, Ganso, Pato, Oscar e Lucas também não podem ser chamados de "fracasso" ou algo do tipo. Hoje, os quatro ganham dinheiro com o próprio talento e têm lá sua lista de realizações. A questão é que nem sempre vestir a camisa do Brasil foi o que norteou a condução da carreira do quarteto. Oscar e Pato trocaram a Europa pelo dinheiro do futebol chinês. Lucas Moura e Ganso, encostados em PSG e Sevilla, por muito tempo priorizaram a vida pessoal nas cidades em vez de saírem em busca de novos ares.  

"O jogador consegue, sim, ser realizado sem jogar na seleção", opina Ney Franco. "O Ganso teve uma lesão importante em um momento importante. A partir dali, sempre teve mais dificuldade e não conseguiu confirmar. Lucas é o jogador que, talvez, se esperava uma ascensão mais rápida. Aí tem a ver com o lugar para onde ele foi [PSG], com as escolhas que fizeram para ele individualmente. Talvez, se tivesse ido para outro clube, poderia ter acontecido algo diferente, avalia Mano. 

É o caminho que escolheu Luan, por exemplo. Destaque de uma geração posterior, o gremista descartou uma ida à Rússia para seguir no Brasil e ganhar a Libertadores como craque do torneio. Não vai à Rússia, mas está na "lista B" de Tite e tem tudo para receber mais chances no próximo ciclo. 

"As pessoas que cuidam da carreira deles têm de fazer uma estratégia. Todo jogador sonha em ir para a seleção, então tem de ter um planejamento, saber se se vai aparecer ou não...", diz Muricy. 

Uma transferência para a China (...) é basicamente assumir que sua carreira acabou. Eu quero continuar jogando no nível mais alto o maior tempo possível

Arjen Robben

Arjen Robben, atacante do Bayern, ao recusar uma ida à Ásia na mesma janela de Oscar

Passagem de bastão frustrada afetou

Robinho, 30 anos. Kaká e Adriano, 32 anos. Ronaldinho, 34 anos. Pela idade, todos poderiam ter jogado em 2014 como herdeiros do legado de Ronaldo e Rivaldo, mas encerraram seus ciclos muito antes. Por motivos dos mais diversos, as estrelas que sucederam os heróis do penta não sustentaram suas carreiras no mais alto nível internacional. A responsabilidade do ciclo 2010-2014, então, ficou sobre os ombros de Neymar, Oscar, Lucas, Pato, Ganso...e só os dois primeiros conseguiram chegar ao Mundial do Brasil. 

"Em 2006, eu fui a renovação nos clubes e na seleção. Em 2011, eu já era um dos mais velhos podendo participar com os mais jovens", relembra Elano, um coadjuvante da geração anterior que, na ausência dos craques, foi obrigado a assumir papel de "mentor" dos jovens na Era Mano. 

Desde 2010, quando o quinteto surgiu, a experiência sempre foi uma questão para a seleção brasileira. Neymar e companhia passaram três anos, entre 2010 e 2013, pressionados por não terem vitórias contra campeões do mundo. Na Copa, já sem Pato e Ganso, o Brasil tinha como protagonistas garotos na casa dos 22 anos. Sem o camisa 10 em campo, machucado, Oscar terminou o Mundial como um dos mais abalados após o 7 a 1. 

"A seleção é muito dinâmica, é momentânea. Cada momento que você está presente é preciso sempre estar ganhando, convencendo, para que permaneça. Se o jogador entra e o time não ganha, às vezes a coisa não vai bem pelo contexto, isso acaba pesando. Quando não se conquista na seleção, vai enfraquecendo", analisa Elano. 

AP Photo/Silvia Izquierdo AP Photo/Silvia Izquierdo

Análises destrutivas também cumprem seu papel na queda

A ascensão e queda do quarteto e a ausência de uma passagem razoável de bastão da geração anterior têm um componente em comum: a capacidade destrutiva que um mau resultado possui no dia a dia da seleção. Eliminações em Mundiais, para o país, são sempre sinônimos de grandes rompimentos para o ciclo seguinte. Não por acaso, nenhum treinador que não tenha sido campeão conseguiu ficar mais quatro anos seguidos no cargo. Essa eterna sensação de recomeçar do zero, ao fim de uma Copa, apressou o processo de renovação em 2010, por exemplo.

Assim que a geração da Copa da África saiu de cena há oito anos, Mano deu início a um trabalho e pode se dizer que atirou para vários lados. Foram mais de cem jogadores convocados em dois anos e meio de trabalho, o que ajudou a tirar o quarteto que deveria acompanhar Neymar do caminho. 

"Temos um problema sério de gestão e isso é uma coisa que vem dos clubes. A Alemanha ficou em terceiro lugar [em 2006] e eles queriam ser campeões, mas não saíram do planejamento deles. Continuaram, fizeram uma nova geração, um técnico que estava há mais tempo... No Brasil, se perde não serve para nada", diz Muricy Ramalho.

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O que Tite pensa sobre os quatro

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Pato: "queimado"

A relação distante no Corinthians, em 2013, fez dele uma das maiores decepções da carreira do treinador, que chegou a usar o termo egoísta para Pato no vestiário. Distante, na China, nunca recebeu muita atenção de Tite na seleção.

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Ganso: ilusão

Tite torcia muito para que ele crescesse na Espanha. Em visita ao Sevilla, conversou de forma privada com Ganso e disse publicamente que adorava seu futebol. As chances, porém, não chegaram para o meia, escondido por lá.

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Lucas: escondido

O fato de concorrer por vaga em setor que já tem Neymar, Coutinho e Willian, de certa forma, limitou Lucas. Tite já ressaltou essa dificuldade e os poucos minutos dele no PSG, o que nunca o puseram no radar de alguma convocação.

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Oscar: apagado

Tite gostou quando o viu pelo Chelsea como meia no mesmo 4-1-4-1 da seleção. Mas, ao chamá-lo para sua segunda lista, em novembro de 2016, se decepcionou com a apatia do jogador nos treinos. Chegou a dizer que ele se apagou.

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