Kaysar: ingênuo ou esperto?

Um dos favoritos a vencer o "BBB18", refugiado sírio cura papagaios deprimidos e sonha em resgatar a família

Luigi Poniwass Colaboração para o UOL
Globo/ Paulo Belote

O bom humor inabalável de Kaysar Dadour, o refugiado sírio de 28 anos que é um dos favoritos ao prêmio de R$ 1,5 milhão do “BBB18”, já despertou a desconfiança de muitos de seus colegas de confinamento. Para alguns deles, o fato de pouco falar sobre seu passado misterioso como fugitivo da guerra civil em seu país e o sorriso sempre no rosto seja mais parte da construção de um personagem do que um drama real.

Mas a história que se ouve ao conversar com parentes e pessoas próximas do ex-garçom tem contornos bem mais dramáticos do que já revelado por ele ou divulgado pelo programa. Kaysar de fato se viu forçado a deixar Alepo e a família para trás há sete anos, quando eclodiu a guerra civil na Síria, e não vê os pais e a irmã desde então. Mais que isso: além de ter perdido pessoas próximas no conflito, como uma namorada e um tio, ele chegou a dormir na rua e a passar fome na Ucrânia, seu primeiro destino, em 2011.

Também na Ucrânia, em Odessa, foi espancado e quase morto por fundamentalistas islâmicos por causa do crucifixo que trazia no pescoço – o brother é cristão ortodoxo armênio. O otimismo constante seria uma mistura de alívio por estar a salvo, num país livre, com uma vontade genuína de virar a página, na opinião do empresário Nassib Abage, primo da mãe de Kaysar que o acolheu quando ele desembarcou em Curitiba, em julho de 2014.

Ele garante que nada no comportamento do parente na casa é calculado:

Ele é lá o que é aqui. Não tem diferença nenhuma. Não há qualquer estratégia. Ao contrário, ele até peca por ser muito ingênuo. Tanto que fez aquela burrada de votar na Gleici, de seguir o conselho daquela outra [Patrícia].

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Papagaios em depressão

O apelido Papagaio, que o brother insiste em tentar emplacar no programa, sem sucesso, vem do seu amor pelos bichos, particularmente pelos pássaros. “Um tio dele tinha um aviário em Alepo, e ele trabalhou lá quando era menino”, conta Nassib.

Ele cuidava dos pássaros, e aprendeu a tratar os animais em depressão. Tanto que muita gente o procurava quando seus papagaios ficavam deprimidos. Mandavam os bichinhos para ele, ele curava e devolvia.

Nassib também testemunhou essa paixão pelos bichos nesses quatro anos de convívio com o primo de segundo grau em Curitiba. Ficou a cargo dele cuidar do periquito Habib, que Kaysar viu na gaiola de um cara num posto de gasolina e o comprou na hora, e da calopsita Pirata [mesmo nome da garrafa d’água de estimação do sírio no BBB]. Os dois vivem soltos em casa.

“O Kaysar também anda com potes de ração e farelo no porta-malas do carro para alimentar os patos e outros bichos que encontra nos parques e adora dar comida e acariciar as capivaras do Parque Barigui”, conta Nassib, referindo-se aos bichos que vivem no maior parque de Curitiba e até viraram um dos símbolos da cidade.

A mania de alimentar bichos na rua até rendeu uma encrenca ao brother, que foi parado uma vez pela polícia numa blitz e os guardas acharam que o farelo que ele carregava no porta-malas poderia ser algum tipo de droga. ‘Este é comida dos meus filhos!’, respondeu Kaysar, segundo o parente, que lembrou que o sírio acabou ficando amigo dos policiais.

A facilidade em fazer amizade é outra característica do refugiado que, segundo o empresário, também costuma conversar com moradores de rua. “Ele sempre dá alguma coisa para eles, nem que seja um café, uma água, um prato de comida, e também sempre compra alguma coisa dos vendedores de frutas e verduras que passam aqui na porta.”

Tiro, porrada e bomba

Até estourar a guerra civil na Síria, há 7 anos, a família Dadour era como qualquer outra de classe média. O pai de Kaysar, Georgio, era representante comercial, e a mãe, Diana, era dona de casa. O jovem vivia com eles e a irmã, Celine, e queria cursar administração de empresas. “Ele sempre foi muito ligado nos animais, mas nunca pensou em veterinária por medo de fazê-los sofrer”, lembra Nassib.

Quando a guerra começou, a família achou melhor mandar os filhos para fora do país. Celine foi morar com uma tia no Líbano e Kaysar iria encontrar um amigo na Ucrânia. O plano para Celine deu certo, mas o irmão não teve a mesma sorte. Ao chegar à Ucrânia, descobriu que a pessoa que ele iria encontrar já tinha ido embora. “Ele ficou sozinho e sem dinheiro e comeu o pão que o diabo amassou: foi morar embaixo da ponte, chegou a passar fome, esse menino”, conta o primo.

No relato de Nassib, Kaysar trabalhou de gari antes de conseguir uma vaga como garçom, entre outras atividades. Aos poucos a vida em Odessa, no sul da Ucrânia, foi melhorando. O brother foi morar numa pensão, depois se mudou para um lugar melhor e conseguiu entrar numa faculdade de administração. Também nesta época, afirma o primo, o sírio que deixou seu país falando árabe, inglês e francês – que se aprendem na escola – tornou-se poliglota: aprendeu ucraniano, russo e grego.

Quando a vida do futuro BBB parecia estar se encaminhando na Ucrânia, uma nova reviravolta: em 2014 estourou a guerra civil no leste do país, envolvendo o governo central e separatistas que desejavam incorporar-se à Rússia. Kaysar foi vítima de um atentado motivado pela intolerância religiosa, segundo Nassib, que foi determinante para deixar o segundo país.

No terceiro ano de administração, ele estava voltando da faculdade quando um grupo de extremistas islâmicos percebeu o crucifixo para fora da camisa, e tentou matá-lo no meio da rua em Odessa: o espancaram, quebraram a perna e o braço esquerdo em vários lugares, e só não o mataram porque dois vizinhos apareceram, afugentaram os agressores e o levaram a um hospital.

Nassib conta que Kaysar ficou seis meses internado, e passou por cinco cirurgias. Foi nesse período que ele decidiu vir para o Brasil. Sem que os pais soubessem de nada na Síria, escreveu uma carta para o irmão do empresário, Abdo, que era cônsul honorário da Síria em Curitiba. Kaysar pedia que o parente o ajudasse solicitando à embaixada do Brasil na Ucrânia autorização para ele viajar ao país.

Luigi Poniwass / UOL Luigi Poniwass / UOL

De Kaysar a César

Com a autorização em mãos, o sírio pediu dinheiro emprestado ao patrão para a passagem e desembarcou no Brasil em julho de 2014, em plena Copa do Mundo, lembra o primo.

Embora os irmãos Abage fossem parentes de Kaysar, não eram próximos. “A última vez em que eu o vira antes de ele vir para cá, ele tinha 10 anos”, recorda Nassib. Em Curitiba, os irmãos decidiram hospedá-lo em um hotel assim que ele chegou, “para conhecer um pouco dos seus costumes”. Mas mantê-lo no hotel começou a ficar muito caro.

"Como eu moro aqui em cima da loja [a tradicional Irmãos Abage Iluminação, no Centro de Curitiba] e havia um apartamento vago em cima do meu, sugeri para o meu irmão Abdo que a gente trouxesse o Kaysar para cá, pois sabíamos que ele não iria voltar nem para a Síria e nem para a Ucrânia”, recorda Nassib.

Foi aí que a vida do refugiado sírio, que até adotou a versão aportuguesada do nome, “César”, começou a mudar: “Ele começou a trabalhar aqui na loja, eu o fiz ter aulas particulares de português, ajudei-o a fazer um curso de hotelaria no Centro Europeu, de chef de cozinha no Senac, ele comia aqui em casa e eu comprava roupas para ele”, conta Nassib.

Mas a crise atingiu em cheio o negócio dos Irmãos Abage, e Nassib precisou demitir o protegido. Kaysar, ou César, logo depois começou a trabalhar como garçom e barman num hotel de Curitiba, sua última função antes de entrar no reality. O primo diz que continuou o ajudando a complementar a renda, já que o salário era insuficiente.

Arquivo pessoal / Facebook Arquivo pessoal / Facebook

Obsessão pelo "BBB"

A trajetória do sírio no "Big Brother Brasil" começou cerca de 11 meses antes do programa, quando Kaysar fazia o curso de Hotelaria no Centro Europeu. Uma colega do curso disse que ele tinha todas as características para se candidatar ao “BBB”. Kaysar nem sabia do que se tratava, mas quando soube do prêmio de R$ 1,5 milhão viu ali uma possibilidade de trazer os pais da Síria.

“Eu disse que eram mais de 600 mil candidatos, que ele jamais seria escolhido, mas que não via nenhum problema em tentar, pois ele não gastaria nada com isso”, relembra Nassib.

O que era um desejo, então, virou uma obsessão: o sírio imprimiu dezenas de cartazes com frases como “Eu vou entrar no Big Brother Brasil” e “Eu vou vencer o Big Brother Brasil” e espalhou pelo quarto numa espécie de programação neurolinguística como no livro “O Segredo”, do qual é fã.  “Ele acredita muito no poder da mente e da fé”, lembra o gerente da loja de Nassib, Gérson Mayer.

Após ser entrevistado por 21 pessoas e passar na segunda etapa da seleção, no Rio, Kaysar procurou Nassib para contar que iria pedir demissão do hotel. Como dizer que iria participar do reality não era uma opção –e para não ter que cumprir aviso prévio—o primo o aconselhou a dizer que faria mais uma cirurgia na perna em São Paulo e que precisaria deixar o trabalho para a recuperação. Segundo Nassib, o gerente do hotel ficou desolado.

Em agosto do ano passado, Kaysar partiu para o isolamento antes de entrar na casa do BBB. Nassib confessa que um pedido do brother antes de entrar no programa o chocou:

A última coisa que ele me pediu antes de viajar foi: ‘Pelo amor de Deus, se acontecer alguma coisa com os meus pais enquanto eu estiver lá, não me avisem’."

Até o momento, no entanto, está tudo bem com Diana e Giorgio Dadour, afirma Nassib, assim como com a irmã do brother no Líbano. Segundo o empresário, o casal vive numa área ainda pouco atingida pelos bombardeios em Alepo e mantêm contato com frequência. Eles também já assistiram a algumas edições do programa pela internet.

Nassib diz que, assim como ele, os pais estão orgulhosos do comportamento do pupilo no reality show, com exceção dos cortes de cabelo bizarros que passou a ostentar. Quem também têm acompanhado as peripécias do sírio no programa são amigos que fez entre a Ucrânia e o Brasil antes do confinamento. “Ele tem amigos espalhados por diversos lugares do mundo, gente do Canadá à África, que ligam para cá perguntando como eles podem votar para ele continuar na casa.”

Reprodução/Globoplay Reprodução/Globoplay

O virgem de 28 anos?

O relacionamento de Kaysar com Patrícia, que deixou a casa com recorde de rejeição, revelou outra faceta do brother que dividiu as torcidas fora do programa. Para alguns, ele resistiu às investidas da colega porque não queria tirar o foco do jogo, outros acreditavam que sofria uma dominação de Patrícia --houve até quem acusasse a sister de assédio nas redes sociais.

Fora da casa, ele é definido como "mulherengo" pelo primo Nassib, que afirma que ele teve apenas uma namorada séria desde que chegou ao Brasil, em 2014: 

Ela é formada em direito, mas foi fazer uma especialização em Portugal e aí eles terminaram. Como ela ia embora, ele achou que não ia dar certo namorar à distância. Fora isso ele só teve paquerinhas, nada mais sério.

Luigi Poniwass / UOL Luigi Poniwass / UOL

O rei do queridômetro da vida real

Durante boa parte do “BBB18” até agora, Kaysar liderou o “queridômetro”, avaliação dada pelos próprios brothers. Também conquistou fãs famosos como a atriz Susana Vieira, Luciano (da dupla com Zezé di Camargo), Sophia Abrahão e Simone (da dupla com Simaria). Tanto “bom mocismo” levantou desconfiança entre o público e alguns colegas. “Você conhece alguém que age assim como ele?”, perguntou Wagner.

Do lado de fora da casa, no entanto, Kaysar Dadour parece mesmo ser uma unanimidade entre os que o conhecem. É só mencionar o nome do sírio que o rosto do interlocutor se ilumina. Foi assim, por exemplo, quando a reportagem do UOL conversou com os amigos da academia que o garçom frequentava até bem pouco tempo em Curitiba, a Fit Time.

O recepcionista Júnior Braun conta que ele chegou na recepção no ano passado “super comunicativo” pedindo para conhecer os planos e fazer uma aula de dança. “Ele não gosta de musculação, só queria dança, step, jump, essas coisas. Contou que costumava treinar nos parques da cidade”, contou a proprietária da academia, Estela Lachtel, nascida em Israel que não esconde a torcida pelo sírio.

Uma das aulas de que ele mais gostava era a de zumba, ministrada pela filha de Estela, Raphaele Chromiec. “Ele já chegou aqui todo extrovertido, com aquele sotaque engraçado, bagunceiro, bem daquele jeito que ele é na casa”, lembra Raphaele.

Matriculado em uma das modalidades de dança, o sírio demonstrou tanto entusiasmo e motivou tanto os colegas que ganhou passe livre para frequentar todas as danças. “Quando terminava ele sempre perguntava: ‘Já acabou?’ O aluno que todo professor gostaria de ter”, recorda Estela.

O mesmo se deu entre os que o conheceram no curso de hotelaria do Centro Europeu. A reportagem do UOL procurou professores e colegas de turma do sírio, mas o proprietário da escola, José Ost, fez questão de falar sobre o ex-aluno.

“Ele nos procurou em 2016 para fazer o curso de hotelaria, contou um pouco da história dele e da dificuldade que tinha para pagar o curso, que custa cerca de R$ 10 mil e dura um ano. Oferecemos uma bolsa de 30%, e depois de uns três meses avaliaríamos a possibilidade de ampliar esse benefício. Mas ele nunca tentou negociar mais desconto”.

Kaysar jamais chegou atrasado, nunca saía mais cedo e tinha notas muito boas. “Ele foi adotado pela turma. Tinha até uma colega dele que trabalhava com eventos e o contratou para animar festas infantis, fantasiado de Homem-Aranha e outros heróis", conta Ost, que completa:

A história dele é fantástica: como pode alguém que perdeu uma namorada e um tio na guerra, caiu em outra na Ucrânia e mesmo assim está sempre feliz?

No hotel onde o brother trabalhou até antes do confinamento, os funcionários não foram autorizados a falar para uma reportagem sobre o ex-colega, mas informalmente fizem questão de afirmar que Kaysar é "exatamente daquele jeito” que demonstra na casa. “Animado”, “humilde” e “pau para toda obra” foram algumas das expressões usadas para descrevê-lo.

A situação na Síria parece longe de se resolver, mas o exército que apoia o refugiado sírio mais famoso do Brasil é cada vez mais numeroso. 

O que já disseram sobre ele

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Wagner

"Eu tô desfazendo a ideia de que o Kaysar é forte, sabia? É que ele é chato, ele não é carismático. Você tem algum amigo que tenha a personalidade dele?"

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Ayrton

"Eu gosto muito dele, gosto na boa. Mas só que tem momentos que eu acho que ele é muito teatral."

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Viegas

"Não é nada contra o brother, gosto do maluco, é do bem, da hora. Mas tem um lance, tipo, o 100% brincadeira da parada que eu não compro e tenho certeza que lá fora também não me atrairia."

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Gleici

"Ele é uma pessoa inteligente, mas para algumas coisas parece que não entende. Como será que foi a entrevista dele? Será que chegou gritando? Eu nunca conheci alguém parecido com o Kaysar."

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