'Cidades' de sem-terra

Falência de ex-deputado mais rico do país fez império virar comunidade agrária que tirou milhares da miséria

Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Branquinha e União dos Palmares (AL)
Beto Macário/UOL

As margens da BR-104, entre as cidades de Branquinha e União dos Palmares (na zona da mata de Alagoas), mudaram. Os quilômetros de plantações de cana-de-açúcar que eram a marca da imponência do grupo João Lyra não existem mais. Com a falência do conglomerado, em 2012, nas terras do então homem mais poderoso do Estado hoje vivem 10 mil camponeses que transformaram o local em uma das maiores comunidades agrícolas do país.

Na usina Laginha estão acampadas 3.200 famílias de oito movimentos sociais, que se espalham entre barracos e pequenas construções nos 11.800 hectares da falida usina. Cada residência tem uma média de quatro moradores, que vivem do que plantam e dos animais que criam. Antes, a maioria ou tinha emprego temporário na usina, ou vivia do Bolsa Família em moradias precárias na região. Muitas dessas pessoas vieram de Maceió.

Os acampamentos são divididos como em povoados de uma cidade, e as decisões são sempre tomadas de forma colegiada.

Os acampados ainda aguardam a posse definitiva da terra, mas tanto os diretores da massa falida da usina quanto o poder público querem que a área seja destinada à reforma agrária.

Para isso está sendo feito um levantamento da dívida do grupo em impostos. A ideia é fazer da usina o mesmo que foi feito com parte de outra usina, a Guaxuma, que fica em Campo Alegre (a 80 km de Maceió). Lá ficou acertado que 1.600 hectares --onde vivem em torno de 400 famílias-- serão destinados à reforma agrária. O "pagamento" pela terra será feito com desconto pelo Estado de parte do débito do grupo com o Tesouro alagoano. 

Em 2014, a dívida superava os R$ 610 milhões. O valor, entretanto, ainda está sendo recalculado pela gestão da massa falida.

Beto Macário/UOL Beto Macário/UOL

Histórias de uma nova vida

Para se ter ideia da grandeza da comunidade, se fosse transformada em uma cidade, teria população maior do que 28 municípios de Alagoas.

A reportagem visitou acampamentos da usina e conheceu a produção dos camponeses. No Zé Vaqueiro, em União dos Palmares, vivem 36 famílias e existe até área para a produção de plantas medicinais. Como muitas vezes não têm acesso a médicos ou remédios, é de lá que os moradores tiram a cura para seus problemas de saúde.

No local, moram alguns funcionários que trabalharam para o grupo João Lyra e levaram calote. "Trabalhei 13 anos e deixei de receber três meses e os direitos trabalhistas", conta José Barros da Silva, 55, que ainda espera receber os R$ 10.500 a que teria direito. Ao todo, 15 mil ex-funcionários aguardam o pagamento dos débitos trabalhistas.

As comunidades têm diversas plantações: de feijão a maracujá, de laranja a mandioca. E também há criações de animais de pequeno porte, como galinhas e carneiros.

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Da pobreza a ter um negócio

No acampamento Sapucaia, em Branquinha, vivem quase 600 pessoas nas 142 pequenas casas ou barracos. Luciano Santos da Silva, 50, vivia em Maceió e também decidiu deixar a capital, onde vivia como pedreiro, para viver na área. Hoje, é dono de uma pequena mercearia que montou com os recursos adquiridos da venda da plantação que tem. "É muito melhor a vida aqui, não tem comparação. Viver do que é nosso, sem depender de ninguém, é um sonho."

Assim como em quase todos os acampamentos, muitos moradores eram funcionários do grupo, mas tinham empregos temporários --a colheita da cana-de-açúcar dura entre quatro e cinco meses. No acampamento Che Guevara, em União dos Palmares, moradores lembram que eram tempos mais duros.

"Não tem comparação. Antes a gente ficava seis, sete meses sem fazer nada; agora não falta nada. Podemos plantar e ter nossas coisas", afirma José Edílson da Silva, 32, que era bituqueiro (trabalhadores que recolhem restos de cana que ficam espalhados na lavoura).

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Do império à falência

Por muitos anos, João Lyra foi um símbolo de poder econômico em Alagoas. Dono de cinco usinas (três em Alagoas e duas em Minas Gerais), concessionária, postos de gasolina e até locadora de aviões, Lyra hoje é um senhor afastado da vida pública --e que não concede entrevistas.

Seu histórico passa por denúncia de trabalho escravo e uma tentativa frustrada de ser governador de Alagoas em 2006, na campanha mais cara já vista no Estado. Naquele ano, Lyra teve ao seu lado prefeitos e lideranças políticas que recebiam muito dinheiro pelo apoio. Ele liderou as pesquisas até a semana da eleição, quando foi ultrapassado e perdeu ainda no primeiro turno para o então senador Teotonio Vilela Filho (PSDB).

Em 2010, foi eleito o deputado federal mais votado do Estado. Sempre adotando a cor laranja (uma marca histórica), foi o mais rico da Câmara naquela legislatura, com patrimônio declarado à época em R$ 240 milhões. 

Mas o império ruiu e foi à falência em 2012, após acumular dívidas estimadas em R$ 2 bilhões. 

Hoje, um grupo indicado pela Justiça administra a massa falida das empresas. A sede da usina Laginha, em União dos Palmares, está aos pedaços, com maquinário e veículos abandonados.

Logo após as usinas pararem de produzir, os movimentos ocuparam as terras da usina Laginha e da Uruba. Mas um acordo feito com a direção da massa falida no Judiciário fez com que todos saíssem da Uruba e ficassem apenas na Laginha, onde aguardam o acordo definitivo pela posse.

Lyra também enfrenta problemas com a Justiça da Suíça, onde teve contas congeladas recentemente.

Estado como credor

Em meio aos problemas, os administradores da massa falida tentam achar soluções para quitar os débitos. O representante da empresa administradora judicial da massa falida do grupo, José Luiz Lindoso, afirma que ainda não é possível saber se com a venda do patrimônio será possível pagar todos os credores.

"A gente espera que sim, é para isso que a gente está trabalhando incessantemente. O futuro não podemos prever, mas estamos otimistas que, se não pagarmos tudo, pagaremos grande parte", aponta.

Sobre as terras ocupadas, ele confirma que o destino das terras para a reforma agrária é provável. "No caso, havendo um interesse social nas terras, isso seria compensado descontando débitos fiscais. Então se faria uma compensação. A gente não sabe ainda como esse encontro de contas ficaria", diz.

"Como Estado e União são grandes credores, não haveria maiores problemas. Não sabemos se só o débito será possível para quitar o valor das terras. O Estado ficou de nos apresentar a dívida atualizada, mas esse valor não temos ainda" afirma.

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