
Gabriel Jesus deixou a Rússia sem gols e sob pressão. Aos 21 anos, na primeira Copa do Mundo da carreira, o candidato a homem-gol passou em branco e foi apontado como um dos vilões da queda precoce do Brasil.
“Centroavante vive de gols”, diz o chavão do futebol. Mas como explicar a França, finalista, ter melhorado com a entrada de Giroud, atacante que não tem tanta qualidade técnica e sequer acertou um chute nas seis partidas que fez?
Em uma Copa do Mundo que questiona hierarquias e promove um futebol pós-moderno, não é de se estranhar que o dogma do artilheiro seja revisto. Na Rússia, camisas 9 como Lukaku e Kane mostram que o centroavante segue precisando de gols, mas que a função dele em campo vai muito além de empurrar a bola para as redes.
times jogaram sem um centroavante de ofício. Todos os outros apostaram em algum tipo de "camisa 9".
Imagem: AP Photo/Darko Vojinovictimes usaram dois centroavantes, por vezes até juntos. O Uruguai, porém, se deu bem com Cavani e Suárez.
Imagem: REUTERS/Sergio Perezdos centroavantes que cumpriram essa função na Copa usaram, de fato, o número 9 nas costas.
Imagem: Catherine Ivill/Getty Imagesgols marcaram os centroavantes em 106 jogos somados. Eles ainda contribuíram com 11 assistências.
Imagem: Alberto Estévez/EFEGabriel Jesus conviveu, ao longo de toda a Copa, com a sombra de Firmino, que fez grande temporada e melhorou o time sempre que entrou. Giroud, no caminho oposto, foi a novidade de Didier Deschamps no segundo jogo, depois que ficou claro que Mbappé, Griezmann e Dembelé, três atacantes baixos e muito móveis, não funcionariam juntos. Falar em “função tática” não é apenas encontrar desculpas.
Jesus se desdobrou na marcação para compensar um Neymar baleado e terminou a Copa com 1,2 interceptações por jogo, mesmo número de Miranda e o melhor no quesito entre os jogadores de ataque. Quando Tite precisou, jogou na ponta para “abrir” o campo e ainda se movimentou com inteligência em lances como o golaço de Paulinho, contra a Sérvia. Giroud enfiado no ataque, por sua vez, empurrava a linha de zagueiros para trás, dando “campo” ao ataque da França, e ainda soube fazer o pivô quando acionado.
Só que todo esse discurso também esbarra no óbvio: os gols não feitos fazem falta. Gabriel não teve chances claríssimas, mas apareceu ao menos duas vezes dentro da área da Bélgica, por exemplo, e não soube aproveitar. Cabeceou mal na primeira e viu sua tentativa de drible virar um pênalti não marcado na segunda. Giroud, por outro lado, também teve duas chances claras contra a Bélgica, uma delas em lindo passe de Mbappé, mas não guardou.
Se o futebol moderno exige funções mais complexas, isso não significa que os gols estão fora da lista de missões do centroavante atual.
A primeira coisa que os times pensam é em neutralizar o adversário. Isso bate muito no centroavante. O Giroud fez um trabalho super importante de abrir espaço para o Mbappé. É quase um pick'n'roll de basquete mesmo. Reter a bola, dar uma casquinha...
Se teve quem sofreu diante do gol e foi bem longe dele, os dois artilheiros da Copa do Mundo mostram o caminho do “equilíbrio”. Com seis e quatro bolas nas redes, respectivamente, Harry Kane e Romelu Lukaku fizeram os gols que se espera de um centroavante e ainda abriram espaços para seus companheiros com boa leitura de jogo.
O caso do belga é o mais marcante. Na bola decisiva contra o Japão, quando o placar marcava 2 a 2 e De Bruyne puxava o contra-ataque pelo meio, Lukaku saiu do lado direito para o centro da grande área, arrastando a marcação para que Meunier aparecesse livre. No cruzamento, o atacante do Manchester United, pressionado, ainda teve a destreza de fazer o corta-luz para que Chadli classificasse o time às quartas. Contra o Brasil, de novo, ele abdicou o papel de 9 tradicional e jogou o primeiro tempo nas costas dos laterais de Tite, deixando um buraco para De Bruyne nas costas de Fernandinho. A manobra tática matou o primeiro tempo da seleção e explica os dois gols dos europeus.
Kane, por sua vez, entendeu que jogar enfiado entre os zagueiros não era sempre a melhor alternativa, e por várias vezes recuou até o meio-campo para ajudar. A movimentação permitia que ele acionasse os atacantes rápidos da Inglaterra e participasse, pelo alto, da recuperação da posse de bola na ligação direta de Pickford com o ataque.
É muito complexo, porque o centroavante tem de fazer uma série de coisas, precisa de um tratamento diferenciado. Eu aprendi muito também. Eu não corri nem a metade do que o Gabriel correu nesta Copa. Ele correu muito e muito para trás também
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A avaliação de Ronaldo sobre a Copa de Gabriel Jesus levantou polêmica pela ligação empresarial que ele tem com o jogador, mas revela uma verdade. No tempo do Fenômeno, de fato, o centroavante não tinha tantas atribuições em campo.
“Antes o jogo era muito mais espaçado. Se você pegar as Copas de 1998, até 2002 e 2006, o jogo é muito mais espaçado, os times ocupavam áreas menores do campo, tinha espaço para o centroavante trabalhar. Era um contra um com o zagueiro quase sempre, com espaço para corrida enfiada. Hoje os zagueiros são muito mais físicos e inteligentes”, diz Mairon Rodrigues, analista do projeto Footure FC.
Nesta Copa, especialmente, os espaços estão ainda menores. O sistema defensivo inspirado no handebol, com uma espécie de barreira na frente da área e um contra-ataque matador, bagunçou sistemas ofensivos como os de Espanha e Alemanha, dominantes nos últimos anos. Não é por acaso que, na Rússia, destacaram-se os gols de bola parada, situação de jogo que permite uma organização específica que foge à dinâmica natural da partida.
Por isso, ser “mais que um 9” é pré-requisito para qualquer candidato a 9 dos tempos atuais.