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Treino de atleta: como Aline Silva supera dor nas costas. Em crise, andar já é difícil. Imagina lutar...

Bruno Doro Do UOL, em São Paulo

O dia a dia de Aline para driblar uma velha conhecida

Volte para o dia 18 de julho de 2015. Você provavelmente não lembra de como estava se sentindo há tantos meses. Aline Silva lembra exatamente. A atleta estava orgulhosa, com uma medalha dos Jogos Pan-Americanos no peito. E não conseguia andar sem auxílio. Ao subir ao pódio, a dor que sentia era extrema.

Aline estará na Olimpíada de 2016 como uma das chances de medalha do Brasil na luta olímpica. E, para isso, terá que trabalhar com a dor. Não aquela dorzinha que todo mundo sente uma hora ou outra no dia. É uma dor crônica, nas costas, séria. E, azar dela, esse problema ocorre justamente em uma parte do corpo que ela usa muito em sua profissão.

Ela tem 28 anos e já foi vice-campeã mundial em 2014. É atualmente top 10 no ranking da sua categoria. O combate no esporte exige um corpo forte, preparado para uma série de movimentos que unem força e explosão. As costas de Aline, que tem um 1,77 m e 75 kg, são frágeis para tudo isso. Há dez anos convive com uma lesão na coluna cervical. Uma protrusão em duas vértebras pinça um nervo. A explicação técnica é tão ruim quanto o efeito. Quando esse nervo inflama, ela não consegue andar. Foi isso que aconteceu naquele dia de 2015. 

Aline passará os próximos meses morando em um alojamento até o Rio-2016. Seu apartamento, recém-comprado em São Paulo, ficou oito meses fechado em 2015. E vai ficar mais oito meses trancado, até os Jogos. A luta fez da atleta uma viajante. O UOL acompanhou um dia em sua vida para descobrir como ela esquematiza os treinos que duram até dez horas. O período agora é de esquecer a dor e focar em uma coisa: a medalha em agosto de 2016.

São 12 horas de sono para resistir 6 minutos

Como treinar sem sentir dor

  • Dor nas costas. Ao quadrado

    Em 2006, Aline Silva sofreu uma lesão séria nas costas. Os exames apontaram problemas em duas vértebras da coluna vertebral, que inflamam com alguns movimentos. Por causa disso, a atleta precisa inovar em sua rotina de treinamentos e achar exercícios que não exijam demais da área problemática

    Imagem: Taís Vilela e Leonardo Coelho/UOL
  • Rotação contra crises na lombar

    A lesão de Aline também piora quando ela faz movimentos de flexão e extensão do tronco. O segredo é fortalecer as costas e o abdomem, para que os músculos, e não a coluna, receba o impacto do movimento. "Fazemos muita torção de tronco e também usamos abdominais e exercícios de dilatação. Isso evita as crises na lombar"

    Imagem: Felipe Vita e Ugo Soares/UOL
  • Relaxa com os ombros para frente

    Como a lesão afeta sua mobilidade, foi necessário adaptar a postura de Aline. "Ela tem que ficar com os braços à frente para poder descansar a região lombar. Se ficar muito reta, ataca a dor. Ela tem que ficar com os ombros para frente, relaxada, andando na ponta dos pés", ensina o técnico cubano Pedro Garcia.

    Imagem: Taís Vilela e Leonardo Coelho/UOL
  • Não esqueçe o pescoço

    Região vital para um lutador: o pescoço pode ser a diferença entre a derrota e a vitória em um combate. "Uma série de pegadas e golpes envolve resistência do pescoço. Por isso, ele é trabalhado em todos os treinos. Os técnicos são muito criativos nessa hora. Inventam bastante", diverte-se Aline.

    Imagem: Felipe Vita e Ugo Soares/UOL
  • Evita golpes nas pernas

    Nos movimentos de luta também foram necessárias mudanças. "A preferência é sempre por ataques em cima, pelos braços. A gente não faz muitos ataques pelas pernas, a não ser que seja necessário. Por que, se ela usar muito os ataques pelas pernas (como na imagem), tem de fazer muita força e sempre sente dor quando acabam os campeonatos".

    Imagem: Taís Vilela e Leonardo Coelho/UOL

Sem dor, dá para viver e lutar

Meus técnicos já entenderam que eu tenho um corpo com necessidades diferentes. Eles já trabalharam com a Aline com dor e com a Aline sem dor. E viram que uma é muito melhor do que a outra. Por isso, aceitam esses ajustes. Sabem que eu posso não ser a atleta mais forte do mundo, mas sem as crises lombares, eu consigo mostrar todo o meu potencial. Afinal, quando eu tenho crises, não dá nem para andar. Imagine lutar...

Aline Silva

Aline Silva, falando sobre sua lesão nas costas

E tem a casa: só a parede foram 4 meses decorando

Flavio Florido/UOL Flavio Florido/UOL

Para Aline, ser atleta olímpico também é não poder engravidar...

Aline Silva e o marido, Flávio Ramos, seu sparring de treinos, se casaram em dezembro de 2014. E sabem que ter filhos é um sonho que fica para depois. Primeiro vem a Olimpíada do Rio de Janeiro, no meio do ano.

A gente quer. Mas, sabe como é atleta. Nossa vida gira em ciclos de quatro em quatro anos. Estrategicamente, a gravidez só pode acontecer no segundo semestre de 2016

“Mas também temos de pensar em carreira. Se ela decidir competir em Tóquio, em 2020, vamos ter pensar. Será que vale a pena parar agora?”, pergunta Flávio.

Ele também está abrindo mão de algumas coisas para acompanhar a mulher. Os dois se conheceram na adolescência, mas se reencontraram em 2010. Atleta de judô e de jiu-jitsu, Flávio passou a acompanhar os treinos da namorada. Virou sparring. Todos os dias, apanha da mulher. E tem de seguir uma dieta rígida. “Eu não posso ganhar peso. Tenho de manter o físico assim. Não posso ficar mais forte, porque mudaria a dinâmica de treino. E a Aline seria prejudicada. Mas, se pudesse, eu iria ganhar músculos. Como fisiculturistas”.

...não parar em casa...

A casa do casal também vive nesse limbo de quem tem um objetivo definido. O casal passa quatro meses por ano viajando pelo mundo, atrás de campeonatos. Mais meio ano no Rio de Janeiro, treinando com a seleção. Em casa mesmo, os dois têm um mês de férias e poucas semanas entre as viagens. O apartamento novo, comprado no início de 2015, quase não foi usado. “O casamento foi em dezembro de 2014. E só conseguimos aproveitar um ano depois. Antes disso, não paramos em casa. É até engraçado”, admite Aline.

No primeiro semestre de 2016 vai ser ainda pior: Aline e Flávio praticamente se mudaram para o Rio de Janeiro, onde a seleção de luta treina. A casa dos dois, em São Paulo, que já ficou meses fechada em 2015, seguirá sem ser aberta nesse ano. “A casa em que moramos no Rio é na Tijuca. Ela é boa e atende às necessidades dos atletas. Mas não é a nossa casa. Você abre mão do seu cantinho, da sua família, da sua distração, da sua diversão”, fala a lutadora.

Se Quem sofre, com isso, são irmãos, sobrinhos e afilhados. A virada de ano para 2016 foi sui-generis: pela primeira vez, Aline não passou com a família. Só sua mãe, dona Lídia, estava com ela e Flávio. “Natal e ano novo eu não fui para São Paulo. Não fui para casa, não passei com a família e não fiz festa. A gente ficou aqui treinando dia 25, 26, 27. A gente treinou tudo quanto é dia”, lembra Aline. “Minha mãe entende, porque ela está sempre do meu lado. Mas nem todo mundo aceita. A família cobra, sente falta. Meus afilhados falam: 'Você esqueceu da gente. Não liga mais, não visita mais'. O problema é que não sou eu. É o esporte. Tenho de ter concentração”.

Flavio Florido/UOL Flavio Florido/UOL

...e adiar o sonho de ter o próprio negócio

Aline é esteticista formada. E gosta de trabalhar com beleza. Tanto que, quando não se classificou para os Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, resolveu apostar e abrir uma clínica na zona sul de São Paulo, perto do bairro de Parelheiros. Era uma parceria com uma academia, em que ela comandava, sozinha, os tratamentos para a clientela.

“Quando eu não me classifiquei para Londres, pensei: vai demorar para voltar a competir, a Confederação não vai voltar a mandar a gente para competições tão cedo.  Estou fora das Olimpíadas, vou abrir uma clínica porque vou ter uns dois anos sem muita competição ou treino duro”, fala.

O problema é que as coisas não funcionaram exatamente como Aline planejava. Com os Jogos no Rio, os lutadores passaram a viajar mais do que antes. Os treinamentos foram ficando cada vez mais fortes e frequentes. E Aline não conseguia mais ficar em sua clínica de beleza. “Não dei conta de manter. Mas isso foi bom. Se a clínica tivesse dado certo, talvez eu não tivesse me classificado para os Jogos. Foi uma boa experiência profissional. Eu me formei em estética e não tinha tido oportunidade de trabalhar com isso. Não funcionou agora, mas é um projeto que sigo tendo”.

O filho, a família e a carreira profissional são apenas exemplos de como um atleta precisa escolher entre viver e treinar para chegar ao seu objetivo. Vale a pena? Aline tem certeza que vale. E espera provar isso com uma medalha no Rio de Janeiro, em agosto.

Flavio Florido/UOL

E as chances de medalha?

Flavio Florido/UOL Flavio Florido/UOL

Pressão na estreia

Aline lutou por medalhas nos últimos dois Campeonatos Mundiais. Foi prata uma vez e terminou em quinto lutar na outra. Mas nunca disputou os Jogos Olímpicos. Sua estreia terá, então, a pressão de um certo favoritismo e o peso de competir em casa - ela também não estava no time que disputou o Pan do Rio de Janeiro, em 2007.

Xinhua/Zou Zheng Xinhua/Zou Zheng

Americana imbatível

A norte-americana Adeline Gray é a grande pedra no sapato da brasileira. Nos últimos dois mundiais, foi justamente ela que terminou com os sonhos dourados de Aline. Em 2014, ela venceu na decisão. Em 2015, nas semifinais. Até mesmo nos Jogos Pan-Americano de Toronto a americana foi a algoz, batendo Aline nas quartas de final.

Flavio Florido/UOL Flavio Florido/UOL

Consistência a favor

Desde Londres-2012, Aline se consolidou como uma das principais atletas do mundo em sua categoria na luta olímpica. Chegou à disputa por medalha nos últimos dois Mundiais, venceu o Mundial Militar de 2014 e ainda ganhou o Grand Prix de Paris de 2014, único título brasileiro no circuito mundial.

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

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