Por que perdemos?

Bélgica expõe fragilidades do Brasil de Tite, que viveu e morreu com suas convicções

Laurence Griffiths/Getty Images

Em toda a caminhada que culminou no 2 a 1 para a Bélgica, Tite se manteve coerente. Foi fiel aos titulares que escolheu, descartou cortes tentando "gerir" as lesões e protegeu todos os seus homens até o minuto final. Em todos os casos, fez apostas que se pagaram até as quartas de final. Tudo funcionou até que a Bélgica apareceu. Talentosa e eficaz, a seleção europeia expôs as fragilidades da seleção e seu comandante, que viveu e morreu com suas convicções. 

Hazard, Lukaku e De Bruyne, na frente, e Courtois, atrás, lideraram uma Bélgica que mostrou força na hora decisiva e "soube sofrer", como Tite gosta de dizer, quando o Brasil cresceu. Ganhou com um ajuste tático de seu treinador e efetividade nas chances que teve. Para o time verde-amarelo, no entanto, o cenário não é de terra arrasada. O time que brigou até o fim e a sinalização de que o treinador pode continuar à frente da seleção indicam que, ao contrário de outras derrotas em Copa, a seleção não terá de começar do zero novamente.

Evoluir, no entanto, passa por entender os próprios erros. A gestão de lesões que limitou o uso do elenco, o pouco espaço a reservas que pediam passagem e o desequilíbrio após mais um gol de bola parada são exemplos de pontos que podem ficar de lição após a Rússia. A seguir, o UOL Esporte aponta os fatores que contribuíram para a queda precoce do Brasil na Copa do Mundo. 

Eduardo Knapp/Folhapress Eduardo Knapp/Folhapress

Tite não fez mudanças e se manteve fiel aos titulares

Às vésperas da Copa, Tite tinha o discurso preparado de que seu time se formaria, com ajustes, durante a competição. No Mundial, os onze que iniciaram o confronto contra a Bélgica, com exceção de Fagner e Fernandinho, foram os mesmos que saíram jogando na estreia contra a Suíça. O treinador só fez modificações no time para lidar com lesões ou suspensões e insistiu nas suas apostas mesmo diante de contestação.

As críticas às escolhas de Tite giram em torno, principalmente, de Paulinho, Willian e Gabriel Jesus. O volante chegou pouco na área das defesas fechadas que o Brasil enfrentou e contribuiu pouco no meio-campo. O atacante do Chelsea errou passes e dribles em todos os confrontos. Já o camisa 9 desperdiçou as oportunidades que teve e passou a Copa em branco. O centroavante, dos mais questionados da seleção, via Firmino melhorar o time a cada entrada em campo e foi mantido na seleção sob o argumento da "entrega tática". 

Paulinho e Willian, por sua vez, foram beneficiados pela carência no banco de reservas. Contra a Costa Rica, Douglas Costa mudou o jogo ao entrar pela direita, mas a lesão muscular sofrida no finzinho da partida deu sobrevida ao "foguetinho" de Tite, que ainda teria um suspiro de bom futebol contra o México. Já o volante do Barcelona viu seus dois rivais, Renato Augusto e Fred, passarem boa parte da Copa do Mundo longe de seu 100% em termos de condições físicas por conta de lesões. 

Só que as lesões, como veremos a seguir, também não foram acontecimentos aleatórios...

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Melhor da queda, Renato jogou pouco por sobrecarga

Renato Augusto passou perto de deixar Kazan como herói. Marcou o gol brasileiro e teve a oportunidade de empatar a partida com um chute que passou raspando na trave direita de Courtois. A atuação do meia, que já tinha entrado bem na estreia contra a Suíça, deixou um ar de “e se”. No fim, a sensação de que poderia ter contribuído caso tivesse passado mais minutos em campo é clara. Mas por que isso não aconteceu?

Renato chegou à delegação em boas condições, mas uma sobrecarga de treinamentos na Granja Comary provocou uma lesão no joelho esquerdo que o tirou dos amistosos prévios e limitou suas aparições na Rússia - um total de 50 minutos contra Suíça, Sérvia e Bélgica. Embora a seleção não admita diretamente o problema, houve um debate interno na comissão técnica sobre o ritmo dos trabalhos, que pode ter sido a causa da primeira lesão de Danilo, no quadril, que o tirou do time titular. O segundo episódio, no entanto, fez a comissão ao menos mudar o método, reduzindo a intensidade no dia a dia. 

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Gestão de lesões fez Fred ser "jogador a menos" na Copa

A seleção brasileira sofreu com muitas lesões, mas teve iguais dificuldades com a gestão delas. O caso de Fred é emblemático. O volante se machucou no dia 7 de junho, em dividida com Casemiro, antes do início da Copa. Tite optou por mantê-lo no elenco, e acabou tendo uma opção a menos durante a competição.

O Fred teve um problema de uma pancada e não conseguiu fazer a sua recuperação total

Foi como Tite explicou a não utilização do novo jogador do Manchester United na Copa do Mundo. Ao longo de um mês, ele revezou-se entre treinos mais leves e mais intensos, mas nunca atingiu o 100% e não entrou em campo.

Fred fez falta. Poderia ter sido alternativa a Paulinho em qualquer uma das cinco partidas, ou candidato a substituir Casemiro contra a Bélgica. Fernandinho, que acabou atuando, teve uma atuação para esquecer. Além de Fred, Douglas Costa chegou à Copa lesionado. O atacante da Juventus se recuperou, entrou muito bem contra a Costa Rica, mas sofreu outro problema muscular, aí na outra perna. Voltou contra a Bélgica, novamente atuando bem, mas esteve indisponível em três dos cinco jogos brasileiros na Rússia.

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Brasil se desorganizou após gol em bola parada. De novo

O Brasil começou a partida contra a Bélgica pressionando. Thiago Silva acertou a trave e Paulinho teve boas oportunidades, mas o gol contra de Fernandinho, com apenas 13 minutos de jogo, desestabilizou e desorganizou uma seleção brasileira que vinha, até então, tendo uma Copa do Mundo marcada pela consistência defensiva e marcação encaixada.

O desmonte da seleção fica evidente no segundo gol belga. Quando Lukaku recebe no meio, Fernandinho demora para dar o combate. O atacante belga passa como um trator pelo camisa 17 e por Paulinho, e encontra De Bruyne na direita bem na hora em que Marcelo fecha pelo meio. Com espaço, o meia bate cruzado e faz o 2 a 0.

Esse desequilíbrio após um gol de bola parada está longe de ser novidade. Desde 1998, todas as eliminações do Brasil em Copas do Mundo foram marcadas por lances do tipo, das cabeçadas de Zidane na final na França ao primeiro de Muller no Mineirão, passando por Henry em 2006 e Sneijder em 2010. 

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Pontaria brasileira consagrou goleiros rivais na Rússia

Courtois teve grande atuação contra o Brasil, salvando a Bélgica com pelo menos três grandes defesas. A seleção, entretanto, não foi vítima de uma grande atuação isolada. O time brasileiro perdeu gols durante toda a Copa do Mundo, e viu goleiros fazerem grandes defesas em praticamente todas as cinco partidas que disputou na competição.

Sommer, da Suíça, teve boa atuação na estreia brasileira. O costa-riquenho Navas foi fundamental para evitar uma goleada na derrota para o Brasil por 2 a 0. Diante do México, foram oito defesas de Ochoa, quatro delas com alto grau de dificuldade. O cenário das quartas com Courtois foi o mesmo.

A realidade é que, quando acertou o alvo, a seleção brasileira não conseguiu tirar a bola do alcance dos (grandes) goleiros que teve pela frente. Não foi só isso. Na eliminação, as duas melhores oportunidades que o Brasil teve para empatar não passaram por Courtois: Renato Augusto, e depois Coutinho, acabaram mandando para fora, em chances claras, na cara do goleiro do Chelsea e da seleção belga.

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Brasil não teve VAR a favor

O árbitro de vídeo (VAR) não impactou positivamente em nenhum lance do Brasil na Copa de 2018. Contra Suíça, Costa Rica, México e Bélgica a seleção saiu reclamando de algo. Em um contexto de CBF fraca nos bastidores, o time e seu entorno entenderam que precisavam superar obstáculos impostos pela arbitragem, como mostrou o UOL Esporte.

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Coadjuvantes não brilharam

O Brasil não se limita a Neymar e prometia coadjuvantes de peso na Rússia. Só que nem todos foram bem. Marcelo esteve longe de repetir os grandes jogos do Real Madrid, Willian e Gabriel Jesus decepcionaram na frente, Paulinho não foi decisivo como costuma ser e Fernandinho terminou a Copa do Mundo como pior em campo no jogo da eliminação.

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Seleção teve pela frente o melhor adversário até aqui na Copa

A eliminação na Rússia não é feita só de problemas do lado brasileiro. Pela frente, a seleção encontrou seu maior desafio na Copa, uma geração considerada a melhor da história da Bélgica, formada e armada para tentar responder às principais qualidades do Brasil. De Courtois a Lukaku, passando pelo treinador Roberto Martinez, os belgas chegam às semifinais do Mundial com méritos.

Martinez trocou o esquema com três zagueiros por uma linha de quatro, fixando Meunier na marcação de Neymar e evitando o mano a mano com o trio de ataque brasileiro. Na frente, abriu Lukaku e Hazard, espaçando os zagueiros de Tite enquanto De Bruyne caía nas costas de Fernandinho. Houve excelentes atuações individuais. Courtois fez quatro defesas importantes. Meunier não deu nenhum espaço a Neymar. Fellaini, temido pelo jogo aéreo, não cabeceou, mas foi incansável na marcação no meio campo. Com o Brasil pressionando em busca do empate, Lukaku e Hazard foram efetivos em manter a ameaça do contra-ataque e segurar a bola na frente o máximo possível.

Apelidada de “ótima”, a geração belga chegou à Rússia mais madura, garantiu um lugar entre os quatro melhores times da competição e encara a França nas semifinais, sonhando com uma histórica final.

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Derrota não é novo 7 a 1. Copa brasileira teve pontos positivos

A eliminação precoce do Brasil é, no fim das contas, bastante diferente do desastre de 2014. Tite assumiu uma seleção desacreditada em 2016, eliminada na primeira fase da Copa América Centenário e correndo risco de não garantir a vaga na Rússia nas eliminatórias. O técnico fez uma revolução, perdendo apenas duas partidas em dois anos.

Durante a Copa, a seleção passou longe do time que desmontou em 2014 contra a Alemanha, e depois se entregou completamente aos holandeses na disputa de terceiro lugar. Já contra a Costa Rica, o Brasil mostrou controle e força, marcando dois gols nos acréscimos para garantir três pontos e espantar a estreia decepcionante diante dos suíços. Nesta sexta, o segundo tempo foi de massacre ao gol belga, e o time brasileiro passou muito perto de levar a decisão à prorrogação.

O ciclo para 2022 pode ser mais tranquilo e resultar em um Brasil mais preparado. A cúpula da CBF não esconde o interesse em manter Tite no comando da seleção. O treinador, por sua vez, não quis se comprometer, mas admite enxergar as vantagens de um trabalho de quatro anos. “Toda vez que um técnico tem um tempo maior, ele consegue, teoricamente, desenvolver um trabalho melhor. E não só na seleção, mas no clube também. A competência é de acertos, e quanto mais tempo tu tem com um atleta, mais consegue mexer com o emocional dele”.

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