Cinema pornô, UTI, avião e "boate": os lugares inusitados onde acompanhamos os jogos
Adriano Wilkson e Daniel LisboaDo UOL, em São Paulo
Daniel Lisboa/UOL
Daniel Lisboa/UOL
"O futebol é a única religião que não tem ateus."
A frase do escritor uruguaio Eduardo Galeano pode soar exagerada. Mas, nesta Copa do Mundo, o UOL Esporte testemunhou o quão verdadeira pode ser a afirmação.
No hospital, a milhares de metros de altitude, em um "inferninho" para amantes da pornografia, em um encontro de surdocegos: pouca importa o contexto, a bola parece capaz de sublimar diferenças de classe, origem, saúde.
Relembramos a seguir lugares curiosos onde havia uma TV ligada na Copa.
Daniel Lisboa/UOL
Inferninho grudento
Os cinemas de rua do centro de São Paulo entraram em decadência com a proliferação dos shopping centers, e vários deles acabaram convertidos em cinemas pornôs. São lugares onde as pessoas, quase sempre homens, pagam (pouco) para ficarem lá dentro o tempo que quiserem. Os locais funcionam 24 horas e assistir aos filmes não é exatamente o único atrativo em cartaz. Masturbação, encontros casuais e mesmo sexo fazem parte da rotina dos frequentadores.
Curiosos em saber se, mesmo durante uma partida de Copa do Mundo, há quem procure esses estabelecimentos, estivemos em um deles durante o jogo contra o México pelas oitavas de final.
Um grande acampamento de desabrigados se formou no Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida na madrugada do dia 1º de maio.
São cerca de 130 famílias vivendo de doações e em condições insalubres em meio a uma guerra de versões: a prefeitura diz que já fez o possível e que muitas delas sequer moravam de fato no prédio incendiado. Os desabrigados, claro, reclamam do pouco caso das autoridades.
Mas, sim, teve Copa. E o UOL Esporte esteve no acampamento acompanhando a estreia do Brasil na competição junto com os desabrigados.
A convite da Gol assistimos à vitória sobre a Sérvia dentro de um avião. A patrocinadora da seleção brasileira quis mostrar seu sistema de entretenimento a bordo e convidou 120 passageiros a fazer o voo na hora do jogo. Todos viram a partida através do celular e ouviram a narração de Galvão Bueno em caixas de som instaladas no avião. Também teve cerveja à vontade e petiscos.
O fuso horário russo mexeu com os hábitos futeboleiros do Brasil. Com jogos às 11h da manhã, muitos tiveram que acordar cedo para começar os preparativos para a festa. Bares fizeram esquemas especiais para a transmissão das partidas. Um deles ofereceu um sistema de open bar e alguns torcedores aproveitaram: com catuaba, cerveja e vodka liberados para o jogo contra a Costa Rica, esses caras começaram a beber desde as primeiras horas do dia e disseram “sextou” desde cedo.
O UOL Esporte não poderia ter deixado de visitar um tradicional ponto de encontro de torcedores na Mooca, Zona Leste de São Paulo. De torcedores argentinos, no caso, mas o que encontramos no Moocaires foi um pouco diferente: vários brasileiros torcendo fanaticamente pela seleção rival durante o emocionante confronto contra a Nigéria.
Se ainda havia alguma dúvida sobre o quanto é diversificada a cidade de São Paulo, olhe para a Zona Leste. Lá encontramos até mesmo uma comunidade croata que se uniu para torcer por sua seleção na Copa. Eles viram os jogos na sede da Sociedade Amigos da Dalmácia (SADA) e fizeram muita festa após a classificação contra a Dinamarca pelas oitavas de final.
Também na Zona Leste, uma comunidade de russos e descendentes acompanhou a classificação da seleção do país-sede sobre a Espanha e celebrou com danças típicas, shots de vodka e pão preto com pepino.
Uma das mais famosas e luxuosas boates de São Paulo também recebeu nossa visita. Seus clientes pagam 150 reais para entrar e mil reais por um programa com uma garota. O local estava cheio durante a partida do Brasil, curiosamente com a maioria das pessoas realmente interessadas em assistir ao duelo. Confira o relato completo aqui.
Times gays criam transmissão segura para a torcida LGBT
Dois times de futebol formado por gays organizaram uma transmissão especial para os jogos do Brasil à tarde. O Unicorns e o Futeboys, ambos membros da LiGay, reuniram mais de 700 gays e simpatizantes em uma boate conhecida por fazer festas LGBT no centro de São Paulo. Foi uma oportunidade dos torcedores acompanharem a Copa sem medo de represálias homofóbicas e se sentirem livres para demonstrações públicas de afeto.
Sem poderem ver e nem ouvir, grupos de surdocegos aproveitaram uma transmissão especial feita pelo Memorial da Inclusão e sentiram a Copa pela 1ª vez. Eles se reuniram na Zona Oeste de São Paulo e, com a ajuda de intérpretes voluntários, acompanharam dois jogos do Brasil, contra o México e a Bélgica.
Através da linguagem de sinais tátil e com a ajuda de um campinho, os surdocegos puderam saber de tudo o que acontecia na Rússia, celebraram a vitória e sofreram com a eliminação nas quartas de final.
No confronto contra a Bélgica pelas quartas de final, visitamos o homem que mora há quase 50 anos em um hospital. E é fã de futebol. Vítima da poliomielite, Paulo Henrique Machado vive ligado a um respirador artificial na UTI do Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas. Como muitos brasileiros, sofreu com a eliminação.