Estrelas ofuscadas

Cristiano Ronaldo e Messi dominam o mundo há dez anos, mas nas Copas foram mortais diante de times coletivos

Bruno Grossi e Thiago Rocha Do UOL, em São Paulo (SP)
REUTERS/Carl Recine

A Copa do Mundo de 2018 pode ter sido a última de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Dois gênios que quebraram recordes e barreiras para seguirem no topo por mais de uma década. Mas que no torneio mais importante do planeta foram meros mortais. Seus anos de império no futebol nunca foram suficientes para derrubar o domínio coletivo dos últimos Mundiais.

A transformação das Copas, que até a década de 1990 ainda eram construídas sobre heróis solitários, começou com o penta do Brasil em 2002. O equilíbrio perfeito entre confiar em estrelas e jogar como um time, com espírito de equipe. A Itália em 2006 conseguiu triunfar com apenas a metade da receita brasileira. Foi campeã pela organização coletiva, enquanto a França, apoiada em Zinedine Zidane, e os astros brasileiros sucumbiram. 

Espanha, campeã em 2010, e Alemanha, em 2014, não tinham superestrelas, mas foram campeãs com equipes focadas no coletivo e apoiadas em nomes talentosos como Iniesta, Xavi, Kroos e Muller. Os germânicos, por sinal, foram algozes de Messi em três Mundiais seguidos.

Messi e CR7 não conseguiram exibir suas individualidades ao máximo por Argentina e Portugal. As seleções não souberam tirar proveito dos supercraques. Os recordes e feitos históricos só existem porque uma estrutura foi criada por Barcelona e Real Madrid. Nos clubes, os astros nunca estavam sozinhos na busca pela glória.

Na Rússia, eles novamente carregaram um país nas costas, recebendo todas as bolas em todos os ataques como se fossem máquinas perfeitas e incansáveis. E, assim, fracassaram. Enquanto outras estrelas, como Mbappé (França) e Modric (Croácia), agraciadas por times mais coletivos e organizados, sobreviveram para escrever a história que as maiores lendas dos últimos dez anos nunca conseguiram colocar no papel.

O espírito dos finalistas

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França

Apesar de contar com as estrelas Griezmann, Mbappé e Pogba, a França em nenhum momento baseou o jogo em individualidades. Os dois primeiros, por exemplo, tiveram obrigações defensivas, inclusive para segurar a pressão da Bélgica e garantir a vaga na final.

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Croácia

A grande zebra do Mundial da Rússia conta com craques da atualidade, mas é mais uma que triunfa pelo que tem feito como equipe. Modric, por exemplo, está entre os líderes em distância percorrida por jogo. Já Perisic (foto) foi decisivo na semi contra os ingleses.

O espírito dos que quase chegaram lá

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Inglaterra

As últimas gerações da Inglaterra fracassaram pela dificuldade em equilibrar os talentos individuais com atribuições coletivas. O time de Gareth Southgate soube encontrar justamente esse caminho. Isso com um esquema tático fora do usual, com improvisações e muita aplicação dos atletas.

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Bélgica

Os belgas apresentaram uma capacidade de variar esquemas e posturas de acordo com os adversários e os panoramas dos jogos. Isso é um reflexo da dedicação dos jogadores mais badalados pelo trabalho em equipe. E de como o time proporcionou a Harzard e De Bruyne a liberdade para brilhar.

O que Argentina e Portugal conseguiram com seus astros?

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Messi "pecho frio"

Messi estreou em Copas em 2006, ainda como uma jovem promessa. Não foi usado nos momentos mais críticos, mas chegou como melhor do mundo quatro anos depois, quando não conseguiu fazer nenhum gol. Fracassou também, já como capitão, na Copa América de 2011, na Argentina, parando nas quartas de final para o Uruguai. Em 2014, esteve perto da redenção, de acabar com as insinuações de que não tinha o espírito argentino necessário para defender a seleção. A Alemanha impediu o título na Copa disputada no Brasil. E uma derrocada sem fim se iniciou, com duas finais seguidas perdidas para o Chile na Copa América, em 2015 e 16. Na Rússia, em 18, foi até as oitavas, com um gol e duas assistências.

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CR7 "só olha o telão"

Cristiano Ronaldo também começou a trajetória em Copas em 2006, mas como titular e já com certa importância para levar Portugal a um histórico quarto lugar. Ainda assim, a imagem que ficou do astro no Mundial da Alemanha e no seguinte, na África do Sul, foi de um atleta individualista, que se preocupava mais em olhar os telões dos estádios para ver seus lances e reações. No Brasil, em 2014, caiu na primeira fase. O técnico Fernando Santos chegou para reestruturar a seleção e conseguiu dar a CR7 um time mais organizado e competitivo. Os frutos foram colhidos com um surpreendente título na Eurocopa de 2016. Em 2018, começou arrasador, com quatro gols em dois jogos, mas caiu nas oitavas de final.

EFE EFE

Espanha foi o "Barcelona sem Messi" e vingou no coletivo

A década de domínio de Cristiano Ronaldo e Lionel Messi é praticamente a mesma em que ambos dividiram também o trono de rei da Espanha. Real Madrid e Barcelona travaram clássicos para a eternidade com seus astros, a liga local multiplicou os lucros com a visibilidade alcançada e os jogadores colecionaram recordes em seus clubes.

Curiosamente, o período também marca a ascensão da melhor seleção espanhola de todos os tempos. Um time que contava com atletas famosos de Real e Barça, mas que  baseou seu jogo na coletividade. Todos precisavam ser técnicos o suficiente para que a bola rodasse de forma paciente. O "tiki taka" triunfou na Euro de 2008, na Copa do Mundo de 2010 e de novo na Euro, em 2012.

Mesmo assim, não foram poucas as vezes em que os espanhóis quiseram sonhar mais alto, imaginando como a Fúria poderia ser ainda melhor com um dos craques. "A Espanha é o Barcelona sem o Messi" era uma frase comum nos tempos áureos da seleção e do time catalão sob o comando de Pep Guardiola.

DANIEL GARCIA/AFP DANIEL GARCIA/AFP

Ronaldo conduziu o penta com base coletiva

A seleção brasileira chegou à Copa do Mundo de 2002, na Coreia do Sul e no Japão, com dois jogadores eleitos como melhor do mundo: Ronaldo e Rivaldo. De fato, eles foram essenciais na campanha do pentacampeonato, marcaram 13 dos 18 gols do Brasil no torneio, mas não estiveram sozinhos nos momentos cruciais.

Com Cafu e Roberto Carlos, a equipe treinada por Luiz Felipe Scolari tinha nas laterais um de seus pontos fortes. Na época com 22 anos, Ronaldinho Gaúcho não sentiu a pressão na primeira Copa da carreira e foi fundamental nas quartas de final contra a Inglaterra, com um golaço de falta.

O goleiro Marcos e o volante Kleberson são outros exemplos de “coadjuvantes” que brilharam no penta quando a seleção precisou, principalmente na final contra a Alemanha, permitindo que Ronaldo e Rivaldo resolvessem no ataque.

Quando se ganhava a Copa do Mundo "sozinho"

  • Garrincha - 1962

    Pelé havia aparecido na Copa anterior como grande sensação do planeta, mas se machucou no começo do Mundial de 1962, no Chile. O Brasil poderia ficar órfão de seu grande craque, mas Garrincha tomou as rédeas da seleção e brilhou.

    Imagem: Acervo UH/Folhapress
  • Maradona - 1986

    Nem a malandragem da "mão de Deus" tirou o brilhantismo do ex-camisa 10 argentino na conquista do título em 1986, no México. O primeiro gol no duelo com a Inglaterra, pelas quartas de final, driblando toda a defesa rival, entrou para a antologia das Copas.

    Imagem: Arquivo/AFP
  • Romário - 1994

    A seleção tetracampeão mundial em 1994, nos Estados Unidos, ficou conhecida pela aplicação tática e pelo futebol pragmático, mas não teria saído com a taça sem o oportunismo do Baixinho, um dos vice-artilheiros do torneio, com cinco gols.

    Imagem: Reprodução/Business Insider
  • Zidane - 1998

    O futebol se curvou à classe do craque francês com o seu poder de decisão na fase final de 1998. De cabeça, ele anotou os dois gols da vitória na final por 3 a 0 sobre o Brasil e levou o país ao primeiro título mundial. Quase repetiu a dose em 2006.

    Imagem: Ben Radford /Allsport
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Fama pesa na escolha para o melhor jogador da Copa

Os holofotes estavam em Neymar na Rússia, mas Philippe Coutinho teve atuações mais regulares na campanha até as quartas de final. O camisa 11 venceria uma concorrência com o astro da seleção caso o Brasil fosse mais longe na Copa? Provavelmente, não.

A Bola de Ouro, premiação que a Fifa concede ao craque do Mundial, assim como a eleição anual de melhor jogador do mundo, costuma ser influenciada pela fama dos postulantes. Sem a concorrência de Cristiano Ronaldo, Messi e Neymar na briga pelo título, a França é a mais cotada para ter o vencedor da honraria, já que reúne atletas mais badalados do que Croácia ou Inglaterra, como Mbappé e Griezmann.

Eleito o melhor do Mundial de 2014, Messi foi crucial para a Argentina, mas há dúvida se fez uma Copa melhor do que o holandês Arjen Robben, terceiro colocado na disputa. Na França-1998, o troféu de melhor do torneio ficou com Ronaldo, mas não seria absurdo escolher o croata Suker.

O fator casa também já gerou discrepância na eleição, a mais escandalosa delas em 1990, quando o italiano Schillaci ficou com a Bola de Ouro em uma Copa que teve no jogo final dois ícones em campo vivendo grande fase: o alemão Lothar Matthaus e o argentino Diego Maradona.

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