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O que você tem a dizer sobre as Copas do Mundo? Foi essa pergunta que fizemos a algumas personalidades da literatura brasileira. O resultado é o projeto "Copa Brasileira de Letras", histórias únicas, reais ou de ficção, de cada um dos Mundiais de futebol, de 1930 até 2014.
A cada dia, você lê uma história diferente. São textos de Alex Castro, Edney Silvestre, Eliane Brum, José Roberto Torero, Michel Laub, Paulo Lins, Reinaldo Azevedo, Luiz Ruffato, Vanessa Barbara e Xico Sá.
A Copa de 2006 é de Alex Castro, sobre um casal e os três jogos inesquecíveis da Copa da Alemanha.
Chefe nos libera às 14h.
Almoço rápido, leve e apimentado no tailandês. (Não queremos nada indigesto.)
“Bendito Kaká!”
Na cama redonda, último capítulo do seriado favorito com laptop no colo: “Jack se sacrificou para salvar a Sydney, que lindo!”
Beijo devagar e demorado na varanda, as ondas batendo lá embaixo.
“Um só gol nem é vantagem. E se a Croácia vira no segundo tempo?”
No telefone: “Meu anjo, ainda estou aqui, acredita? Não liberaram a gente! Mal dá pra se concentrar no trabalho, só penso no jogo! Esse Brasil tá batendo um bolão!”
Direto pra minha casa.
Bolo de nozes, margaritas e húmus: açúcar pra energia, álcool pra relaxar, proteína pra força.
“Caralho, Dida! Vai tomar gol do Jáspion?!”
Tentamos vestir as roupas de látex, mas o tesão estava demais e o talco de menos.
“Deixa eu ver o jogo! Se o Brasil perde do Japão, desisto dessa Copa!”
No caminho até o quarto, tropeçamos, caímos, ficamos no sofá da sala, como adolescentes de hormônios borbulhantes.
“Êê, Ronaldo, demorô! Vamo, vamo, tem que fazer mais um!”
Lambidas longas, loucas, lúdicas, lânguidas.
“Juninhôôôô! Graças a Deus! Pronto, pronto, agora relaxei.”
Chupadas curtas, circulares, sinceras, suadas.
“Santo Ronaldo! Quatro a um!!”
No telefone: “Estou acompanhando pela internet, fazer o quê, né? Emprego escroto. Mas que goleada linda, né, amor?! Estou aí do seu lado de coração.”
A empresa nos dá a tarde inteira livre.
Almoço romântico no japonês, na mesa do fundo, para celebrar a vitória no jogo anterior: “Chupa, Japão.”
Em um shopping afastado, experimentamos sapatos e compramos livros, bebemos cachaça e tomamos sorvete.
“Não quer nem dar uma olhadinha no jogo?”
Em casa, sessão de fotografia: sombrinha refletora e fundo desfocado, látex e couro, óleos e incensos.
“Pô, Gana? Vai ser o maior passeio.”
Depilamos nossas virilhas, deitamos entre abraços. Gozamos uma, duas, três.
No telefone: “Isso é negócio de multinacional burra. Não entendem a importância do futebol! Se fossem daqui, aposto que liberavam todo mundo!”
No sábado, a França eliminou o Brasil e nossos planos para as semifinais foram abortados. Nunca mais nos vimos. Sempre teremos aquela Copa.
Nota: para preservar a identidade das pessoas envolvidas, os gêneros das personagens foram trocados.
Alex Castro publicou "Mulher de um homem só" (romance, 2009), "Onde perdemos tudo" (contos, 2011), "Outrofobia: textos militantes" (ensaios, 2015) e "Autobiografia do poeta-escravo" (biografia, 2015). Foi subeditor da revista Mad in Brazil e escritor convidado da Feira Internacional do Livro de Havana, em 2016. Suas instalações artístico-literárias "As Prisões: Exercícios de Atenção", já foram realizadas em todas as regiões do Brasil, reunindo mais de duas mil pessoas. Seu próximo livro "Exercícios de Atenção: Manual de Outro-Ajuda" sairá pela Editora Rocco ainda em 2018.