O Cateté não é um rio muito grande, tem cerca de 120 quilômetros de um extremo ao outro, enquanto o Tocantins, o Araguaia e o Xingu, os principais da região, estão todos na ordem dos 2 mil quilômetros de extensão.
Na época de seca, entre maio e setembro, 20 passos bastam para passar de uma margem a outra. Nesse período, ele fica tão raso que as crianças montam redes de vôlei dentro da água para brincar sem passar muito calor. Em compensação, durante o período de chuvas, que vai de outubro e abril, a vazão fica cinco vezes maior, subindo de 20,43 m³/s para 106,84 m³/s.
O período de estiagem é o mais propício para bater timbó --o cipó utilizado na pescaria coletiva tradicional dos xikrins-- porque o menor volume de água permite enxergar os peixes a olho nu e acertá-los com arco e flecha.
O timbó possui uma substância tóxica que, quando liberada na água, reduz a concentração de oxigênio, obrigando os peixes a vir para a superfície em busca de ar, momento em que são flechados.
Para otimizarem o processo, antes de bater o timbó na água, os xikrins montam uma pequena barragem para reduzir o espaço físico da pescaria.
“Se a gente pesca de anzol, só uma família vai comer peixe. Mas com timbó a aldeia inteira come”, explica o ex-cacique Onkray Xikrin, que achou a função exaustiva demais e se aposentou precocemente.
O processo de preparo de outro alimento tradicional indígena, a farinha de mandioca, também passa pelas águas do Cateté. Durante semanas, a mandioca fica na água do rio para amolecer e inchar. Depois será triturada e misturada à mandioca seca para ser torrada.
Também é tradição entre os xikrins comer batatas-doces (que eles plantam nas roças) assadas na beira do Cateté, usando a água do rio para molhar o alimento antes de mastigá-lo.
“A cultura nossa é essa, é costume da gente”, argumenta Roiri Xikrin, que não esconde sua insatisfação com a proibição médica de usar as águas do Cateté para processar seus alimentos. “Agora temos que colocar a mandioca de molho em um tonel”, lamenta.
Foi uma orientação do médico João Paulo Botelho Vieira Filho, que, já em 2013, começou a associar à água do Cateté os episódios cada vez mais frequentes de dores de cabeça, irritações nos olhos e na pele e até infecções alimentares.
O dr. João Paulo, como é conhecido nas aldeias, é professor da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e frequenta os xikrins há quase 50 anos. Chegou lá antes mesmo dos antropólogos para aplicar as primeiras vacinas nos indígenas, na tentativa de reverter uma provável extinção: restavam apenas 93 pessoas da população dizimada por epidemias adquiridas no contato com os brancos.
O médico é explícito na proibição do uso do rio para pesca, produção de farinha e uso de água potável. Nos últimos tempos, radicalizou o discurso e já atribuiu ao acúmulo de metais pesados no organismo dos xikrins um inédito surto de nascimentos de crianças com defeitos congênitos. “O rio está morto. Se nada for feito, estamos à beira de um etnocídio químico”, diz.