Não foi só dar tchau

Michael Phelps vai além do adeus e se despede da Olimpíada com mais uma demonstração de que é o melhor

Clive Rose/Getty Images
Al Bello/Getty Images Al Bello/Getty Images

Com o currículo que tem, Michael Phelps tinha o direito de ir à sua quinta e última Olimpíada com o freio de mão puxado. A história, afinal, já tinha sido feita. Só que ele não se contentou em apenas dar adeus. Com cinco ouros e uma prata, sairá do Rio, mais uma vez, acima de todos os outros.   

Aos 31 anos, ele se provou seguidas vezes em seis dias de competição, a começar por aquele que seria seu "maior rival". O esperado duelo com Chad le Clos se transformou em um passeio, com o sul-africano ficando fora do pódio nos 200 m borboleta. Nos 200 m medley, o ritmo imposto pelo astro fez Ryan Lochte e Thiago Pereira, dois de seus maiores rivais, se matarem no começo da prova tentando acompanhá-lo. No fim, Phelps venceu com sobras e viu a dupla nem chegar no pódio. Até em equipe ele fez diferença. Foi a passagem dele que deu aos EUA a liderança decisiva para a vitória nos 4x100 m livre e nos 4x100 m medley. 

Não que se duvidasse de Phelps, claro. Só que em um esporte duro como a natação, como explicar que um veterano que passou dois anos aposentado consiga melhorar seu rendimento em relação à última Olimpíada? Em Londres, ele tinha alcançado "só" quatro ouros e duas pratas. Se cumprir o que prometeu, o Rio será o canto do cisne do americano, e ele tem tudo para fechar os Jogos como o maior medalhista da edição. Em suas últimas braçadas, ele relembra o mundo o quanto é melhor que todos os outros que já existiram.

As 23 medalhas de ouro de Michael Phelps em Olimpíadas

Lucas Lima/UOL Lucas Lima/UOL

As últimas braçadas na Rio-2016

Na última vez que caiu na água, Phelps teve a missão de recuperar a liderança dos 4x100 m medley para os Estados Unidos. No nado borboleta, o norte-americano travou um intenso duelo com James Guy, do Reino Unido, mas conseguiu entregar para Nathan Adrian na primeira colocação. O companheiro abriu vantagem e completou na primeira colocação.

Os Estados Unidos venceram com o tempo de 3min27s95. Medalha de prata, o Reino Unido fechou com a marca de 3min29s24. O bronze ficou com a Austrália (3min29s93).

Depois da prova, Phelps desabou em lágrimas, sendo ovacionado pela torcida presente no Estádio Aquático Olímpico. Nas arquibancadas, a mãe do norte-americano, Deborah Phelps, e sua mulher, Nicole, também não conseguiram conter o choro ao ver o nadador encerrar a última prova da carreira.

ler mais
Stefan Wermuth/Reuters Stefan Wermuth/Reuters

Liderança e surpresa com rival: os minutos finais de Phelps na Olimpíada

A última participação de Michael Phelps em uma prova olímpica não se resumiu a cair na água e ajudar com braçadas os Estados Unidos a conquistarem mais um ouro. Elevado ao posto de capitão do time em sua última edição de Jogos, o norte-americano exerceu diretamente o seu papel de liderança no revezamento 4 x 100 m medley.

Foi dele a preleção para os compatriotas antes de a final começar. Phelps fez um discurso motivacional curto, porém direto: "Estávamos fazendo nossa preparação individual quando Michael nos disse que só tinha uma frase: ‘Entrem lá e matem essa’. Foi o suficiente para me deixar pronto para fazer minha parte”, contou Ryan Murphy, responsável pelo nado costas no revezamento de estilos combinados.

Murphy, inclusive, foi um dos nadadores a surpreender Phelps na prova derradeira. O jovem de apenas 21 anos não só deixou os EUA em primeiro lugar na perna inicial do revezamento como bateu o recorde mundial dos 100 m costas (51s85). Depois dele, quem mais chocou o multicampeão olímpico não foi um norte-americano, mas sim um britânico; Adam Peaty.

O especialista em nado peito havia feito na Rio-2016 o novo recorde mundial dos 100 m no estilo (57s13). Neste sábado, ele foi o segundo a cair na piscina pelo revezamento da Grã-Bretanha e foi ainda mais rápido: 56s59. “56s? Isso é insano! O que o Peaty fez foi coisa de outro planeta. Ele voou na piscina”, espantou-se Phelps.

Depois que Peaty deu a liderança parcial da prova aos britânicos, coube a Phelps recolocar os EUA na dianteira no nado borboleta. Depois dele, Nathan Adrian abriu ainda mais vantagem para os rivais no crowl e ajudou a consagrar o maior nadador da história dos Jogos Olímpicos.

ler mais

Como Phelps fez história no Rio

  • Maior campeão

    Phelps já é, desde 2012, o atleta com mais medalhas na história das Olimpíadas. O Rio só fez ele aumentar essa vantagem. Agora são 23 ouros, além de três pratas e dois bronzes. Segunda colocada nesta lista, a soviética Larisa Latynina tem "só" 18 medalhas no total.

  • Recorde de antes de Cristo

    O americano chegou à sua 13ª medalha de ouro em provas individuais. Com isso, bateu Leônidas de Rôdes, corredor multicampeão em quatro Olimpíadas da era Antiga, de 164 a.C. a 152 a.C.. O recorde durou cerca de 2.160 anos e foi superado no Rio.

  • Primeiro tetra da natação

    Antes de Phelps, nenhum nadador havia conseguido ser tricampeão olímpico na mesma prova. A exigência física do esporte, porém, parece não afetar o americano, que conseguiu o feito já em 2012. No Rio, ele ampliou o recorde e tornou-se tetra dos 200 m borboleta.

  • Sydney rende outro recorde

    A "primeira vez" de Phelps nos Jogos foi em Sydney-2000, quando ele chegou à final dos 200 m borboleta aos 15 anos. No Rio, ele tornou-se o primeiro nadador da história a chegar em cinco finais de uma mesma prova. De quebra, foi o 1º americano a ir à 5ª Olimpíada.

Martin Bureau/AFP Martin Bureau/AFP

Phelps completa redenção após vício e termina carreira como papai

O caminho de Michael Phelps foi turbulento. Ao longo dos últimos anos, a imagem de bom-moço construída em 2008 foi detonada pelos excessos fora da piscina. Viciado em álcool e apostas, ele chegou a ser internado e construiu seu caminho para a última Olimpíada com uma história de redenção pessoal. No adeus, então, o nadador retocou a própria imagem e apresentou-se ao mundo com uma maturidade inédita em sua carreira até então. 

Phelps jamais havia tido um papel de liderança tão marcante quanto o atual. O recordista de pódios da história das Olimpíadas é capitão da seleção – o posto é definido em eleição feita com os próprios atletas, e ele nunca havia ocupado esse patamar anteriormente. Até 2012, Phelps era reconhecido por ser extremamente introspectivo e calado. Na Rio-2016, fez tudo que se espera de um líder: deu preleção para o grupo de atletas, vibrou com o desempenho dos Estados Unidos em provas coletivas e celebrou o sucesso de compatriotas, por exemplo.

A mudança de Phelps no Rio reflete uma nova fase na vida pessoal do nadador. O primogênito dele e da noiva Nicole, Boomer, nasceu em maio deste ano. Desde então, esteve em todas as principais competições que o pai disputou. “Ele mudou tudo. É o melhor sentimento que já tive na vida, e isso me deu mais vontade para ser uma pessoa melhor”, disse o astro em julho, em Omaha (Estados Unidos), na seletiva nacional de natação para a Rio-2016.

Como a 1ª participação olímpica fez Phelps ser quem ele é

David Gray/Reuters David Gray/Reuters

Rivais, público e mídia. A natação ficou maior por causa de Phelps

Não foram apenas os quadros de recorde que mudaram durante a carreira esportiva de Michael Phelps. Desde 2000, quando o norte-americano disputou sua primeira Olimpíada e começou a construir a carreira que se encerrou neste sábado (13), toda a realidade do esporte foi afetada pelos feitos que ele atingiu.

Um dos exemplos disso é a cobertura televisiva da natação. Até 2000, mesmo em Jogos Olímpicos, o esporte ocupava pouco espaço na grade de TV dos Estados Unidos. Neste ano, a NBC, principal parceira de transmissão do megaevento, exigiu que as sessões finais da Rio-2016 fossem realizadas às 22h (de Brasília) para acomodar as vitórias de Phelps no horário nobre norte-americano.

“O que ele fez foi mudar a natação. É isso: ele mudou tudo. Ele fez a natação ser reconhecida no mundo inteiro, e isso é único. Muitos me perguntam se eu dei azar por ter nascido nessa geração, e o que acontece é o contrário: eu dei sorte de ter vivido nessa época e de estar ali com ele durante vários Jogos Olímpicos”, relatou o brasileiro Thiago Pereira, 30, sétimo colocado nos 200 m medley da Rio-2016.

A prova foi um bom exemplo do quanto Phelps importa. Thiago e o norte-americano Ryan Lochte, 32, que eram dois dos principais candidatos ao pódio, alteraram suas estratégias para tentar competir com o astro. No fim, ambos acabaram sem medalhas por causa disso.

“Eu amo nadar contra ele porque nadar contra ele me fez ser maior. Ele é um competidor duro, que sempre exige o melhor de nós. O que ele fez pelo esporte é incrível, e isso influenciou todos nós”, disse Lochte.

Reprodução Reprodução

Ledecky lidera lista de fãs de Phelps que devem dominar a natação

É fácil apontar o maior nome da natação entre os atletas que estão na Rio-2016. Difícil é imaginar qual vai ser o protagonista da modalidade após Michael Phelps. Depois de todas as transformações que o astro provocou no esporte, as piscinas mundiais iniciarão no próximo ciclo olímpico a busca por novos protagonistas. E os principais candidatos são atletas que foram forjados idolatrando o norte-americano.

Katie Ledecky, 19, é o melhor exemplo disso. A norte-americana foi a mulher que mais conquistou medalhas na natação da Rio-2016 (quatro ouros e uma prata). Dez anos antes, em 2006, ela passou horas na fila em um evento promocional nos Estados Unidos para pegar um autógrafo de Phelps. O único nadador que destronou Phelps no Brasil tem história similar. Joseph Schooling, 21, que venceu os 100 m borboleta na última sexta-feira (13), havia tietado o norte-americano antes dos Jogos Olímpicos de 2008. O japonês Kosuke Hagino, 21, superado por Phelps nos 200 m medley, chegou a dizer que começou a nadar por causa do norte-americano.

Praticamente todos os nadadores que brilharam na Rio-2016 têm histórias similares. A natação mundial pode passar os próximos anos buscando um novo Phelps, mas essa procura será totalmente influenciada pelo próprio Phelps.

ler mais

Curtiu? Compartilhe.

Topo