Vitória da humanidade

Após superar morte, prazo apertado e clima, equipe conta sucesso de resgate de jovens de caverna na Tailândia

Bruno Aragaki e Beatriz Montesanti Do UOL, em São Paulo
Tyrone Siu/Reuters

Missão possível

"As dúvidas vinham, era uma operação muito difícil. Mas a gente tinha que tirar isso da cabeça e acreditar que iria dar certo. E deu", disse ao UOL o espanhol Fernando Raigal, 33, um dos 50 mergulhadores estrangeiros envolvidos no resgate dos Javalis Selvagens.

Nas últimas três semanas, o mundo acompanhou com apreensão o drama dos 13 tailandeses presos em uma caverna no norte do país. A história reunia elementos dignos de um filme de Hollywood (e deve virar um): crianças em uma caverna, chuvas que alagam o local, um mergulhador que morre tentando ajudar e uma corrida angustiante contra o tempo. 

Mas, após dias de agonia, na última quarta-feira (11), soube-se que essa era uma história de final feliz: os garotos resgatados recebem cuidados médicos e passam bem. 

Para que esse resultado fosse possível, a Tailândia organizou uma megaoperação que contou com militares norte-americanos, ?mergulhadores de várias nacionalidades e até uma tradutora voluntária brasileira. Com ciência, tecnologia e solidariedade de diversas partes do planeta, a humanidade venceu.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

Espanhol radicado na Tailândia, Raigal é mergulhador profissional há 12 anos. Trabalha no setor petrolífero e realiza inspeções e reparos em grandes profundidades. "Caverna não é minha especialidade. Mas mesmo os especialistas diziam que essa era uma operação muito difícil: visibilidade zero, correntezas, as crianças não sabiam nadar e poderiam entrar em pânico", disse.

Para driblar as condições adversas, a operação multinacional montada na Tailândia tentou, como primeira alternativa, bombear para fora da caverna a água que alagava as galerias.

"Não foi possível retirar tudo, mas foi fundamental. Assim, foi possível estabelecer na caverna uma área seca que serviu como base de apoio", explicou.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

A chave para o sucesso

Ao bombear parte da água para fora da caverna, equipe reduziu necessidade de cilindros de ar

Estabelecer uma área seca em um ponto intermediário da galeria foi fundamental para o sucesso da operação, segundo Fernando Raigal.

Com isso, os mergulhadores não precisavam mais ter cilindros de ar suficientes para percorrer, indo e voltando, os mais de três quilômetros que separavam a entrada da caverna do ponto em que estavam os garotos. Acredita-se que foi justamente por essa falta de ar que o mergulhador Saman Gunan tenha morrido, ao tentar regressar para a entrada da caverna.

"Um dos meus trabalhos era levar e trazer cilindros de ar até esse ponto intermediário", diz Raigal. 

Esses cilindros eram utilizados para os trechos da caverna que ainda estavam alagados. "Foi preciso, em alguns trechos, arrastar os garotos mergulhados na água", relata.

Imagens divulgadas nesta quarta mostram garotos chegando sedados durante a retirada da caverna. 

Retirou-se toda a água que se pôde. Mas ainda havia trechos inundados. A alternativa foi arrastar os meninos debaixo d'água

Fernando Raigal

Fernando Raigal, 33, um dos mergulhadores que participaram do resgate

Soe Zeya Tun/Reuters Soe Zeya Tun/Reuters

Por que eles foram para a caverna?

Era sábado, dia 23 de junho, em meio a época de chuvas fortes na Tailândia, também conhecida como o período das monções. 

Na província de Chiang Rai, ao norte do país, após um dia normal de treino de futebol, 12 meninos da equipe juvenil Javalis Selvagens, acompanhados do técnico, foram ao complexo de cavernas Tham Luang comemorar o aniversário de um deles. Foi quando começou a chover. 

Devido às chuvas violentas que caem todos os anos na região, o acesso à caverna é proibido a partir de julho. A excursão, inicialmente inofensiva, aconteceu uma semana antes.

Thai News Pix via AP Thai News Pix via AP

Meninos perdidos

O sinal de alerta foi dado pela mãe de um dos meninos, que não voltou para casa depois do treino de futebol. Por volta das 15h (horário local) do dia 23 de junho, 11 bicicletas foram encontradas do lado de fora de uma caverna conhecida por ser perigosa durante a temporada de chuvas na Tailândia. 

As buscas no interior do complexo de cavernas começaram nas primeiras horas do dia seguinte e logo atraíram a atenção da mídia. 

Ao percorrer o mundo, a história dos meninos desaparecidos atraiu mergulhadores e socorristas voluntários, muitos deles vindos de outros países, como Raigal, que viajou de Bancoc, a capital, para Chian Rai para oferecer ajuda.

Durante o período, o país organizou diversas orações para que os meninos fossem encontrados com vida.

Tyrone Siu/Reuters Tyrone Siu/Reuters

Cheiro de humanidade

Em 2 de julho, mais de uma semana após o início das buscas, o grupo foi finalmente encontrado por dois mergulhadores ingleses.

No labirinto infinito de rochas, galerias e águas que compõem o complexo de cavernas Tham Luang Nang Non, a dupla foi atraída pelos vestígios de humanidade que há tanto tempo procuravam.

"Os meus colegas relataram que a primeira pista que tiveram foi o 'cheiro de gente' que sentiram conforme se aproximavam dos meninos", disse Raigal.

"Na sequência, viram também luzes das lanternas", conta. Paciente e estratégico, o grupo economizou bateria e conseguiu fazer com que os equipamentos durassem por mais de nove dias.

Eles estavam a mais de três quilômetros da entrada do complexo, protegidos das inundações sobre um banco de pedra. Estavam magros e enfraquecidos. Os britânicos filmaram o momento do encontro. 

"Em quantos vocês estão?", pergunta um dos mergulhadores. "Somos 13", responde um garoto, o único a se comunicar bem em inglês. "Brilhante", exclama o mergulhador, aliviado. 

Os dois socorristas contam para os meninos que é segunda-feira, que eles estão desaparecidos há nove dias e que são muito corajosos. Avisam que muito mais gente está vindo para resgatá-los. Mas quando?

O grande encontro

A corrida contra o tempo

A alegria e a comoção de encontrar os 13 desaparecidos com vida foram logo substituídas pela grande incógnita de como retirá-los de lá. 

Para chegar ao local em que estavam protegidos da água, era necessário percorrer um longo caminho no interior da caverna, em meio a trechos extremamente estreitos ou inundados. 

Os meninos, além de fracos pelos dias em um ambiente inóspito, sem alimentação, não tinham qualquer experiência com mergulho --alguns nem sabiam nadar. 

Durante os dias seguintes, autoridades cogitaram manter os meninos no local por meses, até que terminasse a estação de chuvas e eles pudessem caminhar para fora. A hipótese, no entanto, foi logo descartada com a previsão de mais água por vir.

Panumas Sanguanwong/Reuters Panumas Sanguanwong/Reuters

Morte de mergulhador aumenta o medo

No dia 5 de julho, um ex-mergulhador da Marinha tailandesa morreu em meio as operações de resgate. 

Saman Gunam tinha 38 anos, era triatleta e voluntário no local. Ele havia levado suprimentos e oxigênio para o grupo. Na volta, ficou ele próprio sem ar e acabou perdendo a consciência. Gunam foi retirado da caverna por seu companheiro de mergulho, mas os socorristas não conseguiram reanimá-lo. 

A morte de um militar experiente evidenciou os riscos envolvidos no resgate do grupo. Se já era difícil para um mergulhador experiente, imagine para um grupo de meninos.

As equipes de resgate afirmaram que a morte de Gunam não seria em vão. Seu enterro foi bancado pela Coroa tailandesa. 

Com o fim das operações de resgate, os amigos de Saman  Gunan organizaram uma vaquinha para arrecadar fundos para a viúva do mergulhador.

"Estamos de volta, bem e podemos continuar sustentando nossas famílias. Infelizmente, não é o caso de Saman", escreveu Raigal em um post no Facebook, no qual também compartilha a conta bancária em nome do colega morto.

Companhia por 3 (longos) dias

O médico e mergulhador australiano Richard Harris ficou com os meninos na caverna durante os três dias que durou o resgate. 

Especialista em prestar socorro em caverna, ele se voluntariou para a missão, quando ficou sabendo que os meninos haviam sido localizados. 

Foi Harris quem decidiu, após avaliá-los, quais eram as crianças mais aptas a deixarem primeiro a caverna. 

Mas, após três dias longe do mundo, Harris mal teve tempo para comemorar o bem-sucedido resgate: descobriu que, durante aquele período, seu pai havia morrido. 

"Tem sido uma semana cheia de altos e baixos", disse seu colega Andrew Pearce à BBC. 

Sakchai Lalit/AP Sakchai Lalit/AP
Sakchai Lalit / AP Photo Sakchai Lalit / AP Photo

Herói ou vilão?

O técnico Ekkapol Chantawong, 25, dividiu a opinião das pessoas que acompanhavam a notícia. 

Muitos o culparam pela situação dos meninos, considerando que era o único adulto e responsável pelo grupo. 

Os pais das crianças, no entanto, perdoaram Ekkapol em uma carta entregue pelos mergulhadores.

"Queremos que você saiba que nenhum dos pais está bravo com você, então, não se preocupe com isso", escreveram.

Antes de ser técnico do Javalis Salvagens, Ekkapol passou uma década como monge budista. Sua tia contou a jornalistas que ele pode ficar até uma hora meditando. Acredita-se que essa habilidade tenha ajudado os adolescentes a superarem os dias sozinhos e no escuro da caverna. 

O resgate

No domingo, 8 de julho, as equipes decidiram aproveitar uma janela entre tempestades, com a previsão de mais chuvas na região para os próximos dias. 

Naquele mesmo dia, mergulhadores iniciaram a missão resgate. O plano era trazer os meninos em grupos de quatro, cada um deles acompanhado por dois mergulhadores. Os rapazes estariam amarrados aos socorristas, que também carregariam os tanques de oxigênio para eles. 

O caminho envolvia andar sobre as rochas, escalar e mergulhar na escuridão. Para isso, os meninos vestiram roupas especiais de mergulho e máscaras que cobriam todo o rosto. 

Já no domingo (8), quatro garotos foram retirados da caverna com vida e bem de saúde. Nos próximos dois dias, seguindo o mesmo procedimento, o grupo inteiro foi resgatado. 

Do medo à euforia

Government Spokesman Bureau/Handout via Reuters Government Spokesman Bureau/Handout via Reuters

Os números da operação

  • 18

    Dias foi o total de tempo que os meninos ficaram na caverna. Eles se perderam em 23 de junho e nesta terça (10) os quatro últimos foram resgatados.

  • 9

    Dias foi o tempo que as equipes de resgate levaram para encontrar os meninos então desaparecidos, sem saber se estariam vivos ou não.

  • 4

    Quilômetros era a distância do local em que eles foram encontrados, a partir da entrada do complexo de cavernas.

  • 800

    Metros abaixo do solo era a profundidade do lugar seco que encontraram para se refugiar.

  • 3

    Dias foi o tempo que durou a operação de resgate. Ela teve início no domingo (8) e terminou nesta terça (10).

  • 128 milhões

    De litros de água da chuva foram drenados das cavernas, para que o resgate fosse possível.

  • 90

    Mergulhadores participaram da operação, sendo 40 tailandeses e 50 estrangeiros de diferentes países.

  • 14

    Era a média de idade entre os 12 meninos, que tinham entre 11 e 16 anos. Além deles, havia um técnico, de 25.

  • 1.000

    É o número estimado de voluntários, tailandeses e estrangeiros, que passaram pelo local para ajudar com comida, traduções e apoio de todo tipo.

  • 1.100

    Jornalistas de todo o mundo estiveram no local, com equipamentos instalados em meio ao barro e realizando transmissões ao vivo de baixo da chuva.

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