Sete homens do 7 a 1

Como personagens marcantes do Mineirão seguiram adiante após a derrota que abalou o futebol brasileiro

Do UOL, em São Paulo*

Belo Horizonte, 8 de julho de 2014

A data em que o futebol brasileiro viveu sua grande catástrofe esportiva, a derrota para a Alemanha na semifinal da última Copa e o inimaginável placar de 7 a 1, ainda é um fardo. Quatro anos depois, renovada em seu comando técnico e no elenco de jogadores, a seleção ainda carrega uma pesada carga emocional. Para alguns personagens, no entanto, o jogo do Mineirão significa mais do que isso: é uma cicatriz para o resto da vida.

O revés sofrido contra a Alemanha marcou a carreira do técnico Luiz Felipe e da maioria dos jogadores que estiveram em ação na capital mineira naquela tarde. O que aconteceu em campo mudou o rumo de carreiras e afetou familiares. Mas boa parte destes nomes conseguiu extrair forças para uma volta por cima e mostrou que, sim, há vida depois do 7 a 1.

Assim como o Maracanazo de 1950 não acabou com a geração de Barbosa e Zizinho, o 7 a 1 não representou o fim de Júlio César, David Luiz, Bernard e companhia. Com a intervenção de esposas, filhos e escolhas profissionais ousadas, os brasileiros de 2014 voltaram à luta.

O UOL selecionou sete personagens emblemáticos do jogo – esta última impressão traumática da seleção em Copas – e mostra como eles seguiram em frente.

Antes de encarar a missão de comandar a seleção pela segunda vez na carreira, Luiz Felipe Scolari era, acima de qualquer outra definição, o técnico do penta. Mas o comandante de 2002 arriscou sua reputação em nome de um novo título mundial e, a partir da goleada sofrida contra a Alemanha, foi obrigado a reformular sua identidade: desde 2014, é também o "técnico do 7 a 1".

A reação imediata à histórica derrota foi de dúvida: após a Copa, Felipão não sabia se voltaria a trabalhar num banco de reservas. Mas, duas semanas depois do Mundial, o treinador recebeu um telefonema do dirigente gremista Fábio Koff, marcando um almoço em São Paulo. "Felipe, o Grêmio precisa de você. E você precisa do Grêmio", argumentou o cartola gaúcho no encontro. Assim, um território teoricamente seguro se apresentava como campo do recomeço. 

O Benfica se encaminhava para a conquista do seu terceiro título português consecutivo em 2016. Naquela altura, por volta de maio, Júlio César recebeu o chamado do presidente do clube para a renovação de seu contrato até metade de 2018. O goleiro decidiu, então, fazer um jantar com as pessoas mais importantes em sua caminhada em Lisboa. Não foram mais do que 20, incluindo a sua família.

Em determinado momento, pediu a palavra, chorou e deu um depoimento que marcou a todos presentes. "Nunca tinha estado tão perdido na minha vida como em 2014", disse na ocasião. Poucos sentiram o 7 a 1 na pele como Júlio César.

Logo após a humilhação contra a Alemanha, o veterano ligou para a esposa Susana Werner e pediu que chamasse os parentes mais próximos para uma reunião que ele havia solicitado ao técnico Luiz Felipe Scolari. Abalado, encontrou forças para discursar na frente de todos na concentração da seleção e anunciar que estava se despedindo do futebol. Para o goleiro, não havia mais sentido continuar sem poder voltar a defender o seu país.

O passo seguinte era viajar a Londres para rescindir o seu contrato com o Queens Park Rangers. Foi, então, que Susana deixou os filhos no Brasil, partiu ao seu encontro na Inglaterra e o convenceu a ouvir as propostas que havia recebido – entre elas, a do Benfica.

O casal se reuniu com o Benfica no Estádio da Luz e chegou a um acordo para assinar contrato. No retorno ao hotel, as lágrimas escorreram no rosto de ambos. Em Lisboa, o goleiro voltou a sorrir, ganhou três títulos portugueses e passou a ser reverenciado pela torcida, que o adotou como o 'Imperador'.

Não foi uma caminhada fácil. O goleiro chegou a ouvir de um companheiro próximo da seleção a recomendação de tratar o drama do 7 a 1 com ajuda de um psicólogo. Ainda hoje, Júlio César enfrenta dificuldades para lidar com o assunto. 

Provavelmente ninguém foi tão marcado pelo rótulo do 7 a 1 como David Luiz. Uma personificação cruel com um jogador que até a semifinal contra a Alemanha vinha sendo um dos principais nomes da seleção na Copa de 2014. Mas, assim como o fracasso de 1990 colou na reputação do ex-volante Dunga, a goleada para a Alemanha em Belo Horizonte passou a acompanhar o zagueiro do Chelsea.

Também naquele ano de 2014, o brasileiro se tornou o zagueiro mais caro da história (quase 50 milhões de euros) ao trocar o Chelsea pelo PSG. Na França, apesar de títulos locais, David Luiz acabaria experimentando oscilações técnicas e ficaria marcado por uma série de dribles entre as pernas num duelo com Luis Suárez, do Barcelona, pela Champions League.

Ajuda do filho do dono do time

Dois anos depois o zagueiro voltou ao Chelsea perdendo valor de mercado, em negociação abaixo dos 40 milhões de euros. O retorno de David Luiz ao time de Londres foi um pedido pessoal do filho caçula do magnata russo Roman Abramovich, dono do clube. O menino Aaron Alexander Abramovich é fã do brasileiro e acabou dando uma força para sua volta por cima.

Na temporada 2016-2017, David Luiz foi eleito o melhor defensor da Premier League e acabou campeão nacional com o Chelsea. Mas, mesmo de novo em alta, teve poucas chances na seleção. Foi convocado por Tite uma única vez e hoje parece correr por fora para voltar a jogar uma Copa. Atualmente, em atrito com o técnico Antonio Conte, tem atuado pouco.

A relação com a crítica também inspirou uma mudança comportamental. Hoje em dia, apesar de manter a persona descontraída nas redes sociais, arrastando milhares de seguidores com selfies e bastidores, David Luiz acabou se tornando uma figura sisuda no contato com a imprensa. Como o Dunga do pós-1990, adotou uma postura defensiva especialmente quando a Copa de 2014 surge como tema.

Dante encarou um desdobramento particularmente doloroso depois do 7 a 1 do Mineirão. Logo após a Copa no Brasil, o zagueiro teve que se reapresentar ao Bayern de Munique, base da seleção da Alemanha. Num primeiro momento, a frieza alemã deu lugar a sessões de gozações, principalmente nas conversas de vestiário.

O atacante Thomas Muller foi um dos companheiros que exagerou. Dante, então, se posicionou com mais firmeza, pedindo uma trégua em nome de respeito profissional. Hoje fora do Bayern, o brasileiro cultiva a amizade com Bastian Scweinsteiger, em relação que resistiu ao constrangimento pós-Copa.

Enquanto esteve na Alemanha, o defensor foi pressionado não apenas nos vestiários. Teve que lidar com um insistente esforço das torcidas rivais do Bayern sobre a memória do jogo de Belo Horizonte. "Eu jogava na Alemanha, né? Imprensa lembrando toda a situação, torcedores adversários também. Foi o momento mais difícil da minha carreira. Fui forte para superar. Eu só não posso deixar essa dor me contaminar até o final dos meus dias. Eu não fico falando dos meus títulos todos os dias. O futebol é uma autocrítica constante", afirmou.

A promessa ao filho

Em 2014, antes mesmo de voltar à Alemanha, o zagueiro teve que lidar com a influência da goleada na vida cotidiana de seus familiares. Os parentes de Salvador sentiam o baque a cada menção a Dante na televisão. Já os filhos mais velhos do jogador vivenciaram tudo de dentro do Mineirão. O pai precisou deixar uma promessa no ar para tranquilizar os meninos.

Hoje, mesmo já distante da seleção, Dante celebra um novo momento de carreira, como figura importante no Nice. Na França, reeditou um bom nível técnico e virou o grande parceiro do italiano Mario Balotelli. 

Cunhado por Luiz Felipe Scolari nos tempos de seleção, o termo "alegria nas pernas" virou uma acusação contra Bernard após o fiasco contra a Alemanha – quando a ex-revelação do Atlético-MG esteve em campo, em substituição a Neymar. Semanas depois do Mundial, o atacante ganhou mais uma definição curiosa: "jogador de Twitter".

Bernard foi duramente criticado por Mircea Lucescu, técnico do Shakhtar em 2014, em razão do atraso na apresentação ao clube após a Copa. Na oportunidade, o atacante publicou fotos em redes sociais e provocou a ira do chefe. O brasileiro alegou que temia voltar à Ucrânia no momento em que conflitos armados pipocavam pelo país.

Mal em sua oportunidade na Copa e atrelado a um episódio de indisciplina, Bernard teve que correr atrás para provar que valia a pena como investimento na Europa. Demorou, mas o ex-atleticano conseguiu virar o principal jogador do time, recentemente elogiado até por Pep Guardiola antes de um confronto com o Manchester City na Liga dos Campeões. 

"Sem dúvida nenhuma, é um dos momentos mais felizes. Voltei a ter aquela alegria de jogar futebol, as coisas estão encaixando. Acho que é o melhor momento que até hoje vivi dentro do Shakhtar", explicou Bernard.

O êxito coincide com a boa fase no amor. A vida pessoal de Bernard também mudou, já que o jogador está namorando a mineira Caroline Primola desde o segundo semestre do último ano. O atacante tem se declarado constantemente à amada através das redes sociais. Recentemente eles passaram férias juntos no Brasil com amigos. 

Houve um tempo em que Maicon desfrutou do status de melhor lateral direito do mundo e comemorou o título da Champions League com a Inter de Milão. Mas, depois da derrota para a Alemanha em 2014, o vigoroso defensor experimentou uma vertiginosa queda profissional. O jogador perdeu, gradualmente, espaço no futebol europeu, foi descartado na seleção, ficou mais de um ano sem atividade e, por fim, voltou ao futebol brasileiro para cair (junto com o Avaí) para a Série B.

Aos 36 anos, sem clube, o lateral vive atualmente em Florianópolis. Com duas Copas no currículo, é frequentemente abordado nas ruas, reconhecido como "o Maicon da seleção". 

Ao contrário da maioria dos nomes presentes em campo no 7 a 1, Maicon ganhou uma oportunidade imediata de retornar à equipe nacional: ainda em 2014, foi recrutado para voltar a trabalhar com Dunga na seleção. Mas, após um episódio de indisciplina durante uma excursão aos EUA, o jogador foi afastado pelo então coordenador de seleções da CBF, Gilmar Rinaldi. Era o fim da trajetória vestindo amarelo.   

Falta de pretendentes

O contrato de Maicon com a Roma expirou em 2016. Depois, nenhuma conversa com interessados prosperou. Multicampeão com a Internazionale anos antes, o lateral encarou o ostracismo. Ficou mais de um ano sem atuar profissionalmente. 

Em 2017, Maicon arriscou sua reputação em um estágio de testes no Botafogo. Foi acolhido no clube carioca para um período de condicionamento físico e contava com a boa vontade do então técnico Jair Ventura, que tinha interesse em aproveitar o veterano. A diretoria alvinegra descartou a contratação, alegando prioridade de trabalho com atletas mais jovens. Semanas depois, o jogador acertou contrato com o Avaí no Campeonato Brasileiro.

"Ele foi visto como um grande atleta, mas já na parte final de carreira. Para o torcedor, ele era o 'Maicon da seleção'. Mas também era o Maicon de 36 anos, que estava há quase um ano e meio sem jogar", descreveu João Lucas Cardoso, repórter do 'Diário Catarinense', que acompanhou o rebaixamento do Avaí para a Série B em 2017.

Oscar foi o autor do único gol do Brasil naquela goleada. Hoje na China, tem consciência de que o destino que escolheu o distanciou da seleção brasileira, mas destaca a oferta irrecusável e a vontade de voltar a defender o país.

"Não tive como recusar essa oportunidade", explica Oscar. "Sei que vir para a China me afastou da seleção, já que não é um futebol tão visto. Todo brasileiro assiste ao futebol. Os jogos da Europa que passam no Brasil são muito vistos. Mas sempre espero ser lembrado, porque sei da minha qualidade, do jeito que jogo. Se estivesse no meu grande nível na Europa, com certeza teria chance de estar na seleção".

Para Oscar, o 7 a 1 ficou no passado. "Fiquei muito chateado, mas logo em seguida tinha que me erguer e levantar a cabeça. Tinha muitos jogos importantes pelo Chelsea e também pela seleção. Derrotas acontecem. A gente tem que erguer a cabeça e tentar mostrar o melhor futebol sempre. O mais triste foi ter perdido a chance de ser campeão da Copa do Mundo".

Na volta ao Chelsea, Oscar encontrou o respeito dos companheiros de clube. Entre eles, do alemão Schurrle, que fez um dos gols da seleção campeã de 2014. "Eles respeitam a história do Brasil. Não só alemães como os europeus. O Schurrle sabia da qualidade dos brasileiros e respeitou muito, mesmo ganhando do jeito que eles ganharam. Sabiam que foi um jogo atípico. A gente nunca conversou sobre o jogo especificamente. Ainda mais porque a gente era amigo", conta o meia. 

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