Uma âncora nada deselegante

Sandra Annenberg orgulha-se do pioneirismo na TV, relembra assédio e diz que não pensa em aposentadoria

Gisele Alquas Do UOL, em São Paulo
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Sandra Annenberg chega aos 50 anos sem medo de envelhecer. Primeira mulher a ocupar um espaço fixo em um telejornal da TV Globo, a ex-garota do tempo se orgulha de permanecer por 20 anos à frente do “Jornal Hoje” e de ter a liberdade de se comunicar com os telespectadores de maneira informal, o que considera uma de suas marcas.

“Desde que comecei, sempre tentei dar esse tom mais coloquial. Sempre tive liberdade da Globo para fazer do meu jeito. Não foi por causa das redes sociais. Essa linguagem já existe no ‘JH’ há bastante tempo. As pessoas sentem estar mais próximas e tento criar essa empatia”, diz a apresentadora, que tampouco se furta a demonstrar suas emoções ao noticiário.

Ao caminhar pelos corredores da emissora onde bate ponto há 27 anos, Sandra também pouco lembra a figura do editor sisudo e estressado que grita ordens pela redação. Cumprimenta todos pelo nome e é carinhosamente chamada de Sandrinha

Na entrevista exclusiva ao UOL, a âncora que está prestes a embarcar para a Copa do Mundo na Rússia, se emociona ao relembrar que já sofreu assédio sexual, preconceito e fala da luta por igualdade na profissão.

“Quero continuar falando de temas e assuntos que não podemos jogar para debaixo do tapete. Estamos vendo as mulheres de Hollywood denunciar e eu apoio todos os movimentos”, afirma ela, que se diz feminista e vestiu a camisa do movimento “Mexeu com uma Mexeu com Todas” em 2017, após a figurinista da Globo Susllem Tonani denunciar que sofreu assédio sexual do ator José Mayer

Mas Sandra também abre um sorriso ao falar dos companheiros de bancada Evaristo Costa e Dony De Nuccio, dos memes que volta e meia protagoniza, do marido --o também jornalista Ernesto Paglia, com quem está casada há 25 anos-- e da filha Elisa, a quem quer deixar seu legado de pioneirismo

“A luta pela igualdade não tem que ser lembrada apenas no Dia Internacional da Mulher, no Globo de Ouro ou Oscar, tem que ser lembrada diariamente. Eu espero que um dia nós mulheres não sintamos mais essa diferença”.

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"Espero que minha filha nunca passe por isso"

“Deus inventou a mulher e o ‘Jornal Nacional’ descobriu agora”. A piada foi feita pelo colunista José Simão na Folha de S.Paulo em 1991, quando a Globo finalmente decidiu incluir uma mulher diariamente em seu principal telejornal. Sandra Annenberg estreou na emissora como garota do tempo quando o “JN” era apresentado por Sérgio Chapelin e Cid Moreira e tinha mulheres apenas na reportagem.

Mas até chegar a editora-executiva e âncora do segundo principal jornal da emissora, Sandra diz que teve que provar a competência muitas vezes. 

“Se tem uma coisa que me orgulho de um tanto é ter sido uma das primeiras mulheres a trilhar esse caminho", diz ela que, em seguida, interrompe a fala, emocionada. Após alguns segundos em silêncio, desabafa:

Eu sou feminista, meu marido é feminista, minha filha é feminista. A Elisa vai fazer 15 anos e espero que ela nunca passe por isso, porque eu me vejo com 15 anos sofrendo assédio sexual. É uma das coisas mais humilhantes para a mulher, é constrangedor. É como se você tivesse que pedir desculpas por ser mulher.

A apresentadora também não foge da conversa quando o tema é a disparidade salarial entre homens e mulheres. “Sempre houve desigualdade de salários, não só na nossa profissão, mas em todas”, afirma ela, que diz não saber se recebe o mesmo salário dos seus pares homens.

"Não sei dos salários dos meus colegas, se ganho mais ou menos que um homem na minha posição. Hoje quem esta ao meu lado é o Dony [De Nuccio, com quem divide a apresentação do "JH" desde o ano passado], mas ele acabou de chegar, eu tenho 20 anos nessa bancada".

Uma vida na TV

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De princesa à Laura Muller dos anos 80

Sandra Annenberg cresceu na televisão. Filha de um engenheiro eletrônico e de uma produtora de teatro e TV, começou a fazer comerciais aos 6 anos. E foram mais de 50. Ao lado da mãe, Débora, que trabalhou como produtora nas TVs Cultura e Tupi, estreou como atriz numa pequena participação ao lado do ator Luiz Gustavo após uma atriz mirim faltar.

Volta e meia, a apresentadora precisa desmentir a história de que era uma das passarinhas do “Castelo Rá-Tim-Bum”. Uma montagem que mostra a personagem ao lado de uma imagem de Sandra circula há anos na internet.

“A passarinha com quem me confundem é a na verdade a Ciça Meirelles, mulher do [cineasta] Fernando Meirelles, minha amiga há anos. Ela é bailarina e usava o cabelo curto igual ao meu, todo para frente. Nunca entendi de onde tiraram que era eu. O mais louco da internet é que começa um boato, se espalha e vez ou outra esse assunto volta: gente, não sou eu”, avisa, aos risos.

Mas Sandra revela uma curiosidade que talvez ninguém saiba: apesar de não ter atuado no “Castelo”, ela fez uma pequena participação no programa antecessor, o "Rá-Tim-Bum” como Bela Adormecida. 

Aos 14, a apresentadora foi uma das primeiras a falar abertamente de sexo na TV como repórter no programa “Crig-Rá”, apresentado por Marcelo Tas. Como a sexóloga Laura Muller do "Altas Horas", Sandra conversava sem inibição com outros jovens sobre temas até então tabu.

Eu fazia reportagem sobre sexo, entrevistava as pessoas sobre virgindade, masturbação, primeira vez, traição e fidelidade. Naquela época era muito mais difícil, ainda mais com adolescentes. Os entrevistados ficavam meio chocados num primeiro momento, mas respondiam. E a gente falava sem medo, sem vergonha. As pessoas se divertiam. Sempre lidei com tudo com muita naturalidade. 

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A sucessora da "namoradinha do Brasil"

“Quando me dei conta, já tinha virado atriz", diz uma bem humorada Sandra sobre sua faceta pouco conhecida pelas novas gerações. Com um rosto já popular em comerciais e reportagens para a TV, em 1984 ela foi escalada para um pequeno papel na peça “Um Dia Muito Especial”, estrelada por ninguém menos que Tarcísio Meira e Glória Menezes.

Foi o começo de uma curta, mas movimentada passagem pela dramaturgia. No ano seguinte, na Bandeirantes, estreou no elenco do sitcom “Bronco”, transmitido ao vivo, ao lado de Ronald Golias

Em 1988, já na Globo, voltou a atuar ao lado do casal 20 da TV brasileira no seriado “Tarcísio & Glória”. Na sequência, emendou novelas e minisséries da emissora, como “Pacto de Sangue” (1989), "República" (1989) e “A, E, I, O...Urca” (1990).

O [diretor Alexandre] Avancini tinha me dito: ‘Você vai ser a nova Regina Duarte, tem cara de namoradinha do Brasil’. Achei simpático, mas não me enxergava dessa maneira.

"Tive a oportunidade de contar para a Regina quando gravamos uma das mensagens de final de ano da Globo, e ela achou o máximo", recorda a atriz, que diz nunca ter pensado em retornar à dramaturgia.

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Meus cabelos brancos estão nascendo porque estou fazendo 50 anos e aqui eles ficarão porque faz parte da vida envelhecer. Não tenho crise de idade, não vou pintar meus cabelos e gosto deles curtos. É minha identidade. E as rugas virão.

sobre a chegada dos 50 anos de idade no dia 5 de junho

O que sempre tentei fazer foi me aproximar de quem está no outro lado da tela e dizer: 'Eu não sou perfeita, não sou supermulher. Sou como você aí do outro lado.

sobre o estilo coloquial que considera uma de suas marcas na TV

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"Enquanto sentir frio na barriga, estou no 'Jornal Hoje'"

No ar no horário do almoço, tradicionalmente reservado para um noticiário mais leve, o “Jornal Hoje” foi um dos primeiros telejornais brasileiros a adotar uma linguagem mais informal entre os âncoras, tentando aproximá-los do público. Sandra e Evaristo Costa dividiram a bancada por 13 anos e chamavam a atenção pelos comentários informais que, aos poucos, evoluíram até para piadas.

A jornalista diz que sempre defendeu “falar” e não apenas ler a notícia. Ela tampouco fez questão de seguir os manuais tradicionais de jornalismo e tentar conter suas emoções no ar. 

Tem um lado que é a notícia em si, e você tem que divulgar o fato e ponto. Por outro lado, existe a cumplicidade que você cria com o telespectador que é dizer a notícia e transmitir o que sente. Nunca escondi esse meu lado e nem fui direcionada para isso. Ocorreu tudo naturalmente.

Em 2014, a âncora saiu de trás da bancada e passou a apresentar também o "Como Será?”, programa de variedades que exibe reportagens sobre educação, meio ambiente e mercado de trabalho nas manhãs de sábado. Mas ao contrário de outras colegas, como Fátima Bernardes e Patrícia Poeta, que migraram do jornalismo para o entretenimento, Sandra diz que a atração não é um caminho para sair do jornalismo.

Não penso em sair do jornalismo. Do jeito que está hoje está bom. Eu amo o ‘Jornal Hoje’. Quando tempo permaneço? Não sei. Enquanto eu sentir esse frio na barriga minutos antes de entrar no ar, estou aqui. Ou enquanto a Globo quiser uma apresentadora de cabelos brancos no ar.

Três coberturas marcantes

Reuters Reuters

Ataques de 11 de Setembro (2001)

"Não há quem não se lembre onde estava naquele momento do ataque às Torres Gêmeas. Eu estava no escritório de Londres como coordenadora e correspondente e assisti ao vivo o segundo avião entrando na segunda torre. E achávamos que era reprise [do primeiro ataque]. Demorou para cair a ficha. A gente uniu forças e, a partir daquele momento, passamos a trabalhar 24 horas por dia. Levamos colchões para o escritório, as pessoas se triplicaram. Trabalhamos sem parar para entender o que estava acontecendo no mundo."

AP AP

Sucessão de papas (2013)

"Participar de uma cobertura como essa de interesse mundial é outro momento especial para um âncora. Trabalhei na eleição do Bento XVI [2005] e foi bastante atribulado acompanhar a expectativa se a fumaça branca ia sair do Vaticano ou não, os olhos do mundo voltados para aquela chaminé. O mais vivo na minha memória é quando o Bento XVI renuncia. Naquela época existia o 'Globo Notícia' e entramos no plantão pela manhã e não saímos mais. Todo o mundo tentando entender o que estava acontecendo. Como assim um papa renuncia?"

Marlon Costa/Futura Press/Estadão Conteúdo Marlon Costa/Futura Press/Estadão Conteúdo

Morte de Eduardo Campos (2014)

"Começamos a entrar ao vivo assim que soubemos que havia um acidente com uma aeronave, parecia que era helicóptero e ainda não se sabia onde tinha caído. Aos poucos a notícia foi se impondo. Enquando todos estavam trabalhando para entender o que estava acontecendo, nós estávamos colocando no ar. Não saímos mais até descobrir e noticiar a morte do candidato à Presidência, que na noite anterior estava ao vivo na bancada do 'Jornal Nacional'. Foi um momento de comoção porque a equipe estava toda envolvida na cobertura das eleições presidenciais."

Me inspirei muito na Fátima [Bernardes] quando comecei e depois a gente foi se conhecendo. Hoje em dia temos muito carinho uma pela outra. E me inspiro também no meu marido, claro. Adoraria ter um décimo do texto que o Ernesto [Paglia] tem. Tenho muito respeito pelos meus colegas e cada um me inspira de alguma forma.

Sobre quem a inspira no jornalismo

Divulgação/TV Globo Divulgação/TV Globo

"O segredo de um casamento de 25 anos é admiração"

Casada há 25 anos com o também jornalista Ernesto Paglia e pais de Elisa, de 15 anos, Sandra Annhemberg não esconde que se derrete ao falar da família. O casal se conheceu nos bastidores da TV Globo e a ligação do marido é a única que a faz interromper a conversa. "Opa, o marido! Ele está aqui no andar de cima", avisa antes de dizer, em tom carinhoso, que o encontraria depois da entrevista.

Mas como manter um casamento de 25 anos com uma rotina diária com um colega de trabalho? Com um sorrisão no rosto, a apresentadora se declara: “O segredo do casamento é amor, respeito, admiração. Muita admiração. Eu leio o texto dele e falo: ‘Como escreve bem, como ele é bom!’. O Ernesto é um um paizão, um companheirão". 

Falar da filha Elisa também é um dos temas que fazem a jornalista se comover.

Tenho orgulho de dizer que estamos educando uma cidadã de bem, uma mulher que espero que consiga levar para ela essa minha vontade de mudar o mundo. Sou uma revolucionária e quero que minha filha também seja.

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Rainha dos memes não é fã de redes sociais

Em 2011, quando as redes sociais começavam a ganhar força no país, Sandra Annemberg viu uma de suas reações durante o “Jornal Hoje” viralizar. Era 31 de outubro daquele ano, primeiro dia de tratamento do ex-presidente Lula - diagnosticado com câncer na laringe - quando a repórter Monalisa Perrone foi empurrada por um homem durante a transmissão. Perplexa, a apresentadora reagiu: “Que deselegante!” A expressão virou hit na web e a popularidade de Sandra só fez aumentar.

“Eu ‘memesma’ virei essa fonte dos memes”, diz, aos risos. “Foi algo tão inconcebível que na hora tudo que passou pela cabeça foi o que eu não poderia falar porque seria deselegante com o telespectador. Então falei ao vivo: ‘Que deselegante!' Depois, quando fui assistir, falei para mim mesma: ‘Não tinha palavra melhor para falar nessa hora?' Mas foi exatamente por isso que ganhou o espaço que ganhou", conta ela, que recebeu até camiseta com a famosa frase.

Desde então, foram vários --seja embalados pelas reações inusitadas da âncora na bancada, as piadas de gosto duvidoso com Evaristo (quem não lembra do mamão?) e até mesmo um tombo encenado no "Como Será?", o programa que apresenta aos sábados. "Era uma dublê em cena, mas até explicar para quem não assistiu...”, diverte-se.

De todas as brincadeiras na internet, ela afirma que apenas uma incomodou: o dia em que apareceu com olheiras ao vivo. “Foi um dia que não dormi bem e acordei mal, estava com dor, mas tinha que trabalhar. E nesse dia a maquiagem não favoreceu. Acontece com todo mundo. E as pessoas usaram essa foto. Fiquei muito chateada".

Com 710 mil seguidores atualmente no Instagram --marca modesta perto dos 6,3 milhões do ex-colega de bancada Evaristo Costa-- Sandra também admite que não é muito adepta das redes sociais e que se incomoda com a imagem que muitas pessoas passam de "felizes o tempo todo, perfeitas, que não têm problema".

Que mundo é esse que essas pessoas vivem que eu não vivo? Eu não estou nesse mundo, estou no da pobreza, da desigualdade, da corrupção. Não vejo ninguém dizendo: ‘Pô, gente, acordei mal, estou de TPM. Eu mesma tenho uma TPM desgraçada!

O que ela pensa deles

  • Dony De Nuccio

    "Ele é o futuro. Esse menino promete. ainda vamos ouvir falar muito dele. Espero que fique ao meu lado por muito tempo. É cara do bem e muito sagaz. Comentei com ele um dia: 'Dony, você é a Sandra de calças'".

    Imagem: Reprodução/TV Globo
  • William Bonner

    "Amigo velho. Gosto muito dele. Eu o conheço antes de entrar no jornalismo. Trabalhamos juntos na Rádio USP, faz muito tempo. Ele é boníssimo".

    Imagem: Reprodução/TV Globo
  • Fátima Bernardes

    "Uma querida, amiga, extremamente generosa. Ela me ensinou muito quando cheguei ao 'Fantástico'. Sempre muito querida."

    Imagem: Reprodução/TVGlobo
  • Pedro Bial

    "O Bial tem esse jogo com as palavras, é maestria. Foi para o entretenimento sem nunca perder a pegada jornalística. É um grande exemplo."

    Imagem: Ramón Vasconcelos/Divulgação/TV Globo
  • Evaristo Costa

    "É um querido, companheiro que teve um período importante na minha vida e acredito que eu na dele. E fizemos uma parceria muito feliz enquanto durou."

    Imagem: Reprodução/Twitter
  • William Waack

    "Um grande jornalista. Ele viveu o que ele viveu agora e eu só lamento."

    Imagem: Reprodução/TV Globo

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