O que é um técnico de Copa?

O treinador médio na Rússia-2018 tem 56 anos, está no cargo desde o começo de 2015 e foi jogador de seleção

Giancarlo Giampietro Especial para o UOL, em São Paulo
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Quem são eles

São 32 seleções classificadas para a Copa. Logo, 32 técnicos incumbidos de levar sua equipe o mais longe possível. Para muitos deles, só o título importa. Para outros, um empate talvez já esteja de bom tamanho. São diferentes níveis de pressão de um caso para o outro.

Então: quem são os professores eleitos para a empreitada? Aliás, são “professores” mesmo? Se o critério for estritamente acadêmico, nem tanto. Só um técnico do Mundial teve formação universitária propriamente dita precedente a sua entrada no futebol profissional – excluindo os cursos promovidos por entidades como a UEFA. Estamos falando do português Carlos Queiroz, de novo à frente do Irã.

Entre tantas culturas diferentes, alguns traços em comum são facilmente identificáveis. Sim, a esmagadora maioria jogou futebol profissionalmente. Muitos deles tiveram passagem por suas seleções nacionais. Mas, na hora de dar o próximo passo, a barra talvez tenha sido alta demais. Poucos deles chegaram a jogar a Copa do Mundo. E mais: mesmo como treinadores, o Mundial da Rússia-2018 representa para a maioria deles a estreia nessa competição.

Quem é o técnico médio da Copa do Mundo?

(E como Tite se enquadra no cenário)

Questões de Estado

Dos 32 técnicos da Copa, 12 sãos estrangeiros (37,5%) - ou seja, não têm a nacionalidade do país que estão comandando. Dentre as candidatas ao título, só a Bélgica é dirigida por um técnico de fora do país, o espanhol Roberto Martínez. Também serão dirigidos por “forasteiros” Arábia Saudita (argentino Juan Pizzi), Austrália (holandês Bert van Marwijk), Colômbia (argentino José Pekerman), Dinamarca (norueguês Age Hareide), Egito (argentino Héctor  Cúper), Marrocos (francês Hervé Renard), Nigéria (alemão Gernot  Rohr), Panamá (colombiano Hernán Gómez), Peru (argentino Ricardo Gareca) e Suíça (bósnio Vladimir Petkovic),

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O que explica a maioria argentina?

Os argentinos falam espanhol, idioma comum a muitos países. E, claro, estamos falando de um dos países de maior tradição no esporte. O argentino é tradicionalmente um jogador tático, entendedor do jogo. Natural que muitos desses caras tenham virado e sigam virando treinadores de bom nível

Júlio Gomes

Júlio Gomes, blogueiro do UOL Esporte

Por histórico e também pela língua, a Argentina é a escola mais influente da América Latina. Ainda que a Colômbia venha se aproximando, argentinos ainda são a grande grife. O sucesso de Simeone e Pochettino também ajudou a levar essa escola para outros cantos, como o Egito, treinado por Cúper

Rafael Reis

Rafael Reis, blogueiro do UOL Esporte

Kacper Pempel/Reuters Kacper Pempel/Reuters

Na estrada

A idade média dos técnicos da Copa é de 56 anos, mas quase 30 anos separam o técnico mais velho do mais jovem da Copa. É mais fácil encontrar sessentões (12) do que quarentões (oito). Mas só o uruguaio Tabárez, mesmo, está entre os septuagenários, muito provavelmente preparado para se aposentar da seleção neste Mundial.

Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images Lars Baron - FIFA/FIFA via Getty Images

Minoria

O senegalês Aliou Cissé não é apenas o técnico mais jovem da Copa, de longe, como também, o único negro entre os 32 contratados. Ele volta ao Mundial 16 anos depois de ter sido capitão de seu país em sua primeira participação no evento, na Coreia do Sul/Japão. Justamente quando Senegal causou frisson.

Naqueles tempos, com cabelo bem mais curto, se destacava por sua força física e comportamento sereno em meio a um time fogoso. Como treinador, porém, incentiva um estilo mais leve, como o de seus companheiros do passado.

Cissé jogou por 15 anos no futebol europeu, de 1994 a 2009, dividindo seu tempo entre França e Inglaterra. Sua passagem de maior longevidade foi pelo Paris Saint-Germain, de 1998 a 2001.

Depois de 2002, muitos acreditavam que seríamos presença constante na Copa. Mas não foi o caso. Finalmente estamos de volta. Aquele time fez sua história. Agora é hora de criarmos a nossa

Aliou Cissé

Temos uma equipe jovem com muito talento, mas falta experiência num nível mais alto. Vamos ter de jogar sem um complexo de insegurança. É jogar nosso jogo e manter nossa identidade africana

Aliou Cissé

Pedro Martins/MoWA Press Pedro Martins/MoWA Press

Durabilidade

A despeito do rápido sucesso alcançado no comando da seleção, Tite provavelmente gostaria de chegar à Rússia com mais tempo de trabalho. Ele esteve à frente do time por apenas um ano e 11 meses. Chega ao Mundial pouco antes de completar dois anos de casa. Com um ano a mais, o brasileiro poderia ter testado mais jogadores e avaliado, na prática, possíveis mudanças ou adaptações táticas.

Pode não ter sido o período ideal, mas também não dá para dizer que seja algo anormal para a turma do Mundial. Outros candidatos ao título, como Espanha e Bélgica, viram seus treinadores serem anunciados semanas depois do brasileiro. Isso também não impediu que fizessem boas campanhas pelas eliminatórias europeias - ambos venceram seus grupos. Jorge Sampaoli, pela Argentina, tem só um ano de casa, mas um álibi: quando assumiu, a Argentina corria risco de nem mesmo ir à repescagem. Com ele, o time terminou em terceiro lugar, atrás apenas de Brasil e Uruguai.

Agora, sustentar (e aturar) o mesmo cargo por mais de dez anos talvez seja algo impensável para as próximas gerações. Mas para o uruguaio Oscar Tabárez e o alemão Joachim Löw, isso é uma realidade. Sozinhos, os dois treinadores elevam a média de estadia dos treinadores para três anos e dois meses – considerando que só 13 técnicos estão em suas funções há tantas primaveras assim.

Estadia de Tite supera a de 14 técnicos. Surprende?

Não me surpreende, pois muitas seleções iniciam ciclos após a Euro ou a Copa Africana.

Júlio Gomes Filho

Júlio Gomes Filho, blogueiro do UOL Esporte

Não chega a ser uma grande surpresa, até porque as seleções europeias trabalham com ciclos de trabalho mais curtos. Se o técnico funciona na Eurocopa, ele é mantido para a Copa. Caso contrário, é hora da mudança. Agora, trocar de técnico no ano do Mundial, como fez o Japão... bem, aí já é demais

Rafael Reis

Rafael Reis, blogueiro do UOL Esporte

Kai Pfaffenbach/Reuters Kai Pfaffenbach/Reuters

Löw segue em frente

O mentor do 7 a 1 não quer saber de deixar a seleção alemã. No cargo desde o segundo semestre de 2006, Joachim Löw renovou seu contrato e espera permanecer no cargo até 2022. Pelo menos. Vale lembrar que Löw ainda trabalhou como assistente de Jürgen Klinsmann entre 2004 e 2006, participando da comissão técnica da Copa de 2006. Assim, completando o novo contrato, o treinador terá 18 anos de trabalho com a federação alemã.

Teremos novos Löws no futuro?

Como no futebol de seleções se treina pouco e é importante passar por experiências, positivas e negativas, creio que mais e mais países verão a necessidade de projetos por mais tempo. A alta rotatividade na seleção brasileira, por exemplo, não só é bizarra como explica essa falta de padrão ao longo dos anos.

Julio Gomes Filho

Julio Gomes Filho, blogueiro do UOL Esporte

Técnicos longevos serão cada dia mais raros. Já estamos notando essa tendência no futebol de clubes, que não tem mais espaço para novos Alex Fergusons e Arsène Wengers. O mesmo vale para as seleções. Talvez a exceção seja mesmo a Alemanha, que tem um costume histórico de trabalhos de longo prazo.

Rafael Reis

Rafael Reis

Koji Watanabe/Getty Images Koji Watanabe/Getty Images

Vai que (a vaga) é sua

Num extremo estão Tabárez e Löw, que já criaram raiz em suas federações. Na outra ponta, está o japonês Akiria Nishino, que foi presenteado com a seleção nipônica em 9 de abril. Deste ano, no caso. Se é que uma contratação tão tardia assim pode ser considerada um presente. Treinador do time olímpico que derrotou o Brasil nos Jogos de 1996, ele vai ter pouco mais de dois meses para tentar botar a casa em ordem até a estreia contra a Colômbia, no dia 19 de junho, pelo Grupo H.

Nishino substitui o bósnio Vahid Halilhodzic, que dirigiu a Argélia no Brasil-2014 - aquela mesma seleção africana que, lembremos, foi muito mais competitiva diante da Alemanha do que a seleção da casa. Acontece que o técnico tentou mudar drasticamente o perfil do selecionado japonês, apostando na fórmula de forte marcação e contragolpe. Já bastante criticado durante as eliminatórias, ainda viu a equipe vencer só três dos nove amistosos seguintes, contra fracos oponentes.

Detalhe: antes da Copa jogada no Brasil, Halilhodzic já havia sido demitido às portas do Mundial de 2010, na África do Sul, quando viu a federação da Costa do Marfim optar pelo sueco Sven-Goran Eriksson.

Se tivéssemos feito a mudança mais cedo, talvez não tivéssemos escolhido Nishino. Restando apenas dois meses, essa foi a decisão

Kozo Tashima, presidente da federação japonesa

UOL

Do ramo

Para ser técnico de uma seleção, só se for depois de uma longa carreira como jogador de futebol. Pelo menos é o que mostra a esmagadora maioria dos currículos dos 32 treinadores que vão trabalhar na Copa: 30 deles já foram profissionais

Não é que os dois técnicos que escapem desse perfil nunca tenham jogado bola. Jorge Sampaoli, da Argentina, foi atacante na base do River Plate. Quando se lesionou, precocemente, teve de se reinventar.  Já o português Carlos Queiroz, há mais de sete temporadas com a seleção do Irã, foi goleiro na base do Ferroviário de Mampula, no Moçambique. Mas admite que não tinha muito futuro na profissão.

Agora, não quer dizer necessariamente os treinadores tenham sido atletas de elite. Há carreiras em patamares completamente diferentes. Didier Deschamps, da França, foi capitão do time que venceu a Copa do Mundo em 1998. Joachim Löw e Tite, por exemplo, nunca foram convocados para suas respectivas seleções adultas.

Onde estão os craques?

Técnica e taticamente, você tem poucos dias de trabalhos com as seleções, aumentando apenas com as competições continentais e as datas Fifa. Zidane pode mudar esse quadro, por tudo que representou. Agora, será muito difícil ver Messi ou Cristiano Ronaldo como treinadores. Talvez, quem jogou muito tenha dificuldade para administrar nomes com menos sucesso. Isso é uma curiosidade, realmente

Alexandre Praetzel

Alexandre Praetzel, blogueiro do UOL Esporte

Devido a questões financeiras, seleção é lugar de técnico em início ou fim de carreira. Treinador no auge é coisa do Brasil, onde a CBF é mais rica que os clubes e pode pagar salários mais competitivos. É possível que um dia vejamos Zidane dirigindo a França, Guardiola à frente da Espanha e Mourinho em Portugal. Mas só lá na frente, quando eles não forem mais os melhores (e mais caros) do mercado

Rafael Reis

Rafael Reis, blogueiro do UOL Esporte

Thananuwat Srirasant/Getty Images Thananuwat Srirasant/Getty Images

O acadêmico de Moçambique

Quando Carlos Queiroz, ainda em Maputo, decidiu que seu futuro passava pelos estudos, já estava bem afastado dos gramados. Ele optou primeiro por um curso de engenharia mecânica pela Universidade Eduardo Mondlane (coincidentemente, Fernando Santos, atual técnico de Portugal, tem diploma de engenheiro). Depois, mudou-se para Portugal em 1975, aos 22 anos, e mudou de área, estudando no Instituto Superior de Educação Física de Lisboa.

Recebeu seu diploma, fez mestrado, deu aulas no ensino secundário, para os infantis do Sporting e chegou ao Estoril Praia em 1984 como auxiliar. Em 1986, publicou o estudo: “Estrutura e Organização dos Exercícios de Treino em Futebol”. Em 1987, já era funcionário da federação nacional. É tido como o homem que, no mínimo, viabilizou a revelação de nomes como Luis Figo e Rui Costa, entre tantos.

Ganhou fama como garimpeiro de talentos e também por seu trabalho metódico. Passou pelo Sporting, rodou o mundo e chegou a Manchester para auxiliar Alex Ferguson de 2002 a 2008 – descartando aqui uma passagem frustrada pelo galáctico Real Madrid em 2003-04, pouco antes de Vanderlei Luxemburgo, diga-se.

Em Moçambique, não existia uma grande noção sobre treinos. Eu queria era jogar. Nós jogávamos futebol. Quando a temporada acabava, jogávamos o que fosse: basquete e muito mais

Carlos Queiroz, técnico do Irã

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