"Na tarde de 30 de agosto, os militares chegaram a nossa aldeia. O Mogh Ukhatta [chefe de aldeia no estado de Rakhine] nos disse para não fugir, e que os militares só estavam procurando pelo Al Yaqin [o nome anterior do Exército de Salvação Arakan Rohingya, conhecido como ESAR].
'Eles não vão machucar vocês se vocês se reunirem em um só lugar e cooperar com as autoridades’, disse ele.
Nós acreditamos e todos foram para a margem do canal --mulheres, homens, crianças e idosos. Centenas de militares chegaram. Primeiro, escolheram homens e os mandaram deitar na beira do canal, com o rosto para o chão. Seus corpos estavam na água. Então, os militares os apunhalaram nas costas muitas vezes. Eu vi com meus próprios olhos como eles mataram meu marido. Ele era um agricultor, nada mais. Eles queimaram todos os corpos juntos.
Vendo essa matança, alguns jovens tentaram correr. Só conseguiram chegar ao cemitério da aldeia. E foram atingidos por tiros nas costas. Meu filho e meu sobrinho, ambos de 12 anos, estavam lá. Eles também estão mortos. Meu pai também foi morto a tiros.
Os militares levaram então grupos de mulheres para as casas, as esfaquearam e surraram. Algumas morreram. Um soldado me esfaqueou na garganta e no queixo. Outro deu um golpe com a mão, não me lembro com que instrumento. De alguma forma consegui sair da casa e entrar no mato. Então os militares incendiaram a casa.
À noite, os militares saíram e entrei na floresta. Lá encontrei quatro mulheres da minha aldeia; elas também haviam sido feridas e sangravam. Depois de três dias de caminhada, entramos juntas em um barco para Bangladesh. Não consigo lembrar a data com clareza, tudo parece confuso para mim.
Perdi meus seis filhos: três meninas e três meninos. O mais novo tinha três meses de idade. Quando eu fugi, levei um bebê do tamanho do meu próprio bebê. Eu pensei que era meu. Depois de um tempo eu percebi que não era meu bebê, era outro bebê morto. A barriga tinha sido cortada.
Duas semanas antes, os militares, ao lado do chefe da aldeia, haviam procurado integrantes do ESAR. Mas não havia nenhum. No dia anterior, eles haviam deixado o país e vindo para Bangladesh; eles haviam transferido suas famílias com antecedência. Pensamos que não teríamos problemas. Meu sofrimento é por causa do Al Yaqin. Eles não são capazes de trazer nada de bom para nós. Perdi meu marido e seis filhos, não sobrou nada de mim. Eu não estou viva, embora pareça ser eu".
(Paciente do sexo feminino de Maungdaw, tratada por MSF por lesões relacionadas à violência)