Diferentemente da colega Kimberly, a cadete Vitória Bezerra Costa, 19 (na foto), de Fortaleza, alta e esguia, não tinha nenhum militar na família, mas estudou desde o 5º ano em colégio militar. Diz que sempre prezou os valores do patriotismo e do civismo.
Ela se diz sistemática e que vai melhor na parte administrativa. "A nossa é uma responsabilidade maior, porque o sarrafo vai ser colocado por nós."
Vitória se refere ao fato de ela e as outras 31 meninas cadetes estarem estabelecendo marcos e índices inaugurais de avaliação e desempenho.
A cadete diz gostar muito das disciplinas de línguas estrangeiras e aguarda ansiosamente pelas aulas de geopolítica. São conteúdos que vão ajudá-la na realização do sonho: "Uma missão no exterior é uma grande oportunidade".
Mas sua estratégia é um passo depois do outro: "Tento manter o foco, com faróis curtos, primeiro o que está à minha frente".
Uma dificuldade presente no dia a dia de quem estuda nas academias é a saudade. As meninas, sim, e os meninos também, sentem falta de casa, da convivência com a família, uma vez que passam a morar na escola. Quem vem de longe nem sempre consegue aproveitar o fim de semana de folga para viajar de volta para casa. Pesa também a grade curricular lotada, que pode incluir atividades até nos fins de semana.
"A distância para mim pesou bastante", admite a cadete Valquíria Letícia Gomes de Mesquita, 19, de Brasília, que morava com os pais e as irmãs. O pai é militar e ela mesma estudou a maior parte da vida em colégio militar.
"Falar só por celular é dureza."
Entre as alunas, e também alunos, que ingressaram neste ano na escola de Campinas, futuros cadetes, a saudade estimulou vínculos. "Sinto bastante falta de casa, mas você cria uma outra família aqui", aponta Larissa Goulart, 19, de Taubaté (SP).
Daí um bordão que ela compartilha, sempre repetido pelos alunos como forma de incentivo mútuo: "Vibra que não dói".
Manoela Albert, 21, do Recife, optou pela carreira militar de combate baseada numa inquietação que é compartilhada por outros alunos: não queria ficar presa dentro de uma sala de aula e depois em um escritório. Chegou a cursar cinco períodos da graduação em direito, mas desistiu.
De família militar, decidiu fazer cursinho específico para concursos da área e entrou na EsPCEx na segunda tentativa.
Com o soldo que passou a receber na escola, de pouco menos de R$ 1.000, começou a sentir o sabor da independência, de bastar-se a si mesma, de saber se virar, enfim. "Desde que estou aqui, nunca mais pedi dinheiro para o meu pai. Monto o meu kit de higiene, pago meu passeio no fim de semana, cinema. O dinheiro é mais do que suficiente."
Muito bem avaliadas
Pelas avaliações dos dois primeiros anos na escola de Campinas e do primeiro ano em Resende, o sarrafo está sendo colocado por elas muito lá em cima, até com relação aos homens.
"Apesar de a idade ser igual, elas são mais maduras, mais concentradas e focadas. Detestam quando erram. Com isso, suas notas [altas] acabam refletindo. Querem aproveitar a oportunidade de serem as primeiras mulheres da linha combatente", confirma a tenente Thaynan Miranda Amorim, 31, que é instrutora, com a responsabilidade específica, como mulher, de fazer a interlocução direta com as alunas.
O coronel Ávila, chefe de ensino da academia de Resende, acredita que "a mulher chegou para humanizar um ambiente que era totalmente masculino" e vai ajudar muito. "A segunda colocada da Aman no primeiro ano é mulher. Do efetivo de mulheres que temos aqui, metade está entre os 50 melhores da turma, do efetivo de 400", detalha.
"Já, já, vamos ter mulheres primeiras colocadas de turma. Pode ser até nessa primeira turma agora, já que temos uma segunda colocada que está a centésimos de diferença do primeiro, que é homem. E aqui nós primamos a meritocracia. Se tiver de ser mulher, vai ser mulher", assume Ávila, que é pai também de uma dessas meninas que têm enchido os olhos de professores e instrutores.
A tenente Thaynan não esconde que um outro tipo de sarrafo, colocado de forma pouco sutil e clara, ainda atrapalha o itinerário das mulheres nas academias: o machismo. "Aqui a gente enfrenta ainda o machismo fortemente. Se a sociedade lá fora é machista, é normal que aqui seja também. Estamos o tempo inteiro tendo de mostrar que esse espaço é nosso também."