A 1ª estrela de Tite

Em busca da sexta para o Brasil, treinador comemora 25 anos de seu primeiro título, na Série B do Gauchão

Diego Salgado e Emanuel Colombari Do UOL, em São Paulo
Arte/UOL

Em 1993, um jovem técnico deixou para trás as frustrações como jogador de futebol e conquistou o título de estreia na nova função. Vinte e cinco anos depois, o treinador que foi buscar a sua primeira estrela na segunda divisão do Campeonato Gaúcho, pelo modesto Veranópolis, busca a sexta do país inteiro na Rússia, no maior desafio de uma carreira hoje já consolidada.

Mais do que um marco pessoal, aquela campanha vitoriosa ajudou a projetar Tite no cenário do futebol do Rio Grande do Sul. Anos depois, ele repetiria o sucesso no Caxias e no Grêmio, aí sim na primeira divisão. Vieram Copa do Brasil, Copa Sul-Americana, Campeonato Brasileiro, Copa Libertadores e Mundial de Clubes. De Veranópolis para o mundo, Tite se consolidou como uma força do banco de reservas e desde 2016 comanda o sonho brasileiro do hexa. 

Um dia antes da estreia na Copa do Mundo, contra a Suíça, o UOL Esporte relembra em detalhes a primeira conquista do comandante da seleção na Rússia.  

Bruno Thadeu/UOL Bruno Thadeu/UOL

Tite já tinha "jeitão" com elenco e Cássio estava por perto

Tite tinha 31 anos quando chegou ao Veranópolis - atrapalhado pelas seguidas lesões no joelho, ele havia abandonado a carreira de meia e apostado na trajetória como treinador a partir de 1990. Nos três anos em que esteve à frente do time, o estilo sempre próximo dos jogadores deu o tom, e quem acompanhou o processo desde o começo diz que o treinador da seleção brasileira mudou muito pouco de lá para cá. 

"Era muito simples lidar com o Tite", conta Gilnei Favero, que em 1994, aos 27 anos, entrou no clube para trabalhar na secretaria - hoje, aos 51, é presidente do Conselho Deliberativo. "Depois de todos os jogos, ele vinha aqui e ficava batendo papo", conta, relembrando as reuniões com a comissão técnica na imobiliária de sua família. 

Também em 1994, Dirceu Paulo Salla, o Tampinha, substituiu Edgar Chiaradia como diretor de futebol. Chiaradia morreu em julho de 2016, aos 70 anos, pouco mais de um mês depois de Tite ser anunciado o técnico da seleção brasileira. Outro personagem da conquista de 25 anos atrás é o goleiro Cássio. Natural de Veranópolis, o jogador corintiano era o mascote da equipe. Aos seis anos, entrava em campo com o time e algumas vezes era gandula. No dia do título, participou da festa ao lado do tio Kojak, massagista do time campeão.

"Ele persistia em trabalhos longos, em repetir equipe. Ele sempre pedia para repetir figuras pelo entendimento do trabalho. A cobrança era direta com o atleta, muito olho no olho"

Dirceu Paulo Salla, o Tampinha, diretor em 1994

"O trabalho dele em campo já era diferenciado. A dedicação dele era 24 horas por dia ao clube, ao estudo. Ele falava muito com jogador, com a direção do clube. Por isso ele deu tão certo"

Gilberto Generosi, atual presidente do Veranópolis

"Todo mundo gosta do Tite, mas lá em Veranópolis a população tem um carinho especial por ele por tudo o que ele fez pelo clube e pela maneira que ele sempre tratou todo mundo"

Cássio, mascote do Veranópolis em 1993

Reprodução Reprodução

"A Segundona hoje já é difícil. Tu imagina em 1992, 1993?"

Quem levanta a questão é Gilberto Generosi, atual presidente do Veranópolis. Em 1992, ele era apenas um torcedor da nascente equipe, que teve em Tite o primeiro treinador de sua história. A contratação, na época, foi fruto de uma avaliação quase unânime da diretoria, ainda no início da profissionalização.

"Na fundação do clube (em janeiro de 1992), já veio o nome do Tite como técnico", conta Dirceu Paulo Salla, o Tampinha, então diretor de patrimônio do clube. "Eles fizeram uma pesquisa de mercado. Acharam um técnico jovem, mas de conhecimento." No início, Tite chegou a um acordo com o clube sem nem mesmo assinar um compromisso formal. Era tudo "no fio do bigode", como se diz entre os gaúchos.

"O Tite nunca teve contrato com o Veranópolis. Era tudo verbal"

Quem relembra os "termos" é Gilnei  Favero, atual presidente do Conselho Deliberativo do clube e irmão do então presidente do VEC, Clovis  Favero. “Na época, o clube era muito amador. O escritório era na nossa imobiliária."

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"Convocados" no início da carreira saíam de amistosos

Foi desse jeito quase improvisado que, aos 30 anos, Tite foi apresentado ao elenco do Veranópolis em 16 de março de 1992. Naquela segunda-feira, ao lado do auxiliar-técnico e preparador físico Donizetti, iniciou os trabalhos com os jogadores, ao mesmo tempo em que indicava a Edgar Chiaradia, então diretor de futebol, os reforços com os quais gostaria de contar.

Chegaram então nomes que ajudariam a escrever a história do clube. Entre eles, o goleiro Gilmar e o lateral esquerdo Kide, oriundos do Guarany de Garibaldi - justamente o primeiro time comandado por Tite. Chegou também o ponta-esquerda Lucianinho, que defendia as categorias de base do Grêmio no fim da década de 1980. A contratação, aliás, dá o tom da formação do elenco. No começo daquele ano de 1992, Lucianinho passava férias em Veranópolis quando um jogo-treino mudou sua trajetória. 

"Teve um amistoso aqui. Como eu estava de férias, eu participei. Ele me convidou, mas eu disse que estava no Grêmio. Foram vários convites, até que eu decidi vir", conta Lucianinho, que atualmente trabalha como auxiliar do técnico Gilmar Dal Pozzo. Com ele veio também Leandro, seu irmão, que atuava no meio-campo.

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Após primeiro ano de decepção, Tite atua como "manager"

O primeiro ano de trabalho no Veranópolis não saiu como Tite queria. Terceiro colocado na primeira fase do torneio, o time cairia em um jogo desempate contra o modesto Tresmaiense, que acabaria a segunda divisão como sexto colocado e formaria, para o ano seguinte, a base do título que finalmente sairia. Indicados pelo treinador, o lateral-esquerdo Luciano Maia, o meio-campista Bilo e o meia-atacante Jorjão vieram do próprio Tresmaiense - Marino, do Ipiranga de Sarandi, foi o quarto reforço. 

"Ele ia levantando os nomes e, na medida do possível, a gente ia acertando", relembra Tampinha, diretor de patrimônio do VEC na época.

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Elenco segura o técnico no cargo e garante acesso questionado

O "novo Veranópolis", montado com a ajuda de Tite, não começou bem. Duas derrotas nos quatro jogos iniciais colocaram o time sob pressão contra o Pratense, em casa. "Estava 2 a 0 e o Pratense empatou. No fim, ele se reuniu com a diretoria. Foi até a casa do Edgar (Chiaradia). Ficamos sabendo que ele pediu para sair”, relembra Lucianinho. O elenco, então, assumiu a bronca pelos maus resultados e pediu a permanência do jovem treinador.

“Fomos até lá. Chegamos e nos reunimos com todos. Ele tinha que dar um voto de confiança para nós. O Tite então colocou que sempre acreditou em nós. Retomamos a competição e veio uma sequência positiva”, conta o ex-ponta-esquerda. A "união" em torno do trabalho do técnico, que Tite ainda viveria outras vezes na carreira, deu resultado.

O Veranópolis reagiu, avançou por mais duas fases de grupo no embolado regulamento do Gauchão e finalmente atingiu o quadrangular semifinal, em que cada equipe faria seis jogos e campeão e vice subiriam. Na penúltima rodada, o empate por 1 a 1 entre Bagé e Veranópolis garantia o acesso à dupla que, pelos relatos da imprensa, passaram a atuar com certa passividade, o que fez o público presente em Bagé acusar os dois times de "marmelada". 

Bruno Thadeu/UOL Bruno Thadeu/UOL

Tite ganha, enfim, o primeiro título de uma longa carreira

O Veranópolis conquistou o acesso por antecipação no quadrangular final, mas ainda teria a chance de conquistar o título na última rodada, em 5 de dezembro, jogando em casa diante do Tresmaiense. Além de vencer, o time comandado por Tite torcia por um tropeço do Bagé fora de casa diante do Taquariense. No jogo decisivo, Tite escalou o VEC com Dalmoro; Marciano, Bira, Eduardo e Luciano Maia; Joel Marcos, Júlio César, Bilo e Joel Cavalo; Caio e Jorjão. Venceu por 2 a 0, graças aos gols de Caio e Jorjão, este último artilheiro da competição. Ao mesmo tempo, também por 2 a 0, o Bagé foi derrotado, dando o título ao time de Tite.

“Mesmo com a classificação garantida, o VEC jogou tudo que sabia contra a Tresmaiense. Foi brilhante, fechando com chave de ouro. A vitória poderia ter sido maior. O torcedor vibrou o tempo inteiro e, quando terminou o jogo, entrou no gramado do Estádio da Palugana para comemorar com seus ídolos a conquista do título”, descreveu o jornal O Estafeta em 10 de dezembro de 1993.

Na tarde daquele domingo, Veranópolis comemorou. A delegação desfilou na cidade sobre um caminhão do Corpo de Bombeiros e a torcida seguia em carreata. A festa que começou no estádio desembocou na Rua Carlos Barbosa, no centro da cidade. Tite e o auxiliar Donizetti foram muito celebrados no jornal local:

"Com um trabalho sério e competente, mostrou o que a grande maioria já sabia: é um grande técnico"

Passos seguintes

  • Caxias e Grêmio

    Tite deixou o Veranópolis em 1995 e voltou ao clube para uma segunda passagem, já no fim de 1997. Em 2000, à frente do Caxias, despontou de vez no cenário do futebol gaúcho ao conquistar o campeonato estadual daquela temporada numa final contra o Grêmio. No ano seguinte, já pelo Grêmio, ergueu a taça do Gauchão e da Copa do Brasil - na decisão, derrotou o Corinthians de Vanderlei Luxemburgo em pleno estádio do Morumbi.

    Imagem: Jefferson Bernardes/Folhapress
  • Passagens apagadas

    A carreira de sucesso teve um hiato de títulos de sete anos depois da saída do Grêmio. Entre 2003 e 2007, Tite passou por São Caetano, Corinthians, Atlético-MG, Palmeiras e Al Ain, dos Emirados Árabes. No São Caetano, conseguiu levar o time à Libertadores e montou a base para o time campeão paulista com Muricy Ramalho no comando. No Corinthians, comandou uma campanha de recuperação, mas acabou demitido no começo da era MSI.

    Imagem: Fernando Santos/Folha Imagem
  • Inter

    Somente no Inter é que Tite voltou à rota de títulos. Logo na sua primeira temporada no time colorado, o treinador levantou o troféu da Copa Sul-Americana de 2008. No ano seguinte, manteve a boa fase ao conquistar mais um Estadual, além de levar o Inter à final da Copa do Brasil - daquela vez, o Corinthians levou a melhor na decisão. Antes de ser demitido pela diretoria colorada, Tite ainda se sagrou campeão da Copa Suruga.

    Imagem: Lucas Uebel/Vipcomm
  • Corinthians

    Depois de uma passagem curtíssima pelo Al-Wahda, Tite voltou ao Corinthians para a consagração máxima em um clube. Campeão brasileiro de 2011, o time alvinegro conquistou a Libertadores e o Mundial no ano seguinte. Depois, faturou a Recopa e o Campeonato Paulista. Após um ano sabático, o treinador voltou ao Corinthians para garantir mais um Brasileirão. Seis meses depois, foi escolhido para a vaga de Dunga na seleção.

    Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress.

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