Chove, mas continua seco

Imagens inéditas de satélite mostram que estiagem ainda impera na maioria do Nordeste

Aliny Gama e Carlos Madeiro Colaboração para o UOL, em Dois Riachos e Santana do Ipanema (AL)

Apesar das chuvas acima da média no primeiro semestre do ano, a maioria dos municípios do Nordeste enfrenta situação seca severa ou moderada. Imagens de cobertura vegetal inéditas produzidas pelo Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite), da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), revelam que, no final de julho, 952 dos 1.794 municípios do Nordeste (53% do total) enfrentaram seca.

As chuvas abaixo da média começaram em 2011 e tiveram 2012 como um dos anos mais secos da história, dando início a um longo período de estiagem que permanece com seus impactos até hoje. Até 2016, a seca já tinha causado um prejuízo superior a R$ 100 bilhões na região.

De acordo com o INSA (Instituto Nacional do Semiárido), os reservatórios do semiárido continuam com volume de água muito baixo, de apenas 19% da capacidade total, segundo dados atualizados de agosto. Dos 452 reservatórios, 90% têm menos de 10% da capacidade e estão em colapso ou próximo disso.

"Chuvas não foram suficientes", diz cientista

Entre os nove estados da região, dois lideram o ranking percentual de mais municípios afetados. A Paraíba tem 160 de seus 223 municípios com seca grave ou moderada, o que dá 71% do total. O mesmo número de cidades castigadas do Piauí, onde a seca atinge 160 dos 224 municípios do estado. Já a Bahia tem o maior número de cidades nessa condição: 237, que significa 57% do total.

Segundo o coordenador do Lapis, Humberto Barbosa, mesmo com boas chuvas neste ano em várias áreas, o cenário ainda é muito preocupante no Nordeste. "Desde 2011, este ano foi o primeiro com chuvas acima da média. Contudo, elas não foram suficientes para diminuir o déficit de precipitação que a região semiárida vem sofrendo há sete anos, decorrente dos impactos das secas meteorológica e hidrológica nos anos anteriores", explicou.

Barbosa afirma que o período mais chuvoso de boa parte do semiárido registrou chuvas desiguais na região. "De fevereiro a maio, as chuvas no semiárido atingiram a maior parte dos municípios. No entanto, a média de chuva na região toda, em 2018, foi inferior à média histórica --considerados como referência os últimos 30 anos-- para o período, sobretudo nos estados da parte sul da região semiárida nordestina", conta.

Outros estados

Ranking de municípios do Nordeste com seca

"Dinheiro só para cuscuz, arroz e farinha"

Entre as áreas do semiárido com chuvas abaixo da média está o sertão alagoano. Nas cidades da região, as chuvas deste ano não foram suficientes para encher barreiros, açudes e outros mananciais. Por isso, inúmeras famílias continuam convivendo com a rotina de falta d'água e perda de plantações.

A agricultora Maria Lucileide da Silva Santos, 30, mora na zona rural de Dois Riachos (a 193 km de Maceió) e não tem mais água na cisterna. Para abastecer a casa, ele caminha por 30 minutos para chegar a uma cacimba.

"Neste ano ainda plantamos macaxeira, milho e feijão, mas a seca depois foi tão grande que não vingou o milho e a macaxeira. Só conseguimos um saco de feijão, que não vai dar até o ano que vem, quando poderá chover e plantarmos novamente", relata.

Lucileide e a família não têm emprego e, com a seca, vivem basicamente da renda de R$ 156 que recebem do Bolsa Família. "Agora temos de 'comer puro', sem carne, porque o dinheiro só dá para cuscuz, arroz e farinha. Consegui um cadastro na prefeitura para receber leite para as crianças. Senão fosse isso, não tinha dinheiro para o leite", conta a agricultora, que uma vez por semana percorre a pé cerca de 4 km para receber dez litros de leite.

"Não estamos bem porque água é caro"

O agricultor João Agripino da Silva, 67, conta que passa por dificuldade por conta da falta d’água e pelo valor cobrado pelo líquido na região. 

"A cisterna já acabou o que tinha, e a minha sorte é uma aposentaria que recebo. Não estamos bem porque água é caro. Compro um caminhão de 8.000 litros para passar o mês por R$ 250. Aí faltam a carne e outros alimentos", afirma o agricultor.

Mas há quem consiga tirar o sustento da seca no sertão. O carroceiro Wemerson Ferreira da Silva, 18, cobra R$ 10 por 200 litros de água que retira de uma cisterna que acumulou água na zona rural de Santana do Ipanema (a 212 km de Maceió). "Cobro R$ 10 por 200 litros e, se a pessoa não pode buscar, eu levo por mais R$ 10.”

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