O hospital do futuro

Com inteligência artificial e outros gadgets espertos, tratar problemas de saúde será mais rápido e eficiente

Márcio Padrão Do UOL Tecnologia, em São Paulo
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Robôs minúsculos dentro das suas veias e órgãos. Computadores adivinham quando você vai ficar doente e dão o tratamento.

As máquinas e a inteligência artificial estarão muito mais presentes em toda a cadeia hospitalar com um alto grau de importância. O médico ainda estará lá, mas com um papel parecido de uma espécie de supervisor responsável, dando a palavra final sobre o destino dos pacientes.

Do atendimento à internação, passando por exames e o consultório, contaremos não apenas com os médicos, mas também com programas inteligentes que se alimentam de grandes bancos de dados. Eles entregarão diagnósticos com chance mínima de erro. E você saberá até quando pode ir para casa.

Bem-vindo ao hospital do futuro. 

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Velocidade na triagem

Segundo um estudo do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS), um dos principais pontos de insatisfação das pessoas com os serviços de saúde é a triagem - o momento em que você chega no hospital e espera para ser atendido. Além de evitar o desgaste da espera, a rapidez no processo diminui as chances de o seu problema se agravar.

Hoje em dia já é possível acessar prontuários digitais, que podem ser acessados em computadores. No hospital do futuro, esse passo será ainda mais avançado, com dados sendo preenchidos em poucos segundos por biometria (reconhecimento de rosto e voz). Além disso, apps e acessórios agilizarão algumas ações dessa primeira fase.

A inteligência artificial vem ajudar na tomada de decisão nas áreas mais comuns. Os profissionais de saúde só veem doenças raras uma ou duas vezes na sua carreira. Os algoritmos veem os dados com mais detalhes e percebem se o médico está diante de uma doença rara

Alexandre Chiavegatto Filho, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

  • Bom atendimento ainda em casa...

    Relógios e pulseiras inteligentes já medem nossas calorias e batidas do coração. Um acessório para celulares chamado Lenovo Vital mostra dois tipos de pressão do sangue e a temperatura do corpo apenas com a leitura do seu dedo. No futuro, esses dados poderão ser enviados pela internet para o médico monitorar você em tempo real.

    Imagem: Márcio Padrão/UOL
  • ...e nas ruas

    Em meio ao pânico de um acidente na rua, tempo e agilidade são fundamentais. Por isso um aparelho, que pesa menos de um quilo, será preso ao braço para medir batimentos e pressão do sangue em até 60 segundos. Ele também será inteligente e capaz de dizer se você está estável, se tem que ir ao hospital ou se precisa ser tratado com urgência no local do acidente. Esse aparelhinho chama-se DTR8, da startup israelense Cardioscale, e seria eficaz para pessoas comuns usarem em situações extremas antes da ambulância chegar, como guerras, ataques terroristas e desastres naturais.

    Imagem: Divulgação/Cardioscale

Já no hospital, a coisa melhora

  • Triagem (mais) inteligente

    Sabe quando você toma um chá de cadeira logo que chega no hospital? No futuro, os algoritmos acessarão seu histórico médico para agilizar o processo - é o mesmo método que o Facebook usa para determinar os posts que você vê. Só que em vez de apresentar conteúdo do seu gosto, os algoritmos médicos vão determinar a gravidade do seu problema. Por exemplo, se você veio com falta de ar repentina pela primeira vez, o computador dirá que você poderá ser atendido antes de um asmático, pois no caso dele uma ocorrência do tipo é algo comum, menos urgente e recorrente. A análise vai levar em conta o seu histórico em relação a outros pacientes para tomar decisões.

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  • Sua cara é sua identidade

    Preencher ficha? Esquece. Uma simples selfie, tirada pelo celular ou na própria recepção do hospital, poderá identificar seu rosto e puxar o seu histórico médico, poupando bastante tempo. Uma empresa de Atlanta (EUA) chamada Right Patient já está testando isso - identificação por voz também está sendo estudada.

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  • App contra fatalidades

    Se você tiver alguma doença que pode evoluir rapidamente para um quadro de emergência, o seu médico ficará sabendo disso antes que você chegue ao hospital. O Royal Free de Londres está testando um app chamado Streams, criado pela DeepMind, empresa do Google. O app não é para o paciente, e sim para o médico acompanhar pessoas com risco de insuficiência renal aguda. Ele cruza dados de exames de sangue e outras informações, e dispara alertas para o médico caso algo não esteja legal.

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Conforto e precisão nos exames

Ok, você já foi identificado, seu histórico médico está atualizado e sua prioridade está certinha. Agora é a hora do exame, um momento no qual a precisão é fundamental. No nosso hospital, objetos pequenos e inteligentes vão fazer isso num instante e o computador chegará a um diagnóstico mais correto.

Dentro de dez anos, você poderá examinar cerca de 50 mil proteínas diferentes do sangue a partir de uma única gota e tornar os diagnósticos muito mais rápidos ou automáticos. Isso é radical e não acontece de forma alguma atualmente. Eu só posso acessar 30 variações de proteínas hoje

Hugh Montgomery, professor da UCL (Universidade College London)

Mais chances de saber o que você tem

  • A gota de sangue dirá tudo

    Uma gota de sangue checada em segundos dará muito mais detalhes sobre sua saúde. A amostra será "digitalizada" e transmitida via internet para uma equipe de biomédicos, que analisa o resultado e dirá o que está errado. Quem processará as informações serão supercomputadores munidos de um grande banco de dados. Este projeto é da Microsoft Brasil com a Positivo e a empresa Hilab.

    Imagem: Divulgação/Microsoft
  • Análise de imagens

    Muitos tipos de exames, como raio-X e ressonância magnética, são essencialmente análise de imagens. E se tem uma coisa que a inteligência artificial sabe fazer bem é ficar de olho em imagens para detectar padrões. Sistemas de inteligência artificial já estão sendo treinados para detectar diferentes tipos de câncer, como câncer de mama, de intestino e de pescoço. Um sistema criado na França e na Alemanha já detecta câncer de pele com 95% de precisão. Já um sistema da DeepMind, do Google, é capaz de detectar com precisão superior a de médicos mais de 50 tipos de doenças dos olhos.

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Cuidado com a privacidade

Desde agora temos que ter cuidado para que os dados pessoais não vazem. A inteligência artificial precisa de muitos dados, e isso aumenta o risco dessas informações serem vazadas. Nesse sentido, tem gente no Brasil que trabalha com servidores de dados sem conexão à internet, e plataformas com criptografia estão sendo testadas

Alexandre Chiavegatto Filho, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP

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Sala do médico

Já ficou de saco cheio de interagir com máquinas em seus primeiros minutos no hospital? Pois temos a boa notícia: você entrou na sala do médico e ele ainda será humano. E com mais informações e análises à mão, dirá seu quadro clínico com mais segurança. Mas claro, as máquinas estarão aqui também, preenchendo o restante de sua ficha apenas ouvindo sua voz. Já o médico vai contar com análises profundas até mesmo nas chapas do seu raio-x.

  • Primeiro, fale com o microfone

    Você já reparou quanto tempo no consultório médico é perdido para que ele preencha prontuários? Assistente de voz, como os dos celulares, vão transcrever áudio em texto para que você tenha mais tempo com médico. "Essa vem sendo uma crítica muito forte dos pacientes e médicos, de que o medico tem que passar muito tempo preenchendo fichas. Às vezes nem tem tempo de olhar o paciente por causa dessa parte prontuário", diz Alexandre Chiavegatto Filho, especialista em inteligência artificial da Faculdade de Saúde Pública da USP.

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  • Seu supermédico enxerga você por dentro

    Se você usou filtros de rosto no Instagram, deve conhecer a realidade aumentada, que mistura imagens digitais com reais. Pois ela vai ajudar na medicina também. O seu médico poderá usar desde um aparelho que exibe digitalmente um mapa de veias na pele em tempo real, chamada AccuVein, ou um óculos especial para projetar dados do paciente assim que o médico olha pra ele, como o HoloLens da Microsoft.

    Imagem: Divulgação/Microsoft
  • E até seu corpo será projetado no ar

    A holografia, que envolve projetar imagens do ar, pode criar um modelo 3D para que você veja com seus próprios olhos seu sistema circulatório em tamanho e tempo real. Essa imagem poderá ser manipulada, ampliada, girada e marcada para identificar seus pontos fracos. Empresas como 3DSystems e a exVive3D já estudam isso.

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  • Mais conhecimento

    Uma dificuldade comum na medicina é diagnosticar rapidamente doenças menos comuns. A máquina vai acelerar a análise e chegar em instantes às situações e nuances que indicam, com grandes chances de acerto, uma doença mais rara. "Uma pessoa saudável é capaz de gerar o equivalente a 300 milhões de livros cheios de informações de saúde. Mas dessa informação, um humano só consegue analisar 0,5%. É basicamente isso que o Watson faz", diz Mariana Perroni, coordenadora médica da IBM. A inteligência artificial Watson está em testes na Beneficência Portuguesa de São Paulo.

    Imagem: Divulgação/Nebraska Medicine

Um médico não consegue analisar 10 mil imagens em um dia, no máximo umas 100. O computador consegue

Agma Traina, professora do ICMC-USP que estuda mineração de dados e dados médicos.

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Cirurgia e robótica

Apesar dos avanços, você ainda assim terá que passar pela mesa de operações. Mas neste hospital, o especialista terá a robótica ao seu lado para tornar esse momento crítico menos doloroso e mais eficaz. Robôs de diferentes formatos e funções estarão lá para cuidar de você da maneira mais correta. Até mesmo robôs do tamanho de células. Duvida?

Os novos robôs que estão para chegar são mais leves e menores, permitindo acessar novas áreas do corpo humano. Uma das novidades é a cirurgia inteligente para manobras e imagens captadas durante a operação. Tudo é integrado por meio de uma inteligência artificial que fará o equipamento 'aprender' como operar para ajudar o cirurgião a ficar cada vez melhor.

  • Mãos à prova de erros

    Os primeiros robôs cirurgiões já ajudam os médicos a ver melhor locais difíceis em operações delicadas, fazer cortes mais precisos e oferecer visão 3D ampliada. Como é o caso do robô cirúrgico Vinci 11, do Hospital Santa Catarina (SP), comprado este ano por R$ 11 milhões.

    Imagem: Allan Louros/Divulgação
  • Do tamanho de sequência de DNA

    Em um estágio além, robôs entrarão no seu corpo. Versões microscópicas vão coletar células, ministrar microdosagens de remédios e até mesmo eliminar o câncer, achando e retirando tumores. Um dos já testados, da universidade do Arizona, nos EUA, já conseguiu transportar uma célula viva de levedura.

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Vale lembrar que os médicos ainda serão por muito tempo responsáveis pelo paciente. Mesmo porque existem questões legais. Afinal, quem seria responsabilizado por um erro médico realizado por um robô/algoritmo: o hospital que comprou a máquina, o médico que sugeriu a compra, a indústria que o forneceu, ou os engenheiros que a projetaram?

Jhonata Ramos, sócio-fundador da startup brasileira Roentgen

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Sensores no quarto

Se você já foi operado pela mão robótica controlada - ou pelo menos monitorada - pelo médico de carne e osso, chegou o momento de você se internar e descansar. Mas hoje em dia, infelizmente ainda rolam perrengues nessa ala do hospital, como acidentes e complicações do pós-operatório. Mas relaxe: seu quarto estará cheio de sensores, câmeras e objetos inteligentes que te cercarão de cuidados extras e alertarão enfermeiros antes mesmo que você pense em fazer isso.

  • Leitos antilesões

    Quedas dentro do hospital são um grande motivo de preocupação. Segundo um estudo do hospital Albert Einstein, entre 15% e 50% dos casos de quedas em hospitais acabam em lesão. Um sistema inteligente de reconhecimento de imagens consegue prever as chances de acidentes. A máquina aprende, pelo movimento das pessoas nos leitos, a se antecipar e avisar de futuras quedas. É mais um teste da Microsoft no Hospital 9 de Julho, de São Paulo.

    Imagem: Getty Images
  • Assistente 24 horas por dia

    O comando por voz para um assistente virtual também será útil na internação. Em um quarto com microfones, o paciente poderá pedir em voz alta a troca do soro e interagir com enfermeiros. O serviço transcreve áudio para texto e elenca os pedidos na central de enfermagem de acordo com a prioridade do chamado. A Microsoft e o Real Hospital Português estão testando este sistema.

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  • Objetos monitoram tudo

    Os objetos inteligentes (ou "internet das coisas") estarão em toda parte no quarto. Incubadoras e berços conectados avisarão ao médico pelo celular se o seu bebê começar a perder ar ou ter tosse excessiva. Além disso, os sensores da cama poderão determinar, pelo toque, se o enfermeiro lavou as mãos antes e depois de interagir com o paciente, indicando isso com uma luz vermelha ou verde, segundo uma previsão da Semantix, empresa brasileira de big data.

    Imagem: Acervo
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Monitoramento

Tratamento encerrado. É hora de ir para casa. Só que, no futuro, você pode até sair do hospital, mas o hospital não sai de você. Em situações que exigem monitoramento constante, gadgets espertos que se misturam ao seu corpo estarão prontos para enviar informações para o paciente e para o médico.

  • Lentes de contato

    A sala do médico é só o primeiro passo para vigiar suas doenças. Equipamentos vestíveis, que podem ser acoplados ao seu corpo, vão monitorar a sua saúde. Por exemplo, uma lente de contato poderá medir o nível de açúcar no seu sangue. Este é um projeto desenvolvido tanto por empresas, como a farmacêutica Novartis e a Verily (outra empresa do Google) e pelo mundo acadêmico. Em caso de descontrole das taxas de açúcar no sangue, o acessório avisa diretamente no campo de visão do paciente.

    Imagem: Google/AP
  • Pele eletrônica

    E que tal uma "pele eletrônica" mostrando seus sinais vitais e ondas cardíacas em tempo real ao enfermeiro? Esse recurso vem da Universidade de Tóquio, no Japão. Além de monitorar seu coração, ela exibe imagens pelo seu corpo, como as ondas do seu eletrocardiograma. Os sensores também podem se comunicar com um smartphone e transmitir as informações pela internet.

Preconceito no tratamento?

É importante garantir que nenhum grupo da população será prejudicado ou discriminado. Cabe a nós ver se decisões estão sendo justas. O lado positivo é que conseguimos corrigir um algoritmo, diferentemente de uma pessoa, que vai ser preconceituosa pelo resto da vida

Alexandre Chiavegatto Filho, Especialista em inteligência artificial da Faculdade de Saúde Pública da USP

Alguns dos principais pontos são privacidade, responsabilidade, transparência, e diversidade humana. Garantir que não tenha 'bias' [viés, preconceito] no tratamento de dados. Essa discussão precisa ser central, transcende o uso da tecnologia

Alessandro Jannuzzi, Diretor de engenharia e inovação na Microsoft Brasil

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