Entre os grandes

Isaquias ganha o bronze dois dias depois de conquistar a prata e já é um dos maiores medalhistas do Brasil

Do UOL No Rio de Janeiro
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E ainda teve suspense na prova

Isaquias Queiroz havia entrado para a história do esporte brasileiro há apenas dois dias ao conquistar a primeira medalha do Brasil na canoagem – prata na C1 1000 – mas ele foi além. Nesta quinta (18), o baiano conquistou o bronze na C1 200 e entrou para uma lista pequena: foi o quinto brasileiro a conseguir subir ao pódio mais de uma vez na mesma Olimpíada.

Isaquias foi o terceiro colocado na prova C1 200 com o tempo de 39s628, ficando atrás apenas do agora bicampeão olímpico Iurii Cheban, da Ucrânia (39s279), e de Valentin Demyanenko, do Azerbaijão (39s493). A definição da medalha veio quando o brasileiro já estava na água depois de cair da canoa após a linha de chegada. O fim emocionante e decidido por milésimos de segundo valeu a pena.  

O último a conseguir o feito tinha sido o nadador Cesar Cielo, nos Jogos de Pequim-2008, com o ouro dos 50 m livre e o bronze dos 100 m livre. Antes, o nadador Gustavo Borges (prata nos 200 m livres e bronze nos 100 m livre em Atlanta-1996) e os atiradores Guilherme Paraense (ouro na pistola militar de 30 m e bronze por equipes na pistola livre 50 m na Antuérpia-1920) e Afrânio da Costa (prata na pistola livre de 50 m e bronze por equipes na mesma prova de Paraense em 1920) conseguiram o feito.

O feito desse brasileiro na Rio-2016 pode aumentar ainda mais de tamanho. Isaquias Queiroz vai disputar a C2 1000 ao lado de Erlon de Souza nesta sexta (19), prova em que a dupla é a atual campeã mundial.

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Mãe de Isaquias ficou preocupada com queda

Na arquibancada acompanhando o Isaquias na prova C1 200, dona Dilma viveu minutos de apreensão depois de o filho cruzar a linha de chegada por conta de um mergulho na água.

“Cadê meu filho? Cadê meu filho? Mas ouvi Jesus dizendo para ter calma. E aí todo mundo gritou 'Isaquias, Isaquias' e meu fôlego voltou. Eu fiquei com medo. Achei que ele tinha morrido embaixo d'água", disse Dilma ressaltando que, apesar do susto, estava muito feliz com a medalha de Isaquias.

Os 200 m foram pouco para o ouro, mas o bronze veio. "Esse bronze é ouro pra gente. Não importa a cor da medalha, ele é nosso campeão de qualquer maneira", comentou Lucas, irmão de Isaquias. Agora, a família quer ver o ouro na C2 1000. "Está todo mundo confiante. Conversei com ele ontem e não tem nada disso de ficar cansado. Ele aguenta isso”, completou Lucas. 

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Isaquias quer festa quando voltar para casa. Mas sem desfile

Não espere ver Isaquias Queiroz em festas badaladas ou cerimônias chiques. O sucesso na Rio-2016 pode mudar o status do canoísta brasileiro, mas uma característica fundamental do perfil dele se afasta drasticamente de qualquer pompa. Natural de Ubaitaba, município situado na Bahia, Isaquias é extremamente ligado a suas raízes.

É para Ubaitaba que o canoísta corre quando tem qualquer folga. A seleção brasileira treina e vive em Lagoa Santa (MG), e o técnico Jesús Morlán impôs aos atletas um regime de uma semana de descanso a cada oito de trabalho. Nos períodos sem atividade, Isaquias gosta de manter hábitos simples, conversar com as pessoas que conhece desde a infância e circular nos mesmos lugares que sempre frequentou.

Isaquias também gosta de música. O atleta é fã de arrocha, ritmo muito popular em Ubaitaba. É com arrocha que ele gosta de comemorar depois de suas principais conquistas e feitos, aliás. Em 2015, depois de ele ter obtido três medalhas (dois ouros e uma prata) nos Jogos Pan-Americanos de Toronto, a prefeitura da cidade chegou a planejar um desfile em carro aberto e separou até uma caminhonete para isso. Isaquias preferiu uma festa com muita música. Neste ano, o poder público local já arranjou até um carro de bombeiros para receber o canoísta após a Rio-2016. Ninguém sabe, contudo, se ele vai aceitar a homenagem. Isaquias não quer pompa. Tudo que Isaquias quer é festa.

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Funk, arrocha e a vida social eram tudo na terra natal

Dubai é o lugar preferido de Isaquias no mundo. Nada a ver com o luxo e os arranha-céus dos Emirados Árabes. Dubai é o apelido carinhoso que Isaquias e seus conterrâneos dão a Ubaitaba, a #DubaiCity da Bahia. “É uma brincadeira que acabou pegando lá na Bahia. Ibiaçu, que é perto, virou Ibiza. Aurelino Leal tem um bairro que chama Coreia e ficou assim também”, explica o canoísta. De todas essas, é “Dubai” que tem a vida noturna mais agitada. A cidade de 20 mil habitantes virou um ponto de encontro regional do arrocha, ritmo local que mistura axé e forró com letras de funk.

É onde Isaquias extravasa. Aos 22 anos, ele é vaidoso e se orgulha de músculos e cabelos bem cuidados. O dialeto é peculiar e antenado: ele gosta de repetir "pae" e "serumaninho", expressões que fizeram o sucesso de Mustafary, personagem do humorista Marco Luque no Youtube. O comportamento, o estilo e até as expressões características transformam ele numa espécie de Neymar bem menos franzino, em uma comparação que ele já cansou de ouvir. E tal qual o craque do Barcelona, media training nenhum consegue fazê-lo dizer que o trabalho é tudo. 

"O pessoal sempre fala que eu fico ouvindo música o dia inteiro. Tento conciliar o máximo possível da vida social com a esportiva, deixando flexível para que possa treinar e viver um pouco livre do esporte", diz Isaquias. E não espere canções que estão nas paradas de sucesso pelo Brasil. Nos últimos meses, o canoísta tem se interessado especialmente por Tinno Flow, um cantor que faz sucesso justamente em... Ubaitaba. 

O encontro de paredões virou Pererecolândia. É perereca pra cima, é perereca pra baixo

É o que diz a música mais conhecida do cantor, sempre narrando noites recheadas de "novinhas" e bebidas na farra. É o relato de uma rotina que, com exceção das férias, está muito distante de Isaquias. No dia a dia, a vida dele não tem nada a ver com festas, mulheres e bebidas. 

Os percalços da infância: dois grandes sustos

  • Vítima de sequestro

    Antes de completar cinco anos, Isaquias quase foi tomado da mãe, Dilma. Ele mal havia aprendido a andar e chamava atenção de pessoas na região pela força que aparentava. Uma mulher repetia sempre que iria roubá-lo para vender a casais ricos. Um dia ela cumpriu a ameaça e levou Isaquias. Com a ajuda de vizinhos e amigos, porém, a mãe conseguiu recuperar o filho no mesmo dia antes que acontecesse o pior.

  • Perda do rim

    Curioso, Isaquias não resistiu ao ouvir de um amigo que uma árvore perto de casa abrigava em seus galhos uma cobra morta. Poupado da escola com febre, ele esqueceu da enfermidade, tentou subir para ver o animal com os próprios olhos, se desequilibrou e caiu em cima de uma pedra. O choque afetou o rim esquerdo, que acabou sendo retirado. Hoje, ele precisa ter muito cuidado com a hidratação para poder competir.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Os problemas de menino não podem ser desculpa

Essas histórias, somadas às dificuldades financeiras da família, poderiam configurar uma infância marcada por algum sofrimento. Nada a ver, segundo Isaquias:

A minha infância não foi complicada. Uma vez eu pensei sério nisso. O pessoal usa o esporte para dizer que a pessoa saiu da criminalidade, só que eu nunca fui do crime. Que usou o esporte para sair da miséria, só que eu nunca estive na miséria

Isaquias se incomoda de voltar aos mesmos assuntos em entrevistas e não esconde que preferia ser notícia apenas pelo que faz em cima de uma canoa. "Minha infância foi muita brincadeira, me diverti bastante. Teve umas partes complicadas de acidente, mas faz parte", diz ele. Hoje, ele prefere explicar como é sua rotina em Lagoa Santa, quais são seus treinamentos e como Jesus Morlan mudou sua vida na canoagem.  

 

Arte/UOL
Juca Varella/Folhapress Juca Varella/Folhapress

Confinamento é proposital: um campeão precisa estar calmo

A causa do isolamento na bucólica cidade mineira tem nome e sobrenome: Jesus Morlan, técnico do time. Ele decide os horários dos atletas, comanda a rotina de treinos com pulso firme e domina até a chave da casa em que eles vivem. “Não conheço nenhum campeão olímpico bagunçado. São tipos supercalmos, tranquilos, que na hora decisiva estão dando o melhor deles. Eu gosto dos tipos calmos”, disse o espanhol ao UOL em 2015, descrevendo um tipo de atleta oposto a Isaquias, falante e agitado o tempo todo.

A linha-dura de Jesus é o que mantém o equilíbrio de Isaquias, que nem assim deixa de dar sustos. Em suas férias do ano passado, o canoísta sofreu um acidente numa estrada que o levava de Ilhéus a Ubaitaba e capotou o carro. Por sorte, saiu ileso. Se fosse por Jesus, ele e seus companheiros não se exporiam a nenhum tipo de risco. Nem na imprensa. “’Menino de ouro, fenômeno, monstro’... Não entendo muito isso. Não é isso. Ele é o Isaquias. Não ponham nomes superlativos em um tipo que é mortal. Quando ganhar, façam de tudo. É fácil ficar deslumbrado”, diz Jesus, em só uma de suas muitas lições. 

Veja como era o local de treino, antes da Rio-2016

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