Duelo dos haters

"Geração belga" ou "camisa pesada"? Brasil x Bélgica desperta polarização característica dos nossos tempos

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Quantas vezes você ouviu falar da "ótima geração belga"? A reunião de talentos do time europeu, rival do Brasil nesta sexta, às 15h, na briga por uma vaga na semifinal da Copa do Mundo, é uma representação da polarização dos tempos atuais.

Há quem a use para exaltar "o novo", a evolução de um país com pouco mais de 11 milhões de habitantes e com território 279 vezes menor do que o Brasil, que reinventou metodologias de trabalho para forjar talentos e se intrometer entre as potências da bola. Já os mais "tradicionais" aguardam qualquer sinal de fiasco dos belgas em campo para explorar as frases de forma pejorativa e jocosa, colocando a Bélgica como um engodo do futebol moderno, da faixa etária que admira jogadores que são craques apenas no videogame e acha que o jogo se resume a números e variações táticas.

O clima de Fla-Flu, que permeia qualquer polêmica virtual, ferve desde que os belgas se colocaram no caminho da seleção brasileira nas quartas de final da Copa da Rússia. A partida será nesta sexta-feira (6), às 15 horas (de Brasília), em Kazan, mas no palanque virtual a bola já está rolando.

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AFP / Fabrice Coffrini AFP / Fabrice Coffrini

Afinal, camisa pesa na Copa?

Se a Bélgica exalta seus amantes e detratores, o debate fica ainda mais acalorado quando o próximo adversário é o Brasil. No último encontro entre as seleções em Copas, nas oitavas de final de 2002, a seleção brasileira era o que sempre foi: favorita. Os belgas também eram o que, até então, sempre foram: figurantes. A vitória verde-amarela por 2 a 0, em Kobe, no Japão, com gols de Rivaldo e Ronaldo, apenas reforçaram a hierarquia histórica.

Dezesseis anos depois, o Brasil segue como potência, mas reencontra um rival forjado para ser competitivo. Terceira colocada no ranking da Fifa, com direito a liderar a lista entre 2015 e 2016, a seleção não perde há 22 partidas (ou desde setembro de 2016) e tem um dos ataques mais letais da Europa, que marcou 12 gols em quatro jogos neste Mundial.

Camisa pesa, como defendem os "puristas", mas não bastou para boa parte dos favoritos se manter na Copa da Rússia, casos mais notórios de Argentina e Alemanha. Quando a Bélgica sofre para bater o modesto Japão, no entanto, o argumento dos "modernos" também fica abalado. O Brasil, sob vários aspectos, é uma espécie de batismo de fogo da "ótima geração".

Assim que o apito soar em Kazan, nesta sexta, prepare-se. Seja lá qual for o resultado, haters de pelo menos um lado do "Fla x Flu" vão atacar...

Sou objetivo em dizer que o Brasil individualmente é o melhor time da Copa do Mundo, mas isso não vai mudar o nosso desejo e a nossa confiança. Nós confiamos em nossa geração, não temos medo e ousamos.

Vincent Kompany, zagueiro da Bélgica, sobre o duelo desta sexta-feira

Vincent Kompany, zagueiro da Bélgica, sobre o duelo desta sexta-feira

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Mladen Antonov/AFP Mladen Antonov/AFP

A ciência por trás da "safra" belga que quer a Copa

A “safra” de jogadores da Bélgica não é por acaso, e isso entra nos acalorados debates virtuais. O país de 11,3 milhões de habitantes, menos populoso que a cidade de São Paulo, tem um forte trabalho científico de formação por trás da equipe atual, o que novamente opõe os debatedores exaltados. É como se de um lado estivesse a construção baseada em estudo, pensada e planejada, e de outro estivesse o empirismo e a crença na pujança eterna de talentos. 

Michel Sablon, ex-diretor da federação belga, é o homem por trás desse processo. Em 2006, ele rodou França, Holanda e Alemanha para observar a formação de jogadores, e comissionou um estudo com a Universidade de Louvain para gravar, observar e destrinchar 1500 partidas de categorias de base da Bélgica. A decisão foi de uniformizar o 4-3-3 como filosofia de jogo nas seleções menores, e a federação passou a rodar o país pedindo aos clubes que utilizassem o mesmo esquema em suas equipes jovens.

Nas apresentações, era passada uma metodologia de treinamentos, baseada em confrontos 2x2, 5x5 e 8x8, com o objetivo de desenvolver dribles e passes em diagonal considerados ideais para o esquema. Tabelas e campeonatos formais foram eliminados do futebol entre crianças menores de dez anos. A ideia era evitar a competição e focar exclusivamente no desenvolvimento dos fundamentos técnicos e táticos das crianças. A federação também ofereceu cursos gratuitos para treinadores e preparadores.

Além do trabalho em conjunto os clubes, foram criadas oito escolas com apoio de governo e cartolas. Os espaços forneciam treinamentos extras para jogadores entre 14 e 18 anos, de diferentes clubes, e serviam também com um espaço de convivência entre companheiros de seleções que atuavam por times diferentes. Passaram pelas escolas Courtois, Witsel, Mertens, Dembelé, Chadli, todos importantes na equipe que enfrenta o Brasil nesta sexta.

Mike Hewitt - FIFA/FIFA via Getty Images Mike Hewitt - FIFA/FIFA via Getty Images

Na formação, Brasil aposta (bem) menos na ciência

No Brasil, de fato, a formação de jogadores não está tão atrelada a um processo "científico". A responsabilidade é dos clubes, não existe implementação de uma metodologia nacional ou uniformização de esquemas de jogo. A CBF instaurou, a partir de 2012, uma série de exigências para os times brasileiros, como apresentar a relação dos técnicos e preparadores físicos, comprovar a participação em competições oficiais, detalhar os programas de treino e proporcionar assistência médica e educacional aos atletas. Quem as cumpre recebe o certificado de clube formador.

Na prática, entretanto, o cenário é pouco animador. Em 2017, apenas 36 clubes dos quase 800 filiados à CBF possuem o certificado, e três equipes que disputavam a Série A do Brasileiro não cumpriam as exigências (Atlético-GO, Chapecoense e Vasco). O número representava uma queda em relação a 2015, quando 43 times tinham obtido o certificado. O número subiu para 37 em 2018.

Nas seleções de base, o Brasil também sofre com a falta de uniformidade e muitas trocas de comando. Desde 2012, a seleção sub-20 teve Ney Franco, Emerson Ávila, Alexandre Gallo, Rogério Micale e Carlos Amadeu como técnicos. Amadeu assumiu em janeiro deste ano, quase um ano depois da demissão de seu antecessor Micale. Resultados esportivos em competições são, invariavelmente, a causa das demissões. Ao longo do mesmo período, para efeito de comparação, Johan Walem se mantem à frente da seleção sub-20 belga.

O Brasil segue produzindo talentos, favorecido por questões geográficas e culturais, mas nem sequer tem um "modelo" para chamar de seu. 

Mike Hewitt/Getty Images Mike Hewitt/Getty Images

Na "vida real", brasileiros e belgas são parceiros

A animosidade que a Bélgica causa se restringe ao virtual. Na vida real, os países se respeitam e os jogadores criaram vínculos. Astros do Chelsea, Hazard e Willian são grandes amigos. Lukaku é fã de Adriano Imperador, bebe guaraná e fala português por influência de brasileiros com quem conviveu no Anderlecht. Kevin De Bruyne tem Ronaldinho Gaúcho como inspiração. Meunier costuma fazer apostas com Neymar no PSG, e perde com frequência.

Sim, existe amor no confronto mais aguardado das quartas de final da Copa do Mundo da Rússia. "É um jogo dos sonhos para os nossos jogadores. Eles nasceram para jogar partidas como essa", exaltou o técnico espanholo Roberto Martínez, no comando da Bélgica desde agosto de 2016.

Ainda que os jogadores belgas sejam frutos de um programa bem-sucedido de detecção e desenvolvimento de talentos, a Bélgica tem a seu favor, na comparação com potências europeias com filosofias semelhantes de trabalho, como Alemanha e Espanha, um aspecto associado aos sul-americanos, em especial aos brasileiros: a capacidade individual.

Essenciais à seleção e a seus clubes no coletivo, os meias Eden Hazard e Kevin de Bruyne são reverenciados também pelo talento genuíno que mostram em campo. Com um drible, um passe, uma visão de jogo diferenciadas, são capazes de decidir uma partida. Como seus pares brasileiros. 

A mistura do Brasil com a Bélgica

Não sei como pará-lo. Ele é muito imprevisível. Neymar é provavelmente o melhor jogador com quem já joguei.

Thomas Meunier, defensor da Bélgica e companheiro de Neymar, Thiago Silva e Marquinhos no PSG

Thomas Meunier, defensor da Bélgica e companheiro de Neymar, Thiago Silva e Marquinhos no PSG

Eu realmente me espelhei em Zidane e Ronaldinho. Dois jogadores completamente diferentes, mas eles são incríveis.

Kevin De Bruyne, meia da Bélgica, em entrevista ao site do Manchester City

Kevin De Bruyne, meia da Bélgica, em entrevista ao site do Manchester City

Adriano é maior do que eu. Fico feliz por ter feito gols, estou jogando ao lado de jogadores que facilitam muito para que o gol saia

Romelu Lukaku, atacante da Bélgica, sobre comparações com o ex-atacante brasileiro

Romelu Lukaku, atacante da Bélgica, sobre comparações com o ex-atacante brasileiro

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