Todos ao ataque! Ou não?

Copa do Mundo costuma anunciar inovações táticas no futebol, e tendências ofensivas cercam 2018

Bruno Grossi e Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo

A Copa das Copas: goleadas, jogadas ensaiadas surpreendentes e um novo esquema tático que se espalhou pelo mundo graças ao título da Alemanha. O Mundial de 2014 no Brasil proporcionou ao futebol dias mais vistosos, de agressividade, de carinho pela bola e paixão pelo ataque. Quatro anos mais tarde há ainda mais seleções do alto escalão prontas para um jogo mais bonito e ofensivo, como os brasileiros de Tite, os argentinos de Jorge Sampaoli, os franceses de Didier Deschamps e, claro, os alemães de Joachim Low.

Entre as grandes seleções, só fogem dessa tendência os times de Portugal e Inglaterra, com uma vertente um pouco mais defensiva, mas ainda assim com nomes de peso justamente no ataque, como Cristiano Ronaldo e Harry Kane. Tudo parece conspirar para que a Rússia apresente mais uma Copa cheia de gols. Mas há obstáculos em forma de linha de cinco no caminho. 

Holanda, terceira colocada em 2014, e Costa Rica, a sensação do torneio no Brasil, plantaram uma nova semente para as retrancas. Modelo incrementado pelo Chelsea do italiano Antonio Conte e replicado por diversas seleções de nível técnico mais baixo, como a anfitriã Rússia e Suíça. Até a Inglaterra resolveu se aventurar pela linha de cinco defensores, mais uma das tendências do futebol atual. Entre 14 de junho e 15 de julho o endereço de todas as escolas de futebol será a Rússia.

Dave Thompson/AP Dave Thompson/AP

Futebol ofensivo está consolidado em alto nível

Se você duvida do potencial de uma Copa do Mundo na hora de influenciar o estilo de jogo dominante no futebol de alto nível, basta um exercício de memória para entender. Pep Guardiola embasou seu Barcelona no futebol-arte das seleções brasileiras de Telê Santana, em 1982, e Zagallo, em 1970, e no futebol total de Johan  Cruiff e companhia pela Holanda de 1974. Fez do Bayern também uma máquina ofensiva, muitas vezes atuando com apenas um zagueiro, e repassou a vocação para atacar ao Manchester City. No título da temporada recém-encerrada foram 106 gols em 38 jogos, que levaram o time ao título do Campeonato Inglês.

No mesmo torneio, o Liverpool de Jurgen Klopp se moldou em um estilo extremamente agressivo, de volantes passadores e de chegada na área, pontas habilidosos e de boa finalização e um centroavante moderno. Assim, os ingleses chegaram à final da Liga dos Campeões da Europa com 47 gols marcados em 15 jogos.

E até o Atlético de Madrid, que se consolidou com Diego Simeone como grande exemplo do estilo “reativo”, de forte marcação e contra-ataques rápidos, precisou se reformular. O treinador argentino encarou um início irregular ao tentar deixar seu time mais ofensivo, mas foi coroado com mais uma conquista na Liga Europa. Sempre propondo o jogo e apostando em trocas rápidas de passes e investidas pelos lados do campo.

A primeira fase da Copa deve trazer muitos jogos chatos, com muitos times optando por linhas de cinco e retrancas. Algumas seleções de mais qualidade, mas que não têm o costume de propor o jogo, como Uruguai e Colômbia, podem ter mais dificuldades por isso. Nas fases finais, aí sim, deveremos ter um nível mais alto, com as seleções grandes mais ofensivas, Argentina com Messi, Portugal com Cristiano Ronaldo e até a Bélgica.

André Rocha

André Rocha, Blogueiro do UOL Esporte

Francisco Leong/AFP Francisco Leong/AFP

Fluxo pode ser invertido: seleções "imitam" os times

A influência de inovações táticas de uma Copa do Mundo no futebol praticado por clubes nos anos seguintes é real, mas não é uma regra. Este fluxo pode ser inverso, e as seleções nacionais simplesmente replicarem o que é trabalhado nas equipes. Em tempos de alta profissionalização, modelos de jogo claros dentro dos clubes e pouco tempo de preparação para a Copa essa realidade é ainda mais evidente: às vezes não há maneira de pensar e executar algo diferente do convencional em termos de tática.

Para 2018 há correntes de especialistas que esperam um Mundial com mais do mesmo: muitas seleções conservadoras, que jogam com linhas defensivas de cinco jogadores, marcação, bolas longas e ocupação de espaços inteligente para que o adversário sofra na criação de jogadas. A Copa do Mundo, neste cenário, é só o palco para apresentação de tudo que já existe.

Não vejo muita inovação. Hoje o que percebemos é algo antigo, uma obrigação de marcação e compactação. Então os times jogam com mais jogadores na frente para quebrar isso, como jogávamos em 1970. Se você for analisar, um time que realmente mexeu em termos táticos foi a Holanda de 1974, com um time de pressão e noção de espaço. Hoje acredito que a maior preocupação seja não tomar gol. Espero uma Copa muito defensiva, com os times jogando por uma bola.

Rivellino

Rivellino, Campeão mundial de 1970 pela seleção brasileira, hoje comentarista

Reuters Reuters

Ilusão da ofensividade "caiu" para a solidez na defesa há 12 anos

Em 2006, os favoritos para a Copa do Mundo na Alemanha eram Brasil e Argentina. As duas seleções contavam com astros de grandes clubes do futebol europeu e praticavam um futebol bonito, de tabelas e dribles. Mas o Mundial derrubou as propostas de Carlos Alberto Parreira e José Pekerman. Os argentinos ainda conseguiram jogar bem na primeira fase, mas escorregaram nas quartas de final para os alemães. O Brasil não convenceu em nenhum momento e caiu na mesma fase para uma França que apresentou o esquema que se tornaria absoluto nos anos seguintes.

Era o 4-5-1, que se transformaria em 4-2-3-1. Três meio-campistas mais ao centro, um centroavante enfiado e dois jogadores abertos, de características ofensivas, mas com missão tática inegociável: recompor a marcação pelos lados. Além da França, que terminaria como vice, a campeã Itália e o quarto lugar Portugal apostaram no mesmo esquema. Os italianos eram mais precavidos e usavam meias já mais adaptados a marcar para serem os pontas. Já Portugal, de Luiz Felipe Scolari, se aproximava mais da França, de Malouda e Ribery, com Cristiano Ronaldo e Figo abertos.

A ideia desse sistema era povoar o meio de campo ao máximo, fazendo com que a bola só chegasse à linha defensiva já mais quebrada, mascada. 

Efeitos de 2006 no Brasil

Naturalmente, pelo título italiano, foi a ideia de Marcelo Lippi que chegou primeiro ao Brasil. Ainda em 2006, Palmeiras e São Paulo chegaram a explorar os princípios do 4-5-1, apresentando o 3-6-1 ao Campeonato Brasileiro. Muricy Ramalho, no Tricolor, escalou Lenílson para ajudar Danilo na armação, o que tirou a velocidade do time, mas tornou a defesa ainda mais forte. No Palmeiras, então comandado por Tite, o sistema foi primordial para salvar a equipe do rebaixamento.

Depois, com Mano Menezes por Grêmio e Corinthians, o esquema se estabeleceu de vez em terras brasileiras, com mais elementos próximos do que tinha sido praticado por França e Itália na Copa de 2006. Zagueiros bem protegidos por dois volantes, laterais assessorados por pontas voluntariosos, baixa média de gols sofridos e eficiência para contra-atacar se tornaram uma constante no país.

Linha de 5 desde 2014 e os desafios que a seleção encarou

Deixar jogadores talentosos do time adversário com cada vez menos espaço para pensar e agir é uma tendência do futebol contemporâneo, especialmente em clubes e seleções com menos talento para adotar uma tática ofensiva. Uma das maneiras mais utilizadas com este objetivo é fechar a defesa com uma linha de cinco jogadores: dois laterais e três zagueiros ocupando o campo de uma ponta à outra. O maior exemplo de sucesso recente, e que motivou cópias ao redor do mundo, foi a Costa Rica de 2014.

Apontada como saco de pancadas do Grupo D, que também contava com Uruguai, Itália e Inglaterra, a seleção da América Central avançou como líder do grupo de campeãs mundiais, eliminou a Grécia nas oitavas de final e só caiu nas quartas para a terceira colocada Holanda. O time jogava no 5-4-1, com defesa forte e saída rápida pelos lados. O modelo inspirou outras escolas e acabou tornando-se o grande desafio assumido pelo técnico Tite na seleção brasileira.

Em novembro do ano passado o Brasil empatou em 0 a 0 com a Inglaterra, que usava a linha de 5 e segurou os homens de Tite. Desde então, a comissão técnica da seleção buscou adversários que adotassem essa estratégia, como devem ser Suíça e Costa Rica na primeira fase da Copa. A Áustria foi uma delas e a Rússia também: duas vitórias por 3 a 0.

A Costa Rica usou linha de cinco marcando por zona e a Holanda, marcando individual, em 2014. Mas o que estabeleceu esse conceito mesmo foi o Chelsea de Antonio Conte, vencendo a Premier League (2016/17). Uma forma de responder a essa retranca é usar um 2-3-5, com os zagueiros sozinhos, os laterais em uma linha com um volante, dois meias e três atacantes, com os pontas bem abertos.

André Rocha

André Rocha, Blogueiro do UOL Esporte

Arte/UOL Arte/UOL

Tite variou formações durante ciclo

A seleção brasileira tinha duas vitórias em seis rodadas das Eliminatórias da Copa do Mundo com Dunga. Após a chegada de Tite foram dez vitórias, dois empates e a consolidação do esquema tático que fez o treinador campeão de tudo no Corinthians: o 4-1-4-1. A ideia é clara: um pilar defensivo, dois pontas para construção de jogadas, um meio-campista com chegada à área e outro cuja escalação depende da característica de jogo do adversário. Essa peça já foi Renato Augusto, Fernandinho e Willian e é dúvida para a abertura da Copa do Mundo até agora.

Apesar de a plataforma de jogo da seleção brasileira ser o esquema consagrado na Copa do Mundo de 2014, os comportamentos coletivos e individuais dos jogadores induzem a variações desta formação, como o 4-2-3-1. Números à parte, o que não muda é a solidez da linha defensiva, as trocas de passe em triangulação, meias de lado puxando o jogo para dentro, posse de bola, muito uso das beiradas do campo e infiltrações.

Como o Brasil jogou em seus títulos mundiais

AP AP

4-3-3 ou 4-2-4 em 1958

A peça-chave para mudança de esquema tático na Copa do Mundo de 1958 foi Zagallo. Com a bola ele funciona como ponta e sem a bola ele fechava a linha de meio-campo para ajudar na marcação. Vicente Feola foi revolucionário ao propor a variação.

Keystone/Getty Images Keystone/Getty Images

4-3-3 em 1962

Com Aimoré Moreira no comando, a seleção brasileira foi bicampeã com um esquema mais estático. A base do time era a mesma da Copa anterior, mas Zagallo ficava mais preso para ajudar ao lateral Nilton Santos, que então já estava com 37 anos.

Reprodução/Fifa.com Reprodução/Fifa.com

4-3-3, 4-4-2 ou 4-2-4 em 1970

A seleção (desta vez dirigida por Zagallo) não tinha um esquema tático fixo. Segundo Jonathan Wilson, autor do livro "Pirâmide Invertida", o Brasil jogava no 4-4-2, 4-3-3, 4-2-4 e até um prenúncio do 4-2-3-1. O que importava era o talento dos jogadores.

Reprodução/Fifa.com Reprodução/Fifa.com

4-4-2 em 1994

A ideia era dar liberdade total a Bebeto e Romário, os homens que desequilibravam. Por isso, havia dois volantes próximos aos zagueiros e meias solidários para que os laterais também construíssem. Era uma seleção tática, segura e com toque de bola.

Juca Varella/Folha Imagem Juca Varella/Folha Imagem

3-5-2 em 2002

A seleção brasileira jamais havia atuado com três zagueiros em uma edição da Copa do Mundo, mas o 3-5-2 de Luiz Felipe Scolari garantiu o pentacampeonato no Japão e na Coréia do Sul. A formação não era estática, porque Edmilson migrava frequentemente para a linha de meio-campistas, à frente de Lúcio e Roque Júnior. Pelos lados, Cafu e Roberto Carlos atacavam e também marcavam, dando liberdade à criatividade de Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Ronaldo. O caminho ficou aberto para os clubes explorarem o esquema, como aconteceria com os campeões mundiais São Paulo e Internacional, em 2005 e 2006, respectivamente.

  • Metodo

    A Itália foi bicampeã mundial em 1934 e 1938 com o técnico Vittorio Pozzo à frente de um time extremamente forte na defesa. Seu pioneirismo foi pegar o primeiro meio-campista, na época o homem de criação das equipes, e recuá-lo para a função de cabeça-de-área. Assim, cinco jogadores tinham missões praticamente exclusivas de marcação. Era o antídoto para um esquema contemporâneo, o WM, que pregava por mais ímpeto ofensivo.

    Imagem: Arquivo
  • WM

    O "W" era o desenho dos atletas na defesa, com três zagueiros e dois homens mais avançados, com liberdade para armar o jogo. O "M" remetia aos dois meias e aos três atacantes. A seleção da Hungria foi o grande expoente do esquema no mundo, inclusive com seus treinadores importados pelos clubes tendo grande importância no Brasil. Na Copa de 1954, os húngaros encantaram, mas acabaram só com o vice.

    Imagem: AFP
  • 4-4-2 à inglesa

    A Copa de 1966 foi única. A única disputada na Inglaterra, que ganhou seu único título no torneio e lançou para o mundo um esquema que ficaria adormecido por três décadas: o 4-4-2. Uma linha de quatro defensores, outra linha de quatro meio-campistas (todos marcam, todos atacam) e dois atacantes de finalização. Um modelo que voltaria a ter força durante os anos 1990, mas que nunca durou muito pela previsibilidade das jogadas.

    Imagem: Central Press/Getty Images
  • Futebol Total

    A Holanda de 1974 tentava resgatar o espírito da Hungria do técnico Gusztav Sebes e do craque Feren Puskas. Essa missão pertencia ao treinador Rinus Michels e pelo astro Johan Cruijff. A ordem era que todos jogadores pudessem trabalhar a bola com qualidade, desde a saída de bola até as finalizações. Não havia posição fixa. Os atletas se movimentavam por todo campo, buscando tabelas e infiltrações. Também vices.

    Imagem: AFP
  • Catenaccio

    Mais um toque italiano na história dos Mundiais. O sistema significava "trancar a defesa", como uma mutação do Metodo de Vittorio Pozzo, e perdurou das décadas de 1960 a 1980. A formação era baseada em três zagueiros auxiliados por um lateral que podia atacar e um meia que voltava para marcar, gerando linha de cinco defensores. Eram ainda três no meio e dois atacantes. Foi assim que o Brasil de Telê Santana se frustrou em 1982.

    Imagem: Arquivo/Folha Imagem
  • Tiki taka

    O Barcelona de Pep Guardiola e a Espanha de Vicente del Bosque consagraram a expressão que resume a ideia de "jogo de posição". O título espanhol na Copa de 2010 foi fundamentado na obsessão pela posse de bola. O time trocava passes até encontrar uma brecha na defesa adversária, mesmo que isso custasse um tempo excessivo de toques, à primeira vista, sem efetividade. Os volantes se estabeleceram como armadores.

    Imagem: Reprodução/Fifa.com

Será cada vez mais difícil ver novidades táticas em Copas. Você sempre verá mais com os grandes treinadores, nos grandes clubes. Por isso, não vejo nenhuma inovação para a Copa na Rússia, apenas variações dos esquemas.

André Rocha

André Rocha, Blogueiro do UOL Esporte

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