Aos 23 anos, Jefferson Maia era o estereótipo do carioca jovem: bem-humorado, ativo e adepto de uma boa festa. Apaixonado pelo mar, trabalhava como mergulhador de prospecção de petróleo no Rio de Janeiro.
Um dia, foi abordado por assaltantes quando voltava do curso de especialização na capital fluminense. "Eu era muito novo, tentei fugir", conta o pedagogo. "O sujeito atirou e a bala pegou na região cervical do pescoço."
No hospital, o diagnóstico: havia ficado tetraplégico (paralisação total de todos os membros). "Entrei em um conflito existencial muito grande, passei mais de um ano inerte na cama", lembra Maia.
"Cada pessoa tem o seu tempo para assimilar a notícia, é uma quebra de planos, de sonhos, de expectativas", explica a psicóloga clínica e hospitalar Luana Inácio de Oliveira.
Com a ajuda de amigos e parentes, Maia começou a reabilitação. Para a sua surpresa, os resultados foram animadores: aos poucos, ele recuperava alguns dos movimentos do braço e, com esforço, conseguia ficar em pé.
Em uma viagem, conheceu um jovem com a mesma condição que ele. O rapaz dirigia. Jefferson ficou impressionado porque, até então, não sabia que alguém com sua limitação física conseguisse dirigir um automóvel normalmente.
O problema é que, parado desde o acidente, ele não tinha dinheiro para comprar um carro. "Não deu outra: fui falar com meu pai para ter um carro adaptado para mim. Estava conseguindo minha liberdade de novo.”
O carioca, no entanto, abusou dessa autonomia. Quase dois anos depois da frustrada tentativa de assalto, Maia sofreu um acidente de carro ao voltar para casa. Ele havia bebido. "Por insanidade e inconveniência, bati em um poste."
O acidente fez com que a lesão na cervical fosse intensificada. Maia estava com o quadro permanente de tetraparesia (paralisação parcial dos membros), sem movimento da cintura para baixo ou na mão direita, só tinha certa mobilidade no braço esquerdo. "Foi muito difícil quando eu vi que a lesão era definitiva."
No hospital, conheceu um paciente com uma condição similar a sua que nadava. "Eu achava que tetraplégico não podia fazer nada, mas aí entrei na natação."
O carioca foi a fundo no mundo dos esportes. Mesmo com dores, treinou diversas modalidades. Além do nado, praticou pesca paraesportiva e retomou o mergulho adaptado. "Quem naquela época imaginaria que alguém na minha condição dava para mergulhar?"
Até que conheceu o rúgbi em cadeira de rodas. "A gente achava que só havia essa modalidade no basquete, ninguém falava disso nos anos 1990." Maia se juntou a alguns colegas e montou um time. Quando a modalidade foi reconhecida pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), o carioca se tornou o primeiro capitão da seleção brasileira. "As pessoas acham que tetraplégico é bibelô, elas se assustam quando veem um monte de cadeirante se derrubando. É desmistificador." Em 2016, ele carregou a tocha para a Paralimpíada do Rio.
Maia conta que sua maior dificuldade foi a falta de informação. "Isso me comeu por cinco, oito anos, porque achava que não podia fazer nada. Hoje, temos muito mais visibilidade."
Nos anos 2000, o carioca fez pedagogia para começar a dar palestras e ajudar a passar conhecimento sobre a sua condição. No início da Lei Seca, foi contratado para participar do setor educativo do projeto, cargo que ocupou até o ano passado.
Hoje, aos 63 anos, Maia se dedica à pintura e procura fazer o maior número de atividades possível, como ir ao Rock in Rio. Sua condição, claro, traz algumas reações colaterais. "A coluna dói o tempo todo, a posição sentada é ingrata, né? Às vezes, quando vou deitar à noite, (a coluna) chega a gemer."
Bem-humorado, o artista plástico afirma que é preciso enfrentar cada dia como se fosse um novo. "Antes de passar a cura física, a gente precisa enfrentar a cura emocional."
Ele não se lamenta. "Meu universo social se expandiu muito. Hoje, muita gente me conhece e me agradece quando dou minhas palestras", conta, com a voz embargada. "No fim, eu ganhei mais porque me aprimorei como ser humano."