Azul é a cor mais quente

Gigante nos últimos 20 anos, França muda hierarquia do futebol com geração que promete ainda mais

Thiago Rocha Do UOL, em São Paulo
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Há 20 anos, ninguém deixa tantos rivais no chão quanto a França

Ao levantar a taça de campeão da Copa da Rússia neste domingo (15), em Moscou, o goleiro Hugo Lloris repetiu com sucesso uma missão que, 20 anos atrás, em 1998, foi designada a seu atual treinador, Didier Deschamps. Dois capitães que simbolizam uma nova era: a França subiu de patamar e entrou, definitivamente, no restrito rol das seleções mais vencedoras do futebol mundial.

Nas últimas duas décadas, a França foi o país que mais chegou a finais de Copa, com os dois títulos e o vice de 2006, nos pênaltis. Alguns vexames apareceram no caminho, é verdade, como por exemplo duas eliminações em fases de grupos (2002 e 2010) e problemas internos como a discriminação racial e um caso de chantagem entre jogadores. Agora bicampeã mundial, está na mesma escala de importância de Argentina e Uruguai na história da competição.

Chegar ao título com o elenco mais jovem deste Mundial, com média de 26 anos, apenas reforça a impressão de que a atual base da seleção tem força e talento suficientes para manter o nível de competitividade pelos próximos anos. A firmeza da dupla de zaga Varane e Umtiti, a segurança de Kanté, a ousadia de Mbappé e as habilidades de Griezmann e Pogba. A França foi coroada na Rússia e pode, quem sabe, repetir o feito no Qatar.

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França unida altera hierarquia pela 1ª vez desde os anos 1980

Não se via uma escalada como a dos franceses na Copa do Mundo desde a Argentina, entre o fim da década de 1970 e fim dos anos 1980, quando os sul-americanos foram a três finais em quatro edições. Com os gols de Kempes, em 1978, e a magia de Maradona, em 1986, a nação portenha se colocou entre os maiores do planeta ao mudar a hierarquia de um jeito que ninguém conseguiria nas três décadas seguintes. Até a França.

Até os anos 1990, a França era uma seleção perigosa, capaz de vencer ocasionalmente na Europa, mas nunca havia transformado seu potencial em conquistas de Copa do Mundo. A geração de Zidane venceu em casa e abriu caminho para a entrada em um outro patamar no esporte. No caminho até o bi na Rússia, a França ainda amealhou títulos como a Copa das Confederações (2001 e 2003), a Eurocopa (campeã em 2000, vice em 2016) e até o Mundial Sub-20 em 2013, conquistando o torneio com dois titulares da seleção atual em campo: o zagueiro Umtiti e o meia Pogba.

Essa consagração da França se dá após mais de oito anos de problemas. O fiasco de 2010, com a expulsão de Anelka e uma ameaça de greve dos jogadores em meio à Copa, os escândalos protagonizados por Ribery e Benzema, e a eterna tensão de uma seleção multirracial em um país tenso politicamente sempre foram uma mistura perigosa. Deschamps controlou a opinião pública, afastou as estrelas e blindou o time o quanto pôde. A seleção unida em torno de seu treinador, enfim, conquistou a segunda estrela. 

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Melhor da decisão, Griezmann apaga traumas da seleção

"Eu me sinto melhor. Esses são os jogos que adoro"

Com essa frase, na véspera da semifinal, Antoine Griezmann se definiu como um jogador que cresce em decisões. A Copa da Rússia não o deixa mentir. Contra o Uruguai, nas quartas, marcou em falha de Muslera e deu a assistência para Varane anotar. Diante da Bélgica, levou os franceses à final com cruzamento preciso para Umtiti abrir o placar. Eleito o melhor em campo na final contra a Croácia, o atacante balançou a rede de pênalti e participou de outros dois gols na vitória por 4 a 2.

Artilheiro da Eurocopa de 2016, Griezmann marcou cinco de seus seis gols na fase final, mas a estrela em decisões não bastou para impedir a derrota na final em casa para Portugal. Somado ao pênalti perdido na final da Liga dos Campeões daquele ano, diante do Real Madrid, o camisa 7 foi colocado em xeque e virou símbolo de uma França com potencial para dominar, mas que fracassou em seu primeiro grande teste.

No maior palco do futebol mundial, o atacante de 27 anos, fã do Uruguai e viciado em Fortnite, jogo eletrônico que virou febre entre jogadores, enfim se consagrou. E ao contrário de seus gols, que comemora com dancinhas e gestos, Griezmann chorou em Moscou após o apito final. O tão sonhado título veio. Acabou o trauma do fracasso.

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Mbappé iguala Pelé e chega para ficar como superastro

Até Kylian Mbappé ir a campo na Rússia, Pelé reinava na história das Copas por seu brilho precoce. Na Suécia-1958, aos 17 anos, o eterno camisa 10 da seleção brasileira se tornou o mais jovem a marcar dois gols em um mesmo jogo e, melhor, o único abaixo de 20 anos a marcar em final de Mundial.

Sessenta anos depois, o Rei do Futebol ganhou companhia. Mbappé, 19 anos e com uma carreira em plena ascensão, brilhou como gente grande em Moscou, marcou o quarto tento francês na final contra a Croácia e igualou o feito de Pelé. Com a camisa da França, chegou a 22 partidas, com oito gols e cinco assistências. O garoto de ouro do Paris Saint-Germain se tornou também o quarto jogador sub-20 a disputar uma final de Copa. Curiosamente, todos se sagraram campeões: o uruguaio Rúben Morán (1950), o italiano Giuseppe Bergomi (1982) e, claro, Pelé (1958).

Com habilidade, velocidade e ousadia, Mbappé deu vitalidade à campanha do bicampeonato da França e deixa a expectativa sobre como poderá surpreender o futebol novamente daqui a quatro anos, no Qatar. Como Cristiano Ronaldo e Messi têm futuro indefinido por suas seleções, e com Neymar ainda em busca de seu grande feito pelo Brasil, o camisa 10 francês já desponta como próximo superastro do futebol.

Outros pilares da revolução

  • Paul Pogba

    Irreverente e com status de craque desde a adolescência, teve postura mais madura neste Mundial e se tornou referência em campo. Recuado como segundo volante, apesar do potencial ofensivo, brilhou na final e marcou o terceiro gol.

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  • Raphael Varane

    Aos 25 anos, o zagueiro do Real Madrid é um dos mais eficientes de sua posição e forma dupla entrosada com Umtiti. Marcou gol na vitória por 2 a 0 sobre o Uruguai, nas quartas de final. Chamado de "chefe", tem status de líder do elenco.

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  • Hugo Lloris

    Só não fez uma Copa 100% segura porque falhou feio no segundo gol da Croácia na final, mas de modo geral correspondeu quando foi exigido. Líder discreto, mas respeitado, se tornou o quinto jogador que mais atuou pela seleção: 104 partidas.

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  • N'Golo Kanté

    Jogador discreto, mas de eficiência espantosa como defensor, foi o dono do meio de campo francês e liderou estatísticas de desarmes e roubos de bola nesta Copa. Sai da Rússia como sonho de consumo de Barcelona e Paris Saint-Germain.

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Grupo jovem vai de "quase" na Euro a favorito no Qatar-2022

O caminho de triunfos trilhado pela França não aparenta estar próximo do fim. A base formada por Deschamps é jovem e não deverá sofrer mudanças radicais para a Copa de 2022, no Qatar. Entre os titulares, os mais velhos são o goleiro Lloris, o meia Matuidi e o atacante Giroud, todos com 31 anos.

Mbappé, que já ganhou status de fenômeno em seu primeiro Mundial, tem apenas 19 anos. Projeta-se, pelo menos, mais três Copas na carreira jogando em alto nível. O meia Tolisso (23) e os atacantes Dembélé (21) e Fekir (24), que integraram o grupo na Rússia, são vistos como os futuros titulares da seleção para o próximo ciclo.

A conquista do Mundial na Rússia devolve ao francês o otimismo em relação a essa geração, colocada em dúvida com a derrota na final da Eurocopa de 2016 para Portugal, jogando em casa. “Não nos esquecemos das dúvidas sobre nós no início da competição, sobre a nossa capacidade de jogar juntos”, destacou o meia Paul Pogba após o triunfo sobre a Bélgica, na semifinal.

O bi da França em seis atos

  • 1º gol tecnológico

    O pênalti convertido por Griezmann no jogo de estreia, contra a Austrália, entrou para a história como o primeiro gol anotado em Copas com a influência do árbitro de vídeo. A infração só foi marcada após o uruguaio Andrés Cunha revisar o lance na tela à beira do campo.

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  • Recorde para Mbappé

    Ao decretar a vitória por 1 a 0 sobre o Peru, na segunda rodada da fase de grupos, Kylian Mbappé se tornou o mais jovem jogador a fazer um gol pela França na Copa do Mundo, aos 19 anos, superando o atacante Trezeguet, em 1998.

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  • Classificados e vaiados

    O primeiro 0 a 0 da Copa da Rússia terminou com vaias. Já classificada às oitavas de final, a França só cumpriu tabela. Como o outro resultado do grupo estava beneficiando a Dinamarca, o duelo em Moscou virou um grande jogo de compadres.

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  • O golaço de Pavard

    França e Argentina fizeram um jogo franco nas oitavas de final, com sete gols, e um deles entra na lista dos mais belos deste Mundial. O lateral Pavard chutou com efeito e mandou a bola no ângulo de Armani, ajudando os europeus a vencer por 4 a 3.

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  • Respeito ao Uruguai

    Conhecido pelas comemorações animadas, Griezmann não festejou o seu gol na vitória por 2 a 0 sobre o Uruguai, nas quartas de final. Agiu assim em respeito a Godin, seu parceiro no Atlético de Madrid, e ao rival - é um admirador da cultura uruguaia.

    Imagem: AFP PHOTO / FRANCK FIFE
  • Lance de gênio

    A classificação à final foi tão aplaudida quanto o passe de calcanhar de Mbappé dentro da área para Giroud, no segundo tempo da vitória sobre a Bélgica por 1 a 0, um dos lances mais brilhantes de uma Copa carente de lances de efeito.

    Imagem: Laurence Griffiths/Getty Images

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