Histórias além das fotos

Fotógrafos da Reuters contam bastidores das imagens mais marcantes de 2016

Jonathan Bachman/ Reuters
Jonathan Bachman/ Reuters

A negra que enfrentou a polícia

Jonathan Bachman/ Reuters Jonathan Bachman/ Reuters

Jonathan Bachman

Uma mulher parada calmamente, com seu vestido longo movendo-se na brisa; dois policiais com aparato antimotins avançam.

Eu estava de serviço para a Reuters em Baton Rouge para cobrir os protestos pela morte de Alton Sterling, atingido por tiros da polícia.

Momentos antes de eu captar esta imagem de Ieshia Evans, eu estava de costas, fotografando os confrontos entre a polícia e os manifestantes.

Ouvi alguém atrás de mim dizer algo como "Não fique parada aí, eles estão prendendo as pessoas na rua".

Me virei, olhei por cima do ombro direito e vi essa mulher parada na rua. Soube imediatamente o que iria acontecer. A polícia ia prendê-la. Rapidamente me movi e tirei a foto.

Quando voltei ao meu carro e examinei as fotos, vi que tinha uma imagem forte. Mas não imaginei que ela se tornaria viral. Sou grato por ter estimulado uma discussão sobre uma questão importante neste país.

Kai Pfaffenbach/Reuters Kai Pfaffenbach/Reuters

O sorriso do recordista olímpico

Kai Pfaffenbach

Quando Usain Bolt se preparava para a semifinal nos 100m, decidi usar baixa velocidade do obturador naquela corrida.

Preparei minha câmera (velocidade) para 1/50 de segundo e esperava o momento quando ele passou por mim.

Nesse exato instante ele olhou para a esquerda com o sorriso orgulhoso, e meu primeiro pensamento foi: "Espero ter pego isso em foco".

Bem, acredito que tive muita sorte nesse caso, mas não imaginava nesse momento que a foto se tornaria viral e teria reconhecimento mundial. 

Rodi Said/Reuters

O véu imposto pelo Estado Islâmico

Rodi Said/Reuters Rodi Said/Reuters

Rodi Said

Quando as forças apoiadas pelos EUA invadiram a aldeia de Souad Hamidi, no norte da Síria, que estava tomada pelo Estado Islâmico, a jovem de 19 anos rapidamente tirou o véu da cabeça que fora obrigada a usar desde 2014 e sorriu.

"Senti-me livre", disse Hamidi depois de trocar o véu preto que cobria seu rosto por um lenço vermelho. "Eles nos obrigaram a usá-lo contra a nossa vontade, por isso o tirei daquele jeito, para irritá-los."

Eu seguia para aldeias que tinham sido retomadas pelas Forças Democráticas Sírias (FDS), e minha chegada coincidiu com a volta de Hamidi para sua casa.

Am Adasa estava sob o controle dos militantes desde 2014, quando o EI proclamou seu califado sobre a Síria e o Iraque. Sob o EI, a vida era estritamente controlada, disse Hamidi, incluindo a vestimenta.

"Eles puniam as pessoas que não seguiam suas regras, às vezes obrigando-as a ficar em buracos cavados no chão durante dias", disse ela. "Desde que eles (FDS) tomaram o controle, temos uma nova vida."

Sentada na casa de sua família, Hamidi disse que ainda teme que o EI possa voltar.

"Quero apagar o EI de minha memória", disse ela. "Espero que todas as áreas controladas por eles sejam libertadas, que as pessoas se livrem deles e possam viver como nós hoje."

Para mim, essa foto expressa a personalidade forte de Hamidi, ao recuperar a liberdade do negrume que lhe foi imposto. É o momento em que uma pessoa supera o medo da perseguição religiosa.

Amit Dave/Reuters Amit Dave/Reuters

A criança amarrada em uma pedra

Amit Dave

Eu estava fazendo fotos da vida cotidiana em Ahmedabad, quando avistei trabalhadores que puxavam pesados cabos de eletricidade e pensei que dariam uma imagem interessante. A luz não era boa, e esperei que melhorasse.

Os filhos dos trabalhadores corriam brincando junto à estrada, mas havia uma criança sentada sozinha, e me aproximei para ver por quê.

Shivani, de 15 meses, puxava uma fita plástica que sua mãe havia amarrado à sua perna e a uma pedra no local da obra.

Descalça e coberta de poeira, ela passa nove horas por dia em temperaturas de chegam a 40ºC, presa à fita marcada com "Cuidado".

Sarta Kalara, sua mãe, disse que não tem alternativa a amarrar Shivani, apesar de ela chorar, enquanto ela e seu marido trabalham por 250 rúpias (cerca de R$ 13,15) por turno cavando buracos para cabos elétricos na cidade.

"Eu a prendo para que não vá para a rua. Meu filho tem 3 anos e meio e não pode cuidar dela", disse a mãe de 23.

"Este lugar tem muito tráfego, não tenho opção. Faço isso para sua segurança."

Os pais dizem que seus filhos geralmente ficam com eles até os 7 ou 8 anos, quando são mandados para morar com os avós.

Kalara, segurando Shivani com a fita plástica pendurada da perna, disse que os gerentes não querem saber de seus problemas.

"Eles não se importam conosco ou com nossos filhos, só estão preocupados com o trabalho."

Ueslei Marcelino/Reuters

A descoberta da filha com microcefalia

Ueslei Marcelino/Reuters Ueslei Marcelino/Reuters

Ueslei Marcelino

Gleyse Kelly da Silva estava com sete meses de gravidez quando um ultrassom mostrou que a cabeça de seu bebê tinha parado de crescer.

Sua filha de 3 meses, Maria Giovanna, tem microcefalia, uma deformação caracterizada pelas cabeças anormalmente pequenas e que também pode incluir danos cerebrais.

Passei algum tempo com Gleyse e sua família, vendo-a cuidar de sua filha.

"Nunca imaginei que minha filha pudesse nascer com um defeito", disse Gleyse. "Quando a vi pela primeira vez, eu chorei.... Vi minha filha perfeita e agradeci a Deus. Foi um sentimento de amor, de felicidade."

A família tem ajudado o casal. Eles tratam Maria Giovanna como qualquer outro bebê.

É uma tarefa delicada, a família está ansiosa sobre o que está acontecendo e é importante ser sensível e respeitoso. Eu sempre chego com minha câmera abaixada e falo primeiro com as pessoas. Todo mundo precisa ser ouvido.

Gleyse montou um grupo de mensagens com outras mães cujos bebês têm microcefalia; elas compartilham experiências e se apoiam mutuamente. Ela tem esperança de que sua filha não sofra consequências severas no futuro e que Maria Giovanna possa falar, andar e brincar com outras crianças.

"Não posso acreditar quando os médicos dizem que ela não vai andar", disse a mãe. "Preciso acreditar que tudo vai dar certo."

Nos meses que se seguiram, mantive contato com a família; a vida deles não é fácil. Gleyse deixou o emprego para cuidar de sua filha em tempo integral. Seu marido tem um emprego temporário, mas ganha menos de US$ 200 por mês (R$ 692).

Maria Giovanna precisa de muitos remédios e a família não tem dinheiro suficiente para pagar o tratamento. A família espera receber ajuda do governo ou de um programa social, mas diz que ainda não receberam assistência.

Brian Snyder/Reuters

A fanática por Donald Trump

Brian Snyder/Reuters Brian Snyder/Reuters

Brian Snyder

Para algumas pessoas, era como se ela tivesse encontrado um famoso astro do rock. Para outras, esta mulher parecia aterrorizada.

Na verdade, Robin Roy é uma entusiástica apoiadora do presidente eleito Donald Trump.

Usando uma camiseta que dizia "Obama, você está demitido. Vote em Trump 2016", ela tinha esperado uma oportunidade de conhecer Trump pessoalmente no comício. Então o magnata dos imóveis de Nova York e astro de reality show apertou sua mão e falou com ela.

Entusiasmada seria pouco para descrevê-la.

Todos os candidatos de olho na Casa Branca cumprimentam os apoiadores ao longo do cordão de isolamento no final de eventos como esse. É uma oportunidade de os eleitores apertarem a mão dos candidatos ou posar para uma foto.

As outras pessoas na foto são apoiadores também, incluindo a filha de Roy, à esquerda dela.

Os fotógrafos são bastante restritos pela equipe de campanha nos eventos de Trump. A maioria das imagens é tirada de um estrado nos fundos do salão onde fica o palco principal, com lentes teleobjetivas de 400mm.

Depois do discurso, um pequeno grupo de fotógrafos foi acompanhado ao palco para documentar Trump avançando pelo cordão. Eu tirei esta foto com uma lente mais curta (50mm) do palco, olhando sobre o ombro de Trump.

O fato de que cada dia é único é uma das partes realmente divertidas desse trabalho.

Roy foi uma apoiadora inabalável de Trump durante toda a campanha. "Nós percebemos que Trump era um de nós e não escondia esse fato. Ele é perfeito? Não, mas sinceramente parece se importar com as pessoas. Ele não nos esnoba ou se faz parecer melhor."

Quase um ano depois de ter encontrado Trump, e esperando o início da Presidência dele, Roy diz: "Espero que ele cumpra a maioria de suas promessas e una este país para deter a insensatez política".

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O caça reabastecido no ar

Toby Melville

Detesto voar, por isso inicialmente hesitei quando me perguntaram se eu faria uma viagem de um dia de uma base da Força Aérea americana até perto da fronteira da Crimeia, para fotografar o reabastecimento em pleno voo de bombardeios dos EUA.

Já fiquei enjoado em muitas missões antes: voando em helicópteros militares sobre Bagdá, em aviões perto de montanhas em Kosovo e em aviões a hélice de seis lugares sacolejando por tempestades elétricas nos Andes chilenos. Mas a chance de fotografar de um ponto de vista único superou todos os meus receios.

Um despertador às 3h30 marcou o início de um dia de trabalho de 19 horas. Oito delas foram passadas em pleno ar no casco de 50 anos de um mamute ruidoso, escuro e rangente: um avião-tanque de combustível.

Os tripulantes da Força Aérea me deram várias oportunidades de fotografar os jatos de combate Raptor realizando suas manobras aparentemente milagrosas durante o dia.

Os Raptor voavam a poucos metros de distância e com grande precisão. A linha semelhante a um cordão umbilical saía pelo fundo de nossa aeronave e se prendia a uma minúscula abertura no topo dos F-22.

Esta foto mostra um piloto preparando-se para receber o cabo de combustível. Com o bônus de uma superjanela por onde fotografar, juntamente com grande visibilidade no trecho de volta da Romênia ao Reino Unido, fiquei satisfeito com as fotos.

Felizmente, nesta viagem consegui manter minha compostura e durante as instruções, ainda tentando esconder minhas pernas bambas, não mencionei aos pilotos ou tripulantes que certa vez vomitei em uma escada-rolante --a tal ponto chega o meu enjoo!

Bassam Khabieh/Reuters

O menino vítima de um bombardeio

Bassam Khabieh/Reuters Bassam Khabieh/Reuters

Bassam Khabieh

Ele parecia tão solitário deitado naquela mesa, com as roupas manchadas de sangue. Mahmoud Baraka, 11, foi morto durante o bombardeio a Douma, parte de Ghouta leste, área que o governo tenta recapturar. A mãe de Baraka e seus irmãos também foram feridos no bombardeio. Seu pai e dois tios morreram em ataques no ano passado.

Naquele dia a cidade sofreu vários ataques aéreos. Eu tentei ir até os locais atingidos, mas uma nova onda de morteiros começou e esperei em um prédio que ela terminasse. Então fui até o ponto da defesa civil para onde eles levavam as vítimas para prepará-las para o enterro.

Baraka tinha sido levado para lá; os trabalhadores esperavam para envolver seu corpo em uma mortalha até que um de seus parentes chegasse. Um membro da defesa civil tentou endireitar as pernas do menino, mas elas estavam rígidas.

Um morador foi procurar o avô de Baraka, que trabalhava nos arredores da cidade, para que ele recolhesse o corpo do neto. Esperei pelo avô, mas a equipe da defesa civil decidiu transferir o cadáver para a casa da família antes da chegada do avô.

Acompanhamos o corpo até a casa. O avô chegou; ele não acreditava que mais um neto, o último filho de seu filho já morto, havia morrido. As lágrimas escorreram por seu rosto.

A avó de Baraka e outros parentes choravam e gritavam: "Por que você foi embora, oh, Mahmoud, por que você foi embora?" O ambiente estava eletrificado.

A família fez o velório em casa e depois ele foi levado até a mesquita local, onde foram feitas orações junto ao corpo. Os meninos do bairro cercaram o cadáver para ver pela última vez seu amigo morto. O corpo foi levado ao cemitério e enterrado.

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O "melodrama" de uma vítima da violência

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Czar Dancel

Quando a imagem de Olayres chorando abraçada ao corpo de seu parceiro morto se tornou viral nas Filipinas, o presidente Rodrigo Duterte a chamou de melodramática. Ele mencionou a imagem de Olayres em seu discurso sobre o estado da união e disse que a mídia tentava retratá-la como sendo igual à Pietá de Michelangelo, a escultura de Maria segurando o corpo de Jesus.

Seis pessoas foram assassinadas naquela noite em Manila, entre elas Michael Siaron, o parceiro de Olayres de 29 anos, morto a tiros por atacantes desconhecidos em motos.

Nos últimos meses, comecei a cobrir regularmente as mortes de supostos traficantes de drogas. Durante a noite, jornalistas e fotógrafos de diferentes organizações noticiosas trabalham em equipe.

A morte de Siaron foi a última de várias que cobrimos naquela noite. É sempre chocante chegar a uma cena de morte. Fiz algumas imagens antes de perceber Olayres embalando o corpo de Siaron.

Um pedaço de papelão fora deixado ao lado do cadáver com a palavra "Pusher" [traficante] escrita nele.

"Um amigo me ligou e disse que Michael tinha levado tiros. Corri para vê-lo", disse Olayres em uma parte desolada do bairro de Pasay, na capital.

Olayres disse que Siaron era usuário de drogas, mas que é impossível que fosse um traficante, porque eles eram muito pobres e mal podiam pagar pela próxima refeição.

"Eles devem matar os que não merecem mais viver, os que são uma ameaça à sociedade, porque causam mal aos outros. Mas não pessoas inocentes", disse ela.

"Não preciso da simpatia do público. Não preciso que o presidente nos note. Sei que ele não gosta desse tipo de gente. Mas para mim, espero que eles peguem os verdadeiros criminosos."

Questionada sobre se tinha uma mensagem para Duterte, ela disse: "Matem as drogas, não as pessoas".

Goran Tomasevic/Reuters Goran Tomasevic/Reuters

Pânico após bombardeio em Mossul

Goran Tomasevic

Eu estive no bairro de Tahrir, no leste de Mossul, várias vezes enquanto cobria a campanha das forças iraquianas apoiadas por ataques aéreos dos EUA para retomar a cidade dos militantes do Estado Islâmico.

Cobrir batalhas é duro, e neste caso às vezes era difícil chegar às linhas de frente, mas nesse dia conseguimos. Quando chegamos, tudo parecia calmo e silencioso.

Logo depois um carro explodiu em um ataque suicida do EI contra o avanço das forças em Mossul. Houve mortos, crianças choravam e várias casas próximas foram destruídas. Também houve choques.

Eu já cobri muitos conflitos em minha profissão, mas o que me marcou em Mossul foi o número de carros-bomba.

O combate vem em ondas e, quando as coisas se acalmaram um pouco, vi um grupo de civis aproveitando o intervalo no tiroteio para sair às ruas.

Eram jovens e idosos, e sentiam-se seguros o suficiente para deixar suas casas com poucos pertences, andando com cuidado e calma na direção de onde eu estava, captando as cenas ao meu redor.

De repente um ataque aéreo atingiu posições islâmicas a algumas centenas de metros de distância, atrás deles. Foi próximo, e logo surgiu o pânico. As pessoas gritavam, se abaixavam e corriam enquanto as colunas de fumaça subiam ali perto. Elas rapidamente correram para qualquer abrigo que puderam encontrar.

Eu ouvi o avião pouco antes do ataque e por experiência sabia que tinha pouco tempo. Essas coisas acontecem depressa e você tem de agir rápido. Primeiro tem de garantir sua segurança, depois manter-se concentrado para conseguir a foto. Você prepara as lentes e se acalma.

Foi um ataque aéreo, e os moradores esperaram que terminasse antes de procurar outro abrigo. Eu me mudei para outro local e continuei cobrindo os combates.

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O atentado no Dia da Bastilha

Eric Gaillard/Reuters Eric Gaillard/Reuters

Eric Gaillard

Eu estava em casa de folga, depois de algumas semanas duras cobrindo o campeonato de futebol Euro 2016, quando um colega me ligou de Paris e disse que um caminhão tinha atingido pessoas no centro de Nice. Eu pensei que fosse um acidente de trânsito, algo que geralmente não cobrimos.

Mas então recebi um alerta pelo telefone, das autoridades locais anunciando que havia ocorrido um atentado. Não parei para me perguntar o que tinha acontecido, agarrei as câmeras e saí em minha moto.

Não consegui passar com a moto, e quando estacionei vi um corpo deitado na sarjeta. Foi quando olhei por meu retrovisor e vi todos os outros corpos atrás de mim.

Cerca de 12, alguns já cobertos com toalhas de mesa tiradas de restaurantes próximos, deitados no passeio à beira-mar. Policiais e soldados --muitos ainda apontando suas armas-- pareciam em estado de confusão.

As condições eram muito difíceis: estava escuro, a polícia tentava nos deter, e algumas pessoas estavam muito agressivas. Eu compreendi. A situação era muito caótica.

A foto da boneca viralizou na internet, muitas vezes com a legenda errada, dizendo que mostrava uma criança morta sob a coberta de emergência. Mas na verdade ninguém sabe com certeza a idade da vítima.

Diante do tamanho do corpo, não creio que fosse uma criança. Não sei por que a boneca está lá. Era um pai ou uma mãe com sua filha? Alguém colocou a boneca ali em certo momento? Todos me perguntaram isso.

Quando você vai a uma guerra, sabe que é um ambiente hostil, espera ver coisas desagradáveis. Mas eu fiquei muito abalado pelo que vi naquela noite, porque o terror tinha chegado à minha cidade, Nice. O ataque aconteceu a apenas 500 metros de minha casa e durante o feriado nacional da França, o Dia da Bastilha.

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