"Não estou aqui para a paz"

Deputado Marcelo Freixo diz que ministro Raul Jungmann 'não conseguirá fazer política sobre corpo de Marielle'

Paula Bianchi Do UOL, no Rio
Taís Vilela/UOL

Ainda é difícil para o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) falar da antiga assessora e amiga Marielle Franco no passado.

Em seu gabinete no prédio anexo à Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), onde a vereadora carioca começou sua vida política, Freixo lembra com carinho dos 11 anos que trabalharam juntos e alterna o uso do "é" e do "era" ao se referir a Marielle.

Abatido e com olhar cansado, ele se emociona ao falar da trajetória da vereadora. “Ela era muito expansiva, expressiva. Sempre disse que a Marielle falava pelos dentes. Ela tem um sorriso muito impressionante. Minha relação com a Marielle foi primeiro muito familiar, depois que veio a política”, diz.

Uma semana após o brutal assassinato da vereadora que mobilizou multidões no Rio e no mundo, o deputado conta que ainda não teve tempo de elaborar o luto. Em entrevista ao UOL na última quarta-feira (21), Freixo, que perdeu um irmão assassinado pela milícia, se refere a Marielle como uma filha. Foi trabalhando em seu gabinete que ela decidiu estudar sociologia, fazer mestrado, concorrer à Câmara Municipal.

“Lembro dela sentada nessa cadeira aí dizendo o seguinte: 'vou largar você. Acho que vou ser vereadora'. O que você acha? Estou morrendo de medo dessa decisão”.

O deputado, que evitou falar de política e entrar mais a fundo na investigação, diz que ainda não tem respostas. Não vê o porquê Marielle seria um alvo, cobra respostas da Polícia Civil ante o que define como "o caso mais complexo da história da Delegacia de Homicídios" e se diz pronto para a guerra. "Não estou aqui para a paz, estou aqui para a guerra", afirma, ao comentar seu empenho para a elucidação do crime.

Citando nominalmente o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, Freixo acusa o governo de fazer uso político da morte de Marielle para justificar a intervenção federal na segurança do Rio e Janeiro --intervenção que Marielle combateu desde o início.

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"Perdi uma filha"

Pablo Jacob/Agência O Globo Pablo Jacob/Agência O Globo

'Não vou debater intervenção sobre o corpo da Marielle'

Um dia após o assassinato de Marielle e do motorista Anderson Gomes, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, fez um pronunciamento em que defendeu a necessidade da intervenção federal na segurança do Rio e prometeu "fazer justiça à vereadora que tombou fruto de um bárbaro crime”.

Contrária à intervenção federal na segurança do Rio desde o início, Marielle tem sido citada pelo governo como uma das justificativas para a presença dos militares no estado.

Para Freixo, isso é “inaceitável, vergonhoso”.

“Que a gente faça o debate da intervenção, eu topo. Mas não sobre o corpo da Marielle, não dizendo que a morte legitima a intervenção. A investigação não está concluída, longe disso.”

“Quem está politizando a morte da Marielle não somos nós”, diz. “A gente vai deixar a Marielle viva. Isso não é politizar. É não deixar que tudo que ela representava morresse com o seu corpo. Isso é uma obrigação que nós temos. Não pude evitar que ela morresse, mas posso evitar que o que ela simboliza morra.”

"Jungmann não vai conseguir fazer política sobre o corpo da Marielle"

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"Só sossego quando descobrir quem foi"

Freixo diz não ter ideia do que motivou o assassinato de Marielle e que jamais esperou que algo assim fosse ocorrer. Ele conta que, apesar de estar no mandato na época da CPI das Milícias, como era mais nova, ela não teve uma participação tão grande na investigação --a comissão da Alerj indiciou em 2008 mais de 200 pessoas suspeitas de fazerem parte de grupos paramilitares no Rio.

“Ela acompanhou como toda a minha equipe, mais de 20 pessoas, acompanharam. Não tem por que selecionar ela para uma vingança.” 

As ameaças, diz, sempre foram todas contra ele.

“A mãe da Mari falava isso o tempo todo: 'meu medo era com relação a você, era que minha filha morresse por estar ao seu lado, não o contrário.' Era um medo que eu tinha com relação a todo mundo.”

Diferentemente da época da morte da juíza Patrícia Acioli, em agosto de 2011, quando deixou o país por alguns meses ao ser apontado como o próximo na lista, Freixo diz que não pretende abrir mão de sua vida política por conta das ameaças e cobra uma resposta. “Não vou ser vencido pelo medo. Nem a Mari será vencida pelo medo.”

“Não era uma pessoa qualquer na minha vida. Eu perdi uma filha e o mundo ganhou um símbolo. Mas eu estou movido pela dor. Não quero paz, não. Não estou aqui para a paz, estou aqui para a guerra. Só sossego quando descobrir quem foi que fez.”

"Temos de dar o recado a quem matou e não aceitar o recado"

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Fake news: 'a barbárie política'

Freixo define as notícias falsas envolvendo Marielle nas redes sociais como "barbárie política". Para ele, os episódios são criminosos e afastam o debate do plano da democracia.

“O medo é e sempre foi um instrumento da política. A promoção do medo gera intolerância, afastamento, retração. A gente não pode permitir que o medo vença a esperança, o sonho.”

O deputado conta que foi informado por meio da imprensa sobre a oferta do PT e do PCdoB de abrirem mão de concorrerem ao governo do Rio neste ano em prol de uma possível candidatura sua e que, apesar de defender a unidade temática da esquerda, não considera que seja o momento de tratar disso.

“Talvez para 2020 seja melhor, eu topo. A gente começa agora a conversar. O PSOL já tem um ótimo candidato a governador”, diz, referindo-se ao vereador Tarcísio Motta.

“Estou num momento muito delicado da minha vida. Tratando de ameaças, de dor, da família da Marielle... Juntando os cacos e acompanhando as investigações. Não consegui nem fazer o meu luto, não parei um minuto. Não era uma pessoa qualquer na minha vida. Eu perdi uma filha e o mundo ganhou um símbolo.”

O que menos importa agora, diz Freixo, é a situação do partido. “Não olho para a Marielle como PSOL, mas como minha filha, como uma menina que eu vi crescer, transformar todos os sonhos em realidade.”

A Marielle talvez fosse a única coisa concreta em termos de mudança política no Rio de Janeiro. Nesse momento, em pleno século 21, uma pistolagem colonial vai calar essa possibilidade de mudança? A gente vai aceitar isso?

Marcelo Freixo

O legado: Marielle, presente!

A Marielle representa o que 2013 tentou fazer e a gente não conseguiu entender. Uma resposta à enorme crise de representatividade. Uma mulher jovem, negra, de uma favela, que compreende a favela e luta por isso. Marielle representava, talvez, o que há de mais avançado na política do Brasil hoje. O mundo entendeu isso. Isso não é politizar a morte da Marielle, é entender Marielle.

Marcelo Freixo

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