Voltando ao Brasil...
De acordo com artigo chamado "Motor Flex", publicado pelo "Instituto DNA Brasil", o sistema flexível usado pelos modelos americanos funcionava a partir de um sensor eletrônico na linha de combustível. Engenheiros brasileiros da Bosch se inspiraram nessa solução para desenvolver por aqui o primeiro protótipo bicombustível da história da indústria automotiva brasileira: um Chevrolet Omega 2.0. É por isso que temos uma imagem (meramente ilustrativa) de um Omega junto a este texto.
Tal modelo foi escolhido porque, no princípio dos anos 1990, o Omega se tornou o primeiro automóvel a álcool dotado de injeção eletrônica multiponto no mundo -- já existiam outros modelos movidos a etanol e dotados de injeção, só que monoponto --, elemento importante para a implantação do sistema flex. O protótipo, pronto em 1994, utilizava um sensor de densidade dentro do tanque de combustível, que media a condutividade elétrica do ar e estabelecia, a partir disso, qual era a mistura do combustível ali presente.
Do ponto de vista de engenharia a ideia deu certo.
No livro institucional "A trajetória de um time de empreendedores. A contribuição de Bosch para desenvolvimento e introdução dos sistemas de injeção eletrônica no Brasil", ao qual UOL Carros teve acesso com ajuda do Miau (Museu da Imprensa Automotiva), há o relato de que o Omega flex teria rodado mais de 200 mil quilômetros em testes sem apresentar problemas.
Entretanto, a solução criada pela Bosch era muito cara para ser introduzida em veículos generalistas.
Aí entrou a Magneti Marelli. No fim dos anos 90, a empresa pertencente ao grupo Fiat criou um sistema, denominado SFS (Software Flexfuel Sensor, na sigla em inglês), que consistia na introdução de um dispositivo eletrônico não no tanque, mas sim na sonda lambda do veículo, que analisa os gases de escapamento.
Tal sensor conseguia analisar a uma velocidade razoável qual era a composição vigente, adequando assim o fluxo da mistura ar-combustível e também as curvas de ignição às diferentes misturas de gasolina com etanol. O melhor de tudo: a um custo muito mais acessível.
Ainda assim, a Fiat hesitou em investir na tecnologia por receio de que os consumidores não estivessem ainda preparados para assimilar a novidade.
VW dá o passo que todos aguardavam
Quis a ironia do destino, então, que a rival Volkswagen decidisse pagar para ver. Portanto, foi a marca alemã aquela que entrou para a história no lugar da italiana, mesmo usando uma tecnologia desenvolvida por uma subsidiária da própria Fiat. Aí não demorou para que a concorrência se mexesse: Chevrolet Corsa 1.8 FlexPower (junho de 2003), Fiat Palio 1.3 Fire flex (outubro de 2003) e Ford Fiesta Rocam 1.6 Flex (início de 2004) invadiram o mercado logo na sequência.
Para que o sistema funcionasse, as fabricantes tiveram de incluir centrais eletrônicas mais rápidas e eficientes em seus carros. Foram necessárias, ainda, modificações em componentes como válvulas, tubulações, bicos injetores, comandos de válvulas e coletores de admissão e escape. Tudo para que o motor pudesse trabalhar com gasolina ou álcool sem apresentar danos ou corrosões. Ah, e claro: os carros flex herdaram daqueles movidos só a etanol o famigerado tanquinho de partida a frio.
Mesmo com todo o esforço, os primeiros modelos bicombustíveis brasileiros apresentavam diferenças substanciais de desempenho quando abastecidos com um ou outro combustível, além de certa demora na detecção da mistura presente no tanque. Como o álcool hidratado possui poder calorífico e detonante diferentes da gasolina, muitas vezes a mistura inadequada de ar e combustível gerava sobreaquecimento e afetava momentaneamente o desempenho. Foram necessários anos até que esses detalhes fossem dirimidos.
Hoje, com o avanço da capacidade de processamento das centralinas e a introdução de sistema de preaquecimento do etanol (eliminado o famoso e polêmico tanquinho extra de gasolina), as disparidades estão cada vez mais imperceptíveis.
Modelos dotados de turbo e injeção direta bicombustíveis também representam uma pequena evolução, embora ainda sejam minoria no mercado. Ou seja: qualquer reclamação em relação ao rendimento de um automóvel flex atual não passa de má vontade ou preconceito.