Febre verde e amarela

Com pinturas, frenesi e rituais de fogo, a torcida mais fanática do Brasil vem de... Bangladesh e Índia

Adriano Wilkson Do UOL, em São Paulo
Rupak De Chowdhuri/REUTERS

Bangladesh tem a oitava maior população do mundo, 163 milhões em 2016, mas está longe das manchetes da imprensa internacional. Kerala é um estado no sul da Índia, grande exportador de chá e pimenta, mas é pouco conhecido por gente fora do país. Seu nome significa “terra dos cocos” porque, bem, a região tem muitos coqueiros. Os habitantes desses dois lugares sobre os quais poucos brasileiros ouviram falar gostariam que o Brasil soubesse de uma coisa sobre eles...

Essas duas regiões distantes na Ásia se tornam a cada quatro anos os redutos dos torcedores mais fanáticos da seleção brasileira. A prova talvez esteja nessa foto:

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“Essa foto veio da universidade de Dhaka, a mais antiga de Bangladesh novo”, me explicou Omar Osman Ripon Khan, um estudante de economia que tem o rosto pintado com a bandeira do Brasil em seu perfil no Facebook. “A universidade de Dhaka também é conhecida como a Oxford do Leste. Aqui dois grupos de torcedores do Brasil e da Argentina debatem sobre a Copa do Mundo, cada um defendendo o seu país. Nós, torcedores do Brasil, sempre brigamos com os argentinos para levar nosso time para um nível mais alto.”

Eu estava havia alguns dias trocando mensagens com esses torcedores esquecidos da seleção e eles estavam muito empolgados para me contar tudo sobre a paixão deles pelo Brasil.

“Isso é incrível!”, escrevi de volta. “As pessoas estão indo para universidade discutir futebol?”

“Futebol é uma emoção, ela pode vir em qualquer lugar”, respondeu o estudante Asif Zaman, de Dhaka, a capital de Bangladesh. “Durante a Copa, futebol é tudo para gente, meu caro”, completou o graduado em direito Sarwar Khan.

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A conversa aconteceu em um dos inúmeros grupos de Facebook que reúnem os apaixonados bengalis torcedores da seleção brasileira. Com 586 mil membros, o “Brazil Fans Official Group of Bangladesh” é um dos mais ativos. Mais tarde, o administrador do grupo me procuraria para dar mais detalhes sobre o debate universitário entre “brasileiros” e “argentinos”.

“Tinham entre mil e 3 mil pessoas no debate”, disse Shahriar Akash.

“E quem ganhou?”, perguntei.

“Nós, claro! Nós temos cinco títulos mundiais.”

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Em apenas alguns dias, meu post no grupo recebeu 1,5 mil reações e dezenas de comentários de pessoas querendo mostrar seu amor pela seleção brasileira ao público do Brasil.

“O futebol é nossa maior paixão. Futebol é a nossa vida. Tanto que no último Brasil x Croácia, nós todos fomos assistir juntos ainda que na mesma hora estivesse passando um jogo da nossa seleção de críquete”, afirmou Omar Khan.

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“Amamos o futebol artístico do Brasil. Somos loucos pelas lendas do futebol Pelé, Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho, Kaká. Embora nosso país nunca tenha participado da Copa, encaramos o mês da Copa como um grande festival. Temos diferenças culturais com os brasileiros, mas somos unidos pela emoção do futebol”, disse Shaoun Lambert.

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“Nós apoiamos o Brasil do fundo do coração”, declarou Mahfuj Alam Rakib. “Quando eles jogam, nós rezamos por eles. Quando eles vencem em qualquer jogo, nossa alegria não vê limites. Do nosso ponto de vista, o Brasil é o melhor time no mundo. Nós sempre vamos torcer pelo Brasil.” Sua emoção deve tê-lo feito derrapar na ortografia porque ele completou sua declaração de amor com a hashtag “#Celesao”

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A paixão do povo de Bangladesh pela seleção brasileira talvez só rivalize com a que a outra metade sente pela seleção argentina. Uma reportagem da agência internacional AFP mostrou que grupos de torcedores rivais munidos de facas se chocaram recentemente em uma cidade do país. O conflito deixou duas pessoas gravemente feridas.

AFP AFP

Para tentar aplacar a animosidade entre seus estudantes, a Universidade de Barisal, no sul do país, proibiu o hasteamento de bandeiras estrangeiras no campus. “Eu acho que o governo deveria proibir as bandeiras no país inteiro”, disse o reitor SM Imamul Haq à AFP.

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Um garoto de 12 anos morreu eletrocutado por um poste, segundo a AFP, depois de tentar hastear uma bandeira brasileira ao lado de uma estrada. Nos dias em que fiquei apurando esta reportagem, minha caixa de mensagens ficou cheia de fotos de gente levantando bandeiras brasileiras em vários locais diferentes. 

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O predomínio de bandeiras estrangeiras por todo o país nessa época do ano motivou um advogado de Dhaka a entrar com um pedido para que o governo proibisse o hasteamento delas em Bangladesh.

Os sociólogos têm dificuldade de explicar o fenômeno. Bangladesh nunca se classificou a um Mundial e sua seleção aparece na 194ª posição do ranking da Fifa, no total de 206 equipes.

“Muitas dessas pessoas nem sabem onde fica o Brasil ou a Argentina. Não têm ligação de sangue, nem de língua, mas mesmo assim são fanáticos por eles”, disse Nehal Karim, professor de sociologia da Universidade de Dhaka, à AFP. "Não consigo entender isso."

No meio disso tudo, um torcedor publicou no grupo do Facebook essa foto:

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Um dos participantes do grupo disse que as letras marcadas neste braço significam “Brasil”. “Que p* é essa cara?”, perguntou Asif Kamran, funcionário da universidade NSU (North South University). “Isso é só um jogo, que tipo de pessoa corta o braço para dizer que torce pro Brasil? Não um tipo normal.”

Foi apenas um ponto fora da curva. O grupo logo seguiu com memes, fotos e montagens mostrando o amor dos bengalis pela seleção. Até que Ahmad Mukul, que se apresenta como funcionário do governo de Bangladesh, me enviou um pedido de amizade. E logo uma imagem:

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“Olhe para essa foto, cara. Ele é um rohingya, um entre um milhão de refugiados de Myanmar que entraram em Bangladesh. Encontrei ele em um campo de refugiados. A camisa da 'selecao' foi a única roupa que ele trouxe além da tunica tradicional. Ele deseja sorte ao time do Brasil. Se puder mande a mensagem dele para o seu país.”

Os rohingya são uma minoria étnica e religiosa que protagonizou uma crise refugiados na Ásia depois de tentar deixar Myanmar para países vizinhos em pequenos botes. Perguntei Ahmad se ele saberia dizer o nome do refugiado. Ele disse que não sabia, mas que tentaria localizá-lo.

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Na Índia, o amor pela seleção se traduz em Neymares gigantes

Mas se o clima de Copa parece ter contagiado Bangladesh, o que dizer de Kerala, na Índia? Também fiz uma postagem no grupo “Brazil Fans Kerala” no Facebook e logo um dos administradores pegou um telefone e me ligou para contar a história deles com o Brasil.

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“O amor pelo maior time de futebol da história do esporte está no nosso sangue desde a infância”, disse o torcedor conhecido na internet como Sambu Kumar, mas cujo nome verdadeiro é Sooraj. Ele vive nos Emirados Árabes Unidos, e de lá alimenta o grupo indiano com notícias sobre o dia a dia da seleção. Muitas novidades ele encontra na internet em inglês e logo traduz para malayalam, a língua principal dessa parte da Índia. Quando só encontra informações em português, precisa apelar a ferramentas de tradução na internet.

No último mês, os indianos reviveram a tradição de pintar as ruas e as casas de verde e amarelo nas vésperas da Copa. O grupo dos torcedores ficou cheio de fotos de gente pintando muros e desenhando bandeiras, de carros decorados com as cores brasileiras e passeatas pelas cidades do estado.

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Uma particularidade de Kerala são os cartazes gigantes de Neymar que começaram a ser erguidos por todos os cantos.

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Todos os cantos mesmo.

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“Cada rua, cada povoado tem uma competição saudável durante época de Copa para ver quem faz a melhor decoração, os melhores cartazes e cartazes gigantes, as melhores faixas e pinturas da seleção brasileira e dos jogadores”, explicou o estudante Shafi Poovathingal.

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“Nunca vou esquecer o fracasso do Brasil contra a Alemanha em 2014”, disse Renjish Raju.  “Comecei a amar o Brasil em 2002. Já celebrei muito, já chorei muito. Tudo pelo Brasil. Espero ver o sexto título com o Tite agora”, disse Namshil Muhsin.

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“Chorei horrores quando perdemos para a Holanda em 2010”, disse Athul Jr. “Não conseguia comer, não conseguia lidar com a dor por causa de Kaká, Fabiano e Robinho, era a última Copa deles. Em 2014, com a humilhação eu chorei por quase dois anos. Meus amigos me zoam porque quando vejo o ‘El Classico’ eu torço para os brasileiros tanto do Real quanto do Barcelona. Me apaixonei pelo futebol brasileiro. Eu choro quando o Brasil perde e vou à loucura quando ganha.”

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De acordo com Sanu Pillai, um indiano que vive em São Paulo, os habitantes de Kerala são conhecidos por serem os indianos mais apaixonados por futebol. “Meu pai conta que a televisão chegou lá em 1986 e já transmitiu a Copa. Apesar da Argentina ter ganhado, o povo se apaixonou pelo time do Brasil. A minha geração se apaixonou de verdade com a seleção de 94 e depois de 98, com Ronaldo Fenômeno”, disse ele em português perfeito. “Aqui no Brasil sou corintiano e estou sempre indo a Itaquera.”

Rupak De Chowdhuri/REUTERS Rupak De Chowdhuri/REUTERS

Em outros lugares do país, o amor pela seleção brasileira atinge níveis um pouco mais místicos. Em Calcutá, no estado da Índia Oriental, um torcedor foi fotografado dois dias antes do início da Copa fazendo o “havan”, um tradicional ritual hindu com fogo. Seu objetivo, segundo a Reuters, era canalizar energias positivas à seleção brasileira no Mundial.

Indianos fazem música em homenagem ao Brasil na Copa

Há algumas semanas, os indianos compuseram uma música e gravaram um videoclipe na intenção de apoiar a seleção brasileira na Rússia. O vídeo tem um refrão em inglês que diz “Vamos Brasil, Vamos Neymar”. O resto da letra está em malayalam, mas Sambu Kumar traduziu os primeiros versos:

“O Brasil desembarcou com asas de fogo e nós torcedores estamos prontos para apoiá-los com um muita paixão e amor.”

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