Samba é para gente brilhar

Conheça a história de apaixonados pela arte drag e pelo samba que quebram, diariamente, diversas barreiras

oferecido por Selo Publieditorial
Gustavo Dantas / Mavo

Touca, base, corretivo, pó compacto, sombra, lápis, rímel, batom, body com brilhos, bota salto 15 e, finalmente, um cabelão entram em cena. Em cerca de duas horas de minuciosa preparação, Savanna Black está pronta. A festa não é em uma boate, mas em um local onde sua drag queen se sente verdadeiramente em casa: uma quadra de escola de samba.

"Quando a gente reflete e entende que tanto a arte drag quanto o samba são atos políticos, percebe que as duas coisas casam muito bem", diz ele.

A construção da personagem veio aos poucos na vida de Jefferson, e nesse processo alguns fatores tiveram papel primordial. Um grupo de Facebook que participa serviu de alicerce para ele ganhar confiança: trocar informações sobre estética, encontrar apoio para inquietações, reconhecer-se drag no mundo do samba.

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Já o emblemático "RuPaul's Drag Race", reality show norte-americano surgido há uma década, inspirou-o conceitualmente. No programa, o que mais impressionava o sanitarista eram as drags que se pareciam com ele. "Drags negras, trazendo um papel que, para mim, é fundamental: falar de racismo, da história do povo negro, dentro de um campo que já luta contra o preconceito", conta.

A primeira vez que Jefferson encarnou Savanna Black foi na quadra da escola que frequentava há alguns anos, a Vai-Vai, mais vitoriosa agremiação paulistana. "Rolam vários receios. Mas quando eu cheguei lá, relaxei. Senti que tudo bem eu estar ali daquele jeito. Óbvio que tiveram olhares de estranhamento, mas muita gente também comentou positivamente. Isso mostra que você ultrapassou uma barreira", diz ele. O look desse dia, Jefferson mostrou antes no grupo do Facebook — prática que, especialmente no início, deixava-o mais seguro. "Você está falando de drag para drag, com pessoas que sabem o caminho dessa arte", explica.

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Apesar de a população LGBTQI+ ter sido sempre atuante em diversas áreas do Carnaval, foi nos últimos anos que postos de destaque na avenida passaram a apresentar maior diversidade. Em 2017, Gaby Rodin se tornou a primeira madrinha de bateria drag, na novata escola carioca Acadêmicos de Madureira. Já em 2018, Camila Pereira de Moraes desfilou à frente da bateria da tradicional Camisa Verde e Branco, em São Paulo, no posto de rainha trans. Neste ano, foi a vez de Patrícia Souza ser a primeira musa trans da Mangueira.

Quem não vive na pele a homofobia talvez não enxergue, mas essa ausência de uma representatividade mais forte cria obstáculos para muita gente. Foi só aos 18 anos que Jefferson passou a frequentar o samba, por incentivo de amigos. "Eu não imaginava que era um mundo onde os gays iam. Imaginava que era um mundo muito heteronormativo — e é um pouco, sim, mas também tem muito LGBTQI+ no samba, e essa galera faz desse um rolê mais inclusivo", diz ele.

Quando você vê gente como você nos lugares, você se sente em casa, entende que esse é um rolê para você também

Savanna Black, 25 anos, drag queen

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Fervo no lugar certo

Há seis anos a paulista Jaqueline Ramirez (centro), 35, pensou em reunir drag queens brasileiras, como ela, em uma página de Facebook. Após assistir a uma competição na casa noturna paulistana Blue Space, ela se perguntava: "por que não encontro informações sobre essas drags? Por que é mais fácil saber sobre artistas estrangeiras?". O questionamento de Jaque deu origem ao grupo Drag Queens Brasil, espaço importante na vida de Jefferson e de outras tantas drags — são cerca de 4 mil membros, entre artistas e simpatizantes —, reunindo dicas de montação, depoimentos, ofertas de trabalho. "O que mais me dá orgulho é que é um grupo pioneiro em dar destaque para as drags locais", diz Jaqueline.

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Samba tradicional (e gay) no Arouche

Foi também essa noção de integração, de se sentir em casa, que marcou a trajetória do analista de suporte comercial e promoter Pablo Nascimento, 41. De uma família paulistana onde, desde cedo, o samba pegava no fundo do quintal, ele começou a ir a clubes gays de música eletrônica na juventude — e um ambiente parecia pouco se comunicar com o outro. Era como se fossem universos paralelos.

No início dos anos 2000, ele foi pela primeira vez em um lugar que parecia unir os dois mundos que fazem parte de sua identidade, em um bar pequenininho no largo do Arouche. "O público desse local era gay, 99% negro, em um ambiente que tocava samba. Comecei a ir nesse rolê com amigos, comecei a conhecer pessoas. Me reconheci mesmo", conta ele.

De lá para cá, Pablo assumiu a realização de uma espécie de "filha" dessa festa. Todo domingo, ele promove uma noite chamada Cantho do Samba, reunindo ritmistas, passistas, rainhas de bateria, cantores. Gente do universo do samba, gente do universo LGBTQI+, gente como ele que transita por ambos, diluindo fronteiras.

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Com frequência, o promoter circula pela cidade atrás de artistas para a festa: são rodas de pagode nas quebradas, escolas tradicionais, escolas novas. Montou, ele próprio, uma corte da balada, como ocorre nas agremiações, organizando um show com frequentadores que arrasavam semanalmente na pista. Ampliando o alcance da festa, ele faz a divulgação em grupos de Facebook voltados não só ao público da noite em questão, mas ao público negro, ao público tradicional do samba. Em um deles, Pablo consegue manter conversas ativas sobre o assunto com mais de 6 mil pessoas. Quebrando preconceitos.

Essa habilidade para construir pontes rendeu a ele o convite para assumir uma ala de passistas gays na escola Imperial da Vila Penteado, fundada em 2017 na zona norte da cidade. Em fevereiro de 2020, além de estar criando elos no centro da cidade, Pablo estará também no Anhembi, mostrando que o samba é sim um ótimo palco para a diversidade.

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