Acabou o agito

Isaquias trocou a "Dubai da Bahia" para ser favorito a medalhas na canoagem

Gustavo Franceschini e Ugo Araújo Do UOL, em Lagoa Santa (MG)
USMAN KHAN/AFP USMAN KHAN/AFP

As promessas que você deve conhecer

Prepare-se para comemorar. Ver brasileiros no pódio olímpico será mais comum no Rio de Janeiro do que em edições anteriores dos Jogos. Alguns, você pode não saber, são favoritos a uma medalha.

O UOL Esporte inicia uma série de reportagens que pretende contar mais sobre essas prováveis estrelas. Quem abre esse especial é Isaquias Queiroz, baiano que disputará três medalhas na canoagem modalidade.

O caminho para um eventual ouro passou por deixar de ser um jovem comum em “Dubai”, apelido de sua agitada cidade natal, por um “retiro” no interior de Minas Gerais. Opção do treinador, mentor e paizão Jesus Morlan, o espanhol que chegou para mudar a vida dele para melhor. Não que estivesse ruim antes, veja bem. A infância dele foi turbulenta, com uma tentativa de sequestro e a perda de um rim em um acidente, mas nem tente transformá-lo em vítima que ele vai se irritar.


 

Por que você deve prestar atenção em Isaquias

O que fará a diferença na Olimpíada de Isaquias

SERGIO DUTTI/EXEMPLUS/COB SERGIO DUTTI/EXEMPLUS/COB

Ritmo de remada

Isaquias terá seis dias de competições no Rio. Nos dois primeiros, dias 15 e 16 de agosto, terá seu maior desafio, com eliminatórias e final do C1-1000 m, sua principal prova. A distância é complexa, porque exige um ritmo constante. Forçar no começo e perder o gás no fim não é uma opção viável. É nesta prova que está Sebastian Brendel, o alemão que é seu maior rival.

Aaron Lynett/Canadian Press/AP Aaron Lynett/Canadian Press/AP

Biótipo forte

Nos dois dias seguintes, 17 e 18, Isaquias vai disputar o C1-200 m. Tiro curto, a prova que deu ao brasileiro um bronze no Mundial do ano passado exige muita força. É um prato cheio para ele, que tem no biótipo uma de suas maiores vantagens. Além de tudo, a distância menor ainda permite que ele tenha menos desgaste pensando em sua última prova da Rio-2016.

Jeffrey Swinger/USA Today Sports Jeffrey Swinger/USA Today Sports

Resistência na dupla

Em 2015, Isaquias surpreendeu adicionando duas provas à sua lista de possíveis medalhas. Para chegar a três medalhas, ele precisa aguentar a pequena maratona de seis dias de competição em alto nível. Nos dois últimos, 19 e 20, ele disputa o C2-1000 m ao lado do parceiro Erlon Souza. A dupla foi campeã mundial na distância no ano passado.

Reprodução Reprodução

Funk, arrocha e a vida social eram tudo na terra natal

Dubai é o lugar preferido de Isaquias no mundo. Nada a ver com o luxo e os arranha-céus dos Emirados Árabes. Dubai é o apelido carinhoso que Isaquias e seus conterrâneos dão a Ubaitaba, a #DubaiCity da Bahia. “É uma brincadeira que acabou pegando lá na Bahia. Ibiaçu, que é perto, virou Ibiza. Aurelino Leal tem um bairro que chama Coreia e ficou assim também”, explica o canoísta. De todas essas, é “Dubai” que tem a vida noturna mais agitada. A cidade de 20 mil habitantes virou um ponto de encontro regional do arrocha, ritmo local que mistura axé e forró com letras de funk.

É onde Isaquias extravasa. Aos 22 anos, ele é vaidoso e se orgulha de músculos e cabelos bem cuidados. O dialeto é peculiar e antenado: ele gosta de repetir "pae" e "serumaninho", expressões que fizeram o sucesso de Mustafary, personagem do humorista Marco Luque no Youtube. O comportamento, o estilo e até as expressões características transformam ele numa espécie de Neymar bem menos franzino, em uma comparação que ele já cansou de ouvir. E tal qual o craque do Barcelona, media training nenhum consegue fazê-lo dizer que o trabalho é tudo. 

"O pessoal sempre fala que eu fico ouvindo música o dia inteiro. Tento conciliar o máximo possível da vida social com a esportiva, deixando flexível para que possa treinar e viver um pouco livre do esporte", diz Isaquias. E não espere canções que estão nas paradas de sucesso pelo Brasil. Nos últimos meses, o canoísta tem se interessado especialmente por Tinno Flow, um cantor que faz sucesso justamente em... Ubaitaba. 

O encontro de paredões virou Pererecolândia. É perereca pra cima, é perereca pra baixo

É o que diz a música mais conhecida do cantor, sempre narrando noites recheadas de "novinhas" e bebidas na farra. É o relato de uma rotina que, com exceção das férias, está muito distante de Isaquias. No dia a dia, a vida dele não tem nada a ver com festas, mulheres e bebidas. 

Pela medalha, um lugar sem agito. A tranquilidade do interior

Não é só o treinamento, é a inteligência dele entender o atleta. Ele [Jesus Morlan] não faz para ele, faz para o atleta. Não faz treino pensando em um mês, faz pensando em um ano. Faz tudo programado. Ele sabe de tudo

Isaquias

Isaquias, em reverência absoluta ao mentor Jesus Morlan

Juca Varella/Folhapress Juca Varella/Folhapress

Confinamento é proposital: um campeão precisa estar calmo

A causa do isolamento na bucólica cidade mineira tem nome e sobrenome: Jesus Morlan, técnico do time. Ele decide os horários dos atletas, comanda a rotina de treinos com pulso firme e domina até a chave da casa em que eles vivem. “Não conheço nenhum campeão olímpico bagunçado. São tipos supercalmos, tranquilos, que na hora decisiva estão dando o melhor deles. Eu gosto dos tipos calmos”, disse o espanhol ao UOL em 2015, descrevendo um tipo de atleta oposto a Isaquias, falante e agitado o tempo todo.

A linha-dura de Jesus é o que mantém o equilíbrio de Isaquias, que nem assim deixa de dar sustos. Em suas férias do ano passado, o canoísta sofreu um acidente numa estrada que o levava de Ilhéus a Ubaitaba e capotou o carro. Por sorte, saiu ileso. Se fosse por Jesus, ele e seus companheiros não se exporiam a nenhum tipo de risco. Nem na imprensa. “’Menino de ouro, fenômeno, monstro’... Não entendo muito isso. Não é isso. Ele é o Isaquias. Não ponham nomes superlativos em um tipo que é mortal. Quando ganhar, façam de tudo. É fácil ficar deslumbrado”, diz Jesus, em só uma de suas muitas lições. 

Arte/UOL

Os percalços da infância: dois grandes sustos

  • Vítima de sequestro

    Antes de completar cinco anos, Isaquias quase foi tomado da mãe, Dilma. Ele mal havia aprendido a andar e chamava atenção de pessoas na região pela força que aparentava. Uma mulher repetia sempre que iria roubá-lo para vender a casais ricos. Um dia ela cumpriu a ameaça e levou Isaquias. Com a ajuda de vizinhos e amigos, porém, a mãe conseguiu recuperar o filho no mesmo dia antes que acontecesse o pior.

  • Perda do rim

    Curioso, Isaquias não resistiu ao ouvir de um amigo que uma árvore perto de casa abrigava em seus galhos uma cobra morta. Poupado da escola com febre, ele esqueceu da enfermidade, tentou subir para ver o animal com os próprios olhos, se desequilibrou e caiu em cima de uma pedra. O choque afetou o rim esquerdo, que acabou sendo retirado. Hoje, ele precisa ter muito cuidado com a hidratação para poder competir.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Os problemas de menino não podem ser desculpa

Essas histórias, somadas às dificuldades financeiras da família, poderiam configurar uma infância marcada por algum sofrimento. Nada a ver, segundo Isaquias:

A minha infância não foi complicada. Uma vez eu pensei sério nisso. O pessoal usa o esporte para dizer que a pessoa saiu da criminalidade, só que eu nunca fui do crime. Que usou o esporte para sair da miséria, só que eu nunca estive na miséria

Isaquias se incomoda de voltar aos mesmos assuntos em entrevistas e não esconde que preferia ser notícia apenas pelo que faz em cima de uma canoa. "Minha infância foi muita brincadeira, me diverti bastante. Teve umas partes complicadas de acidente, mas faz parte", diz ele. Hoje, ele prefere explicar como é sua rotina em Lagoa Santa, quais são seus treinamentos e como Jesus Morlan mudou sua vida na canoagem.  

 

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